Um júri formado por oito homens e quatro mulheres começa a deliberar, nesta segunda-feira (30), em Nova York, sobre o destino do rapper e empresário Sean “Diddy” Combs. O produtor de sucessos do hip-hop, de 55 anos, é acusado de extorsão, tráfico sexual e de transportar pessoas para atos de prostituição, crimes que podem somar décadas de prisão.
Mas, após sete semanas de depoimentos de 34 testemunhas, analistas jurídicos não consideram a condenação garantida. O crime mais fácil de provar seria o do transporte de garotos de programa para participar das orgias que Combs chamava de “freak-offs”, já que há recibos de despesas como passagens aéreas. A condenação por tráfico sexual impõe uma pena mínima de dez anos.
Já o crime de extorsão, que pode até resultar em prisão perpétua, oferece o maior desafio à promotoria por causa de uma lei americana aprovada nos anos 1970, conhecida pelo acrônimo RICO —Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act, algo como lei de organizações corruptas e influenciadas por extorsionistas.
“A lei foi redigida para combater a máfia americana e o crime organizado,” afirma à Folha o ex-promotor federal Mark Chutkow. “A Justiça não conseguia chegar aos chefões quando a polícia prendia criminosos que cumpriam suas ordens, em ações isoladas. O estatuto foi criado para ‘costurar’ a rede de atos criminosos sob a organização e chegar ao mandante.”
Os promotores federais de Nova York acusam Combs de ter controlado uma organização criminosa por 20 anos. A aplicação da lei RICO foi testada em criminosos sexuais no julgamento do rapper R. Kelly, que cumpre 31 anos de prisão. A defesa de Kelly recorreu da sentença, alegando que as acusações eram um abuso da lei, perdeu e, na segunda-feira passada (23), a Suprema Corte dos Estados Unidos recusou examinar um apelo final.
“Suspeito que o objetivo dos promotores era garantir a condenação por tráfico sexual”, diz Chutkow, “e recorreram à RICO para que fossem admitidas no tribunal múltiplas provas de má conduta.”
O ex-promotor lembra que o comediante Bill Cosby e o produtor de cinema Harvey Weinstein, ambos condenados por múltiplos crimes sexuais, tiveram sucesso em seus recursos pela inclusão de várias vítimas num mesmo julgamento. O uso da ampla lei americana sobre extorsão seria uma forma de blindar um veredito de vitória da Justiça federal.
Combs só pode ser condenado por unanimidade por cada acusação. Basta um jurado discordar e o caso resultaria em júri suspenso, com a grande probabilidade de ele ser acusado e julgado novamente.
Os argumentos finais da acusação, na semana passada, duraram mais de cinco horas, o que analistas apontaram como um teste da capacidade de concentração do júri, imerso no caso por dois meses.
Chutkow acha que os promotores foram articulados e lembra que o juiz admitiu quase todas as provas apresentadas como sinal da força do indiciamento inicial, em setembro passado, logo após a prisão do rapper.
Mas o ex-promotor hesita em fazer prognósticos. Considerou fortes os argumentos finais de Marc Agnifilo, o experiente líder do time de defesa de Combs, que chegou a provocar risos entre os jurados, andando de um lado para o outro.
Acha que foi importante, desde o começo, Agnifilo admitir que Combs cometeu violência doméstica —um crime excluído de punição pela Justiça federal. O advogado ressaltou aos jurados que não era por este crime que seu cliente estava no banco dos réus.
A questão de consentimento também paira sobre o julgamento desde o começo. Tanto a cantora Cassie Ventura, testemunha-chave que viveu com o rapper por mais de dez anos, quanto a testemunha que usou o pseudônimo de Jane —a última namorada do músico antes da sua prisão— não cortaram contato depois dos primeiros supostos incidentes de violência.
Por isso, diz Chutkow, foi tão importante exibir várias vezes, até o final, o vídeo do espancamento de Ventura no corredor de um hotel. Um fator de incerteza nas previsões para o veredito é o peso dos vídeos dos “freak-offs” —vetados à imprensa— na opinião final dos jurados. No registro de 2016, que veio a público no ano passado, Diddy bate em Ventura no corredor de um hotel, no momento em que a cantora tentava fugir de uma dessas orgias.
Fonte.:Folha de S.Paulo