
Ao menos 35% dos deputados federais querem saber quantas vozes foram caladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2019. O levantamento exclusivo foi realizado pela Gazeta do Povo entre outubro e dezembro deste ano e questionou os 513 parlamentares em exercício neste período a respeito da falta de transparência em decisões de tribunais superiores que derrubaram perfis nas redes sociais. Todas as respostas estão no infográfico ao final do texto.
Dados sobre o número de bloqueados em redes como Facebook, Instagram e YouTube nunca foram divulgados oficialmente pelo Judiciário, como mostrou a Gazeta do Povo em setembro deste ano. Além disso, os pedidos feitos pelo jornal para obter esses números nunca foram atendidos pelos canais da Corte destinados à imprensa, nem pelo sistema da Lei de Acesso à Informação (LAI).
A Gazeta do Povo decidiu, então, verificar a opinião do Congresso Nacional sobre o tema e fez a seguinte pergunta aos senadores e deputados: “Considerando os direitos e princípios básicos e fundamentais de um estado democrático de direito, o (a) sr. (a) considera importante tornar público o número de brasileiros que tiveram suas contas de redes sociais bloqueadas por decisões dos tribunais superiores desde 2019?”. Os dados referentes ao Senado foram publicados no final de novembro, e o levantamento com deputados terminou esta semana.
Até a última quinta-feira (18), 247 deputados federais atenderam a reportagem, o que representa quase metade do total. Entre eles, 56 (23% dos que responderam) informaram que não participariam da pesquisa. A maioria não citou o motivo dessa decisão, mas alguns gabinetes apontaram que os parlamentares estariam evitando “temas polêmicos”.
Dos 191 deputados que se posicionaram, seis (2,5%) afirmaram não considerar importante saber o número de brasileiros que tiveram contas de redes sociais bloqueadas por decisões de tribunais superiores desde 2019. São eles: Bandeira de Mello (PSB-RJ), Carlos Sampaio (PSD-SP), Julio Arcoverde (PP-PI), Mário Heringer (PDT-MG), Murilo Galdino (Republicanos-PB) e Zé Silva (Solidariedade-MG).
Já 75% dos parlamentares que atenderam a reportagem disseram que querem saber, sim, quantas vozes foram caladas pelo STF. O percentual representa 185 parlamentares de diferentes espectros políticos, como Nikolas Ferreira (PL-MG), Erika Hilton (PSOL-SP), Daniel Trzeciak (PSDB-RS) e Dimas Gadelha (PT-RJ).
Deputados federais denunciam censura no Brasil
“As pessoas não têm a dimensão do que é a censura, porque ela é feita em cortes, não é feita de uma vez só”, disse Ferreira, ao apontar que regimes autoritários retiram a liberdade de expressão aos poucos, de forma que grande parte da população não vê. “Quando você perceber, todo mundo à sua volta já estará censurado”, alertou, em áudio enviado à Gazeta do Povo.
O deputado José Medeiros (PL-MT) também denunciou a censura no Brasil ao comparar a situação atual do país à trama do livro O Processo, de Franz Kafka, que retrata absurdos de uma corte autoritária, onde pessoas eram processadas sem saber o motivo.
“No Brasil de hoje, isso se tornou comum. Há inquéritos em andamento contra cidadãos que desconhecem as acusações, seus advogados não têm acesso aos autos, e pessoas são banidas das redes sociais sem explicação”, disse Medeiros, que ficou quase um ano com as redes sociais suspensas por ordem do ministro Alexandre de Moraes. “Sem nenhuma explicação”, relatou o parlamentar.
Para a deputada Franciane Bayer (Republicanos-RS), a liberdade de expressão — um dos fundamentos da democracia — tem sido colocada à prova no Brasil sob pretexto de combate à desinformação. “É dever do Parlamento e da sociedade exigir transparência sobre qualquer medida que limite esse direito”, ressalta. “Em uma nação livre, ideias se enfrentam com argumentos, não com silenciamento”.
A situação se torna ainda mais preocupante, na visão do deputado Marcelo Crivella (REP-RJ), quando o jornalismo independente e livre também entra em cheque. Afinal, “a democracia de uma nação é tão sólida quanto livre for a sua imprensa”, salienta, citando uma afirmação popularizada por ministros do STF de que “imprensa e democracia são irmãs siamesas”.
Deputados de centro e esquerda também querem saber quantas vozes o STF calou
Parlamentares de centro e de esquerda também apontaram a necessidade de proteger a liberdade de expressão no país e citaram que é preciso transparência nas decisões do judiciário. “É inaceitável o bloqueio de contas de redes sociais de brasileiros por decisões dos tribunais superiores, muitas vezes sem o devido processo legal”, disse o deputado Dilceu Sperafico (PP/PR), afirmando que “silenciar opiniões, ainda que controversas, é ferir o próprio coração do regime democrático”.
Para Lucio Mosquini (MDB-RO), a divulgação do número de contas bloqueadas por ordem de tribunais superiores garante o direito à informação e permite que a sociedade acompanhe como decisões judiciais afetam a liberdade de expressão, fortalecendo a confiança nas instituições. “A transparência é essencial em um Estado Democrático”, disse.
Erika Hilton (PSOL-SP) e André Janones (AVANTE-MG) também se mostraram favoráveis à divulgação desses dados, assim como diversos parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT). “Nas democracias consolidadas, quanto mais transparência, mais controle social”, disse o deputado Welter (PT-PR). Lembrando que “tornar público o número de contas bloqueadas por decisão judicial não significa questionar a autoridade dos tribunais, mas fortalecer a confiança da sociedade nas instituições e garantir o direito à informação”, continuou Ivoneide Caetano (PT-BA).
Já o parlamentar Dimas Gadelha (PT-RJ) apontou ainda que “o bloqueio de contas nas redes sociais, quando determinado pelo Poder Judiciário, deve se dar em casos excepcionais, com base legal e fundamentação clara”. Por isso, Gadelha defendeu “que os números sejam públicos, respeitados os devidos limites legais, como forma de garantir que o uso dessas medidas excepcionais continue sendo proporcional, legítimo e dentro dos parâmetros democráticos.”
As respostas e justificativas enviadas por todos os deputados estão disponibilizadas no infográfico a seguir com os deputados em exercício até 18 de dezembro de 2025.
Fonte. Gazeta do Povo


