A lista é longa. Vitaminas A, B, C, D, E, K… Ferro, magnésio, potássio, cálcio, selênio, zinco… E um teste genético e outro da microbiota intestinal. É assim, com uma bateria de exames debaixo do braço, que muitos pacientes têm saído do consultório depois de uma visita com o objetivo de mudar a alimentação, perder peso e melhorar a saúde.
As propagandas dão a sensação de que existe uma miríade de formas de decifrar tudo o que se passa no corpo e, mais importante, definir milimetricamente o novo menu. Alavancando um mercado em expansão, profissionais e influenciadores digitais prometem que esse manancial de testes é a chave para montar a dieta personalizada e definitiva.
Mas será que essa história se sustenta e todo mundo precisa passar por isso? “Infelizmente, os pacientes hoje chegam ao consultório sobrecarregados de informações fornecidas pelas redes sociais e ficam completamente confusos”, observa a médica Andréa Fioretti, coordenadora do Departamento de Endocrinologia do Esporte e Exercício da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
Nesse meio, em que consensos científicos são misturados com meias-verdades e puras falácias, não raro sobressaem soluções mágicas para o corpo. Como um exame que, sozinho, seria a bússola para guiar o que a gente come. “Vemos pessoas até mal-intencionadas que estipulam valores irreais para algumas substâncias no organismo. Daí o paciente vê o resultado e acha que está com uma deficiência, por exemplo”, relata a endocrinologista.
Quando se fala em um check-up nutricional, digamos assim, é importante separar o joio do trigo. Existem, de fato, exames realmente necessários para flagrar excessos e carências e capazes de orientar uma alimentação mais equilibrada. Saber que falta vitamina D ou ferro no organismo é relevante — até porque é possível corrigir isso com alimentos, suplementos ou medicamentos.
Por outro lado, existem testes sem tanta relevância ou embasamento que ainda podem levar a interpretações e atitudes equivocadas. Nessa direção, metodologias empregadas em situações específicas, como a apuração de uma doença, ou em contexto experimental, são extrapoladas na prescrição de uma rotina alimentar para pessoas saudáveis.
Uma das novidades que mais atraem fãs, entre profissionais e pacientes, são os testes de nutrigenômica. Embora essa seja uma área promissora de estudos, por enquanto as promessas vendidas em consultas ou na internet são um exagero. “Dietas personalizadas por esse tipo de exame carecem de respaldo científico robusto”, afirma o médico Durval Ribas Filho, diretor-presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
Entender como seu corpo funciona diante de certos nutrientes e alimentos pode até melhorar a adesão a uma dieta, mas, por si só, não fará tanta diferença na hora de montar o prato.
A grande questão é que, para a maioria das pessoas, algumas orientações universais não vão mudar, a despeito da quantidade de exames. “Na maioria dos pacientes saudáveis, avaliados por meio da história clínica e do exame físico, não existe a necessidade de fazer dosagens laboratoriais para fazer recomendações dietéticas específicas”, pontua a endocrinologista Cristina Khawali, gerente de relacionamento médico da Dasa.
É só quando há uma suspeita real diante de algum sintoma, de uma doença ou do quadro todo que faz sentido partir para os testes.
Nessa matéria, você vai entender:
- Quais exames são realmente necessários no check-up nutricional?
- Quem precisa dosar vitamina D
- Testes de marcadores inflamatórios: por que tomar cuidado
- Microbiota intestinal: o que realmente se sabe
- Por que a análise clínica é mais importante do que qualquer exame
- Inflamação, intolerância e alergia: quando os testes são realmente necessários
- Indicações dos exames para avaliar deficiência de vitaminas e minerais
- Colesterol e triglicérides: para que serve o lipidograma
- A indústria da soroterapia e suas armadilhas
Quais exames são realmente necessários no check-up nutricional?
Para aclarar essa história, vale a pena começar apontando alguns dos exames que dispõem de mais evidências a atestar sua utilidade. É o caso das dosagens de vitaminas e minerais.
