A pouco mais de um ano das próximas eleições, que definirão não só o presidente da República, mas também governadores, senadores e deputados federais e estaduais, o Partido dos Trabalhadores (PT) começou a preparar sua militância para atrair eleitores evangélicos.
Dados do Censo divulgados pelo IBGE no início de junho mostram que os evangélicos têm mantido o ritmo acelerado de crescimento e já representam 26,9% dos brasileiros, quase o triplo do registrado na década de 90. De olho nesses números, a Fundação Perseu Abramo (FPA) – braço de estudos do PT – lançou, no final de maio, o curso a distância “Fé e Democracia”, direcionado à “militância evangélica brasileira”.
“O objetivo é qualificar a militância para uma interlocução respeitosa e eficaz com a comunidade evangélica”, diz o pastor Luís Sabanay, supervisor-geral do curso.
O teólogo é figura-chave na interlocução do PT com o eleitorado evangélico. Nas eleições de 2022, atuou fortemente nos bastidores para convencer eleitores cristãos a votarem nos candidatos do partido. Ele também foi um dos autores da “Cartilha Evangélica” do PT, lançada em 2024, com orientações para militantes e candidatos sobre como dialogar com evangélicos.
Apesar dos esforços, o curso – que teve início na última semana de maio e se estenderá até o final de junho – não atraiu um número expressivo de participantes. Oficialmente, o partido alega ter 2,9 milhões de filiados, mas, mesmo com o convite a dirigentes, militantes, lideranças sociais e evangélicas, apenas 775 pessoas se inscreveram.
Primeira aula é ministrada por teóloga que cultua divindade hindu
A primeira aula do curso contou com a presença de Angelica Tostes, que se intitula uma “teóloga feminista”. “A Bíblia é o livro da classe trabalhadora”, disse ela à turma.
Em textos de opinião publicados em portais de esquerda, Angelica costuma mirar em críticas às igrejas evangélicas tradicionais pelo “fundamentalismo religioso”. Aos militantes que participaram da primeira aula do curso, ela elogiou os “irmãos e irmãs de fé” e apontou a relevância de o partido dialogar com o eleitorado cristão.
“A gente vê que [as igrejas evangélicas] são espaços que vão acolhendo essas pessoas e vão dando não só respostas de uma dimensão concreta, mas também existencial. E aí é necessário que nossos companheiros e companheiras que não têm a vivência religiosa também observem isso. A religião, não só evangélica ou cristã, ela dá um sentido na vida.”
Apesar disso, a teóloga não segue necessariamente o modelo de fé evangélica. Nas redes sociais, ela mistura versículos bíblicos com publicações em defesa do marxismo, do feminismo e da liberdade sexual.
Ela também não esconde seu apreço ao hinduísmo e costuma publicar fotos de um altar dedicado a Krishna, uma das divindades centrais do hinduísmo. “Só devoção e amor”, diz o texto que acompanha uma das fotos que mostra a escultura de Krishna ao lado de velas e oferendas.
Leitura da Bíblia a partir da ótica marxista
Um dos motes do curso é mostrar que as igrejas evangélicas teriam sido cooptadas pela “extrema-direita” e instrumentalizadas para fins políticos. No entanto, muitos dos preletores responsáveis por ministrar as aulas costumam recorrer com frequência ao uso político da religião. Um deles é o pastor Ariovaldo Ramos, fundador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, uma entidade pró-Lula dedicada à militância política.
Em sua participação no curso, Ariovaldo fez uma defesa da Bíblia como um instrumento político compatível com o pensamento socialista. “Os princípios do Reino demandam um governo que trabalha em prol do futuro do trabalhador. A gente vê, por exemplo, em Atos [livro do Novo Testamento], que a igreja criou uma seguridade social para a viúva. E, como disse o apóstolo Paulo, quem colheu demais não tem sobrando, para que quem colheu de menos não sinta falta”, diz Ariovaldo.
Em sua lógica, é possível encontrar um ponto de confluência da Bíblia com a “utopia marxista, que é o fim das classes e quando os meios de produção pertencem ao trabalhador”. Aliado de longa data de Lula, Ariovaldo participou da interlocução com evangélicos na campanha do petista em 2022.
Curso para evangélicos é mais uma da série de tentativas do PT de atrair cristãos
Ao falar aos participantes da primeira aula do curso, o presidente da Fundação Perseu Abramo, Paulo Okamotto, mencionou “certa urgência para fazer essa reflexão” – fala que escancara a preocupação do partido com a proximidade do período eleitoral. Nas últimas eleições, as estratégias do PT para conquistar os evangélicos foram amplas, mas nem tão exitosas.
Em 2022, quando Lula saiu vencedor da disputa, o partido lançou mão de iniciativas como uma carta do petista aos cristãos e o Movimento Evangélicos com Lula, que articulava lideranças religiosas de esquerda para apoiar o então candidato. Outra ação foi a criação de uma série de canais nas redes sociais, como “Evangélicos com Lula” e “Restitui Brasil”, apresentadas pelo partido como “uma iniciativa que partiu espontaneamente de alguns setores evangélicos”.
Com exceção de um dos perfis no Instagram, nenhum dos outros canais somou mais de 1.000 adeptos e todos pararam de publicar conteúdos ao final das eleições.
Em 2024, nas eleições municipais, novamente o partido mirou o eleitorado cristão. Uma das principais ações foi o lançamento da “Cartilha Evangélica Diálogo nas Eleições”, que orientava candidatos petistas não acostumados a dialogar com religiosos a evitar deslizes e conquistar votos.
Entre os criadores da cartilha está o pastor Sérgio Dusilek, que atua como uma espécie de consultor teológico junto à Fundação Perseu Abramo. Ele também foi o responsável por elaborar a estrutura pedagógica do atual curso do PT sobre aproximação com evangélicos.
Dusilek é outro pastor que ficou famoso por envolver-se ativamente na campanha de Lula em 2022, chegando a dizer, em um comício, que a igreja evangélica deveria pedir perdão ao petista. O apoio explícito a Lula não foi bem recebido, e dias depois o pastor decidiu renunciar ao cargo que ocupava, como presidente da Convenção Batista Carioca.
Mesmo com as estratégias de comunicação e o apoio de algumas lideranças religiosas, o apoio do eleitorado evangélico ao PT nas últimas eleições presidenciais foi tímido, sobretudo no segundo turno da disputa: uma pesquisa divulgada pelo Datafolha em 15 de outubro, duas semanas antes da votação, mostrou que o então candidato Lula somava apenas 31% da preferência entre esse público.
Em 13 e 14 de outubro de 2022, o Datafolha ouviu 2.898 eleitores. A margem de erro era de 2 pontos para mais ou para menos. O nível de confiança ficou em 95%. O número de registro da pesquisa na Justiça Eleitoral foi BR-01682/2022.
Fonte. Gazeta do Povo