
Viver com uma doença rara é, geralmente, percorrer um longo caminho até que o diagnóstico correto seja finalmente alcançado. Segundo a organização Global Genes, pacientes podem levar de 6 a 8 anos para identificar a causa real dos seus sintomas.¹
Nesse percurso, são comuns consultas sucessivas, exames inconclusivos e tratamentos que aliviam parcialmente, mas não explicam o quadro. Essa trajetória revela um desafio estrutural: sintomas pouco específicos, conhecimento limitado e centros especializados concentrados em certas regiões tornam o diagnóstico mais lento e desigual, especialmente em um país de dimensões continentais, como o Brasil.
HPN: quando a complexidade amplia o desafio
É esse o cenário enfrentado por pessoas com hemoglobinúria paroxística noturna (HPN), uma doença rara do sangue, adquirida ao longo da vida, caracterizada pela destruição anormal das hemácias.² Seus sintomas podem incluir fadiga, anemia, dor abdominal e escurecimento da urina,³ e embora o nome remeta à urina escura pela manhã, nem todos os pacientes apresentam esse sinal.
Segundo o hematologista Rafael Marchesini, o diagnóstico da HPN costuma ser desafiador pela variedade de órgãos que podem ser afetados e pelas diferentes formas de apresentação da doença. “Mas quadros de anemia hemolítica sem causa definida, urina escura, dor abdominal e tromboses inexplicadas — especialmente abdominais — devem acender um alerta para médicos e pacientes”, ele explica.
A HPN acontece por uma alteração adquirida nas células do sangue, que deixa as hemácias mais vulneráveis à destruição pelo sistema imunológico.⁴ Complicações como a trombose, mais grave e uma das principais causas de mortalidade na doença,⁵ podem surgir mesmo em adultos jovens. Quanto antes a HPN é identificada, menor o risco de desfechos graves.
A jornada de quem convive com a HPN
A partir do diagnóstico, a doença passa a acompanhar o paciente no dia a dia. Trata-se de uma condição crônica que demanda seguimento contínuo e atenção constante aos sinais do corpo,⁶ além de visitas frequentes a hospitais e centros de infusão.
O tratamento atualmente disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) corresponde a 26 aplicações intravenosas por ano,7 exigindo longas horas no serviço de saúde. Na prática, isso significa reorganizar compromissos, lidar com deslocamentos e conciliar acessos venosos frequentes. “Para muitas pessoas, esse caminho resulta em ausências no trabalho, prejuízos financeiros, dificuldades acadêmicas e impacto direto no convívio familiar”, afirma Marchesini.
Descentralização: aproximar o cuidado da vida real
Nos últimos anos, novas abordagens vêm permitindo repensar esse modelo e contribuindo para a adoção da descentralização do cuidado — uma forma de levar parte da assistência para ambientes de menor complexidade, reduzindo a dependência exclusiva do hospital e aproximando o tratamento da rotina real das pessoas.
Segundo Marchesini, esse avanço só é possível porque o cuidado da HPN também evoluiu. Soluções com vias de administração mais cômodas e intervalos mais longos entre as doses têm reduzido a carga do tratamento, 8 e aberto caminho para modelos mais flexíveis.
Esses avanços reforçam o conceito de oferecer cuidado integral no ambiente mais próximo e adequado, sem comprometer a segurança clínica. Na avaliação do hematologista, tratamentos não infusionais permitem integrar o cuidado à rotina diária com mais comodidade, mantendo o monitoramento necessário e a qualidade da assistência.
Um caminho que também fortalece o sistema de saúde
Além dos benefícios individuais, a descentralização tem efeito direto na organização dos serviços de saúde. Marchesini observa que a administração centralizada gera grande uso de recursos humanos, físicos e financeiros nos centros de referência. Com a descentralização, esses recursos podem ser redirecionados para ampliar a assistência, melhorar o diagnóstico e acelerar o início do tratamento para quem precisa.
“Com a descentralização do tratamento, estes recursos podem ser reorientados para melhorar a assistência e ampliar esforços de diagnóstico e início rápido de tratamento”, afirma o médico.
O futuro da jornada de cuidado
Para avançar ainda mais, Marchesini destaca que o principal passo é facilitar o acesso às novas tecnologias. “Não basta elas existirem; precisam estar amplamente disponíveis”.
Ele também destaca o papel das ferramentas digitais nesse processo. Segundo o hematologista, melhorar o monitoramento e a comunicação à distância é fundamental, e plataformas que acompanhem sintomas, exames e sinais precoces de complicações serão decisivas para firmar esse novo modelo de cuidado.
No fim, descentralizar é reorganizar o cuidado para devolvê-lo à vida — com mais autonomia, estabilidade e continuidade para quem convive com a HPN.
M-BR-00023113/ Dezembro 2025 | Este material se destina ao público leigo em geral.
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Referências
- Global Genes. Rare Disease Impact Report: Insights from Patients and the Medical Community. 2013.
- National Organization for Rare Disorders (NORD). Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria.
- Peri C. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria (PNH). WebMD.
- Parker C, et al. Diagnosis and management of paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 2005.
- Brodsky RA. Paroxysmal nocturnal hemoglobinuria. Blood. 2014;124:2804–2811.
- Shah N, Bhatt H. Paroxysmal Nocturnal Hemoglobinuria. NCBI Bookshelf, 2022.
- Alexion. Soliris® (eculizumabe). ANVISA Bula Online, 2023.
- Röth A, et al. The complement C5 inhibitor crovalimab in PNH. Blood. 2020.
Fonte.:Saúde Abril


