A proposta do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) de dividir escolas estaduais paulistas com mais de 1.200 alunos deve gerar uma série de conflitos entre as gestões das unidades que vão coexistir no mesmo prédio, segundo especialistas em educação ouvidos pela reportagem.
Conforme mostrou a Folha, a Secretaria Estadual de Educação, comandada por Renato Feder, prepara uma reorganização das escolas sob o argumento de simplificar a gestão das unidades. A ideia é que as escolas sejam divididas em duas, cada uma delas passa a oferecer uma única etapa de ensino e terá sua própria equipe de gestão.
As escolas desagregadas vão funcionar no mesmo prédio, mas em turnos diferentes. A divisão deve ocorrer antes do início do ano letivo de 2026.
“O governo defende que vai simplificar a gestão escolar, criando artificialmente duas escolas que vão coexistir no mesmo prédio. Na prática, essa medida deve complicar ainda mais a gestão, já que duas equipes diferentes irão decidir sobre o uso dos espaços, dos insumos e o trabalho dos professores”, diz Salomão Ximenes, professor da Faculdade de Educação da USP.
Ele avalia que pode haver conflitos entre as duas gestões, por exemplo, para decidir sobre reformas no prédio ou compra de materiais para a escola. Também questiona se os alunos vão poder desenvolver atividades fora do horário de funcionamento da sua etapa.
“A divisão cria uma série de problemas para o cotidiano escolar. Essa proposta desconsidera a relação dos alunos, dos professores com o território escolar.”
Questionada, a secretaria diz ainda não ter respostas sobre como será a divisão das decisões com duas equipes de gestão. Também não soube informar se os alunos poderão frequentar a escola no contraturno.
Os especialistas ressaltam ainda não ser nova a ideia de reorganizar a rede estadual paulista, a maior do país com mais de 3 milhões de alunos. Em 1995, a gestão Mário Covas, também implementou uma reforma para separar as escolas por etapas de ensino, sob o mesmo argumento de melhorar a gestão pedagógica e, consequentemente, a qualidade do ensino.
Duas décadas depois, em 2015, o então governador Geraldo Alckmin, também propôs agrupar escolas para que atendessem apenas uma etapa de ensino. A proposta, no entanto, previa o fechamento de mais de 90 escolas e a supressão de ciclos de ensino em outras 754 unidades, afetando mais de 300 mil alunos.
Sem ter sido discutido ou consultado com as comunidades escolares, o projeto enfrentou forte reação dos estudantes que ocuparam dezenas de unidades em protesto contra o fechamento.
“O governo mantém a mesma premissa de 30 anos atrás, de que a mudança em aspectos da gestão escolar é o fator determinante para melhorar os resultados educacionais. Mais uma vez deixa de considerar outros fatores importantes para o ensino, como a infraestrutura das escolas e a condição de trabalho dos professores”, diz João Victor Oliveira, pesquisador da Repu (Rede Escola Pública e Universidade).
Questionada, a pasta também não informou se planeja reformar ou reforçar investimentos nos prédios que vão abrigar as escolas divididas.
Diretores de escola disseram à Folha que foram avisados do projeto somente na semana passada e informados de que deveriam formalizar a adesão até a última quarta-feira (12). Eles reclamam do pouco tempo dado para analisar a proposta e consultar professores, alunos e famílias.
A gestão Tarcísio disse que pode prorrogar esse prazo, mas não informou uma nova data.
O governo defendeu a proposta, dizendo que a “desagregação” e a consequente redução do porte das escolas estão de acordo com o que aponta a literatura acadêmica. Escolas com maior número de alunos, número de turnos e etapas de ensino são consideradas de maior complexidade de gestão pedagógica.
“A desagregação têm como objetivo principal ampliar a proximidade e a comunicação da equipe gestora e dos coordenadores pedagógicos com o grupo de professores”, diz um documento apresentado aos diretores de escola.
O documento também defende que, ao reduzir o tamanho das escolas, será possível que as equipes gestoras possam “aprimorar a condição de identificar defasagens de aprendizado e criar estratégias de recomposição”.
Fonte.:Folha de S.Paulo