Hoje, os testes estão mais precisos do que nunca. Antigamente, as medições eram feitas de forma indireta, por meio de uma série de reações químicas. O método atual, porém, detecta a própria molécula dos micronutrientes. “Agora, podemos dosar vitaminas de maneira extremamente específica, recorrendo a tecnologias como a espectrometria de massa, que indicarão ao médico a necessidade de reposição ou não”, explica Alvaro Pulchinelli, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC-ML).
Essa inovação é o que também permite hoje identificar melhor os níveis de minerais. “Isso inclusive engloba os chamados oligoelementos, aqueles presentes em quantidades ínfimas no organismo, caso de cromo, zinco ou selênio”, conta o médico do Grupo Fleury.
Esse é um avanço científico e tanto, pois possibilita não só identificar carências nutricionais ou, pelo contrário, excedentes de alguma substância que pode se tornar tóxica ao organismo. O fenômeno se tornou mais comum com o uso indiscriminado de suplementos.
Por exemplo: doses elevadas das vitaminas A ou D, depois de determinado ponto, deixam de ser absorvidas pelo corpo e podem causar problemas graves. A relevância desses exames, contudo, não pode ser confundida com uma espécie de prescrição universal.
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Quem precisa dosar vitamina D
Vejamos o caso da própria vitamina D. Embora a deficiência seja relativamente comum na população, uma nova diretriz publicada pela respeitada Endocrine Society, baseada na revisão de mais de 150 estudos sobre o tema, concluiu que não há benefícios comprovados em testar a presença do nutriente em pessoas saudáveis entre os 18 e os 75 anos.
“Você pode ter um benefício ao dosar a vitamina D em crianças, idosos, gestantes ou em quem tem algum problema de absorção, mas hoje há indicações mais específicas sobre quem deve fazer o exame”, destrincha Khawali.
E estamos falando de uma vitamina que está na boca do povo. Outros nutrientes frequentemente dosados carecem de comprovação clínica. Muitas vezes, servem apenas para aquecer o mercado de suplementos e testes supérfluos.

Testes de marcadores inflamatórios: por que tomar cuidado
Outro tipo de exame que tem validade científica, mas aplicação distorcida, é a dosagem de marcadores inflamatórios. Eles ganharam força com a promessa de dietas anti-inflamatórias — um predicado que também carece do aval da medicina. “Já sabemos, sem precisar de um teste, que alguém com obesidade também tem um quadro de inflamação crônica”, afirma Fioretti.
Um dos exames mais pedidos é o de PCR, sigla para proteína C reativa. Acontece que é um marcador inespecífico. “Ele até ajuda a avaliar o risco cardiovascular, mas não é necessário para definir uma dieta”, esclarece a endocrinologista da Sbem.
De novo: a menos que haja sintomas ou uma suspeita prévia — como histórico familiar ou pessoal de uma doença, relacionada de forma direta ou indireta à alimentação —, muitos testes podem se revelar um desperdício de dinheiro ou uma forma de suplementar o que não precisaria ser suplementado.
O oposto também acontece: remover determinados alimentos da rotina por medo de que eles façam mal, como muita gente acaba fazendo com a lactose ou o glúten. Nesse caso, quem já teve reações ou problemas digestivos é encorajado a fazer exames para identificar alergias e intolerâncias.
Aqui, não é excesso de precaução, mas garantir que uma condição seja identificada corretamente e propor caminhos para o organismo não sair lesado. Um quadro de doença celíaca pede que a pessoa tire o glúten de sua vida. “Mas é corriqueira a prescrição de dietas restritivas a pacientes que nem sequer têm esse diagnóstico fechado”, avisa o médico Álvaro Delgado, da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG).
E esse é um grande erro. “Os estudos mostram que as pessoas que fazem restrição desnecessária têm uma piora na qualidade de vida no longo prazo, bem como maior propensão a transtornos alimentares”, alerta o especialista.
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Microbiota intestinal: o que realmente se sabe
Nesse universo de testes para personalizar a dieta, também ganharam holofote exames que prometem desvendar a microbiota intestinal, a comunidade de bactérias e outras criaturinhas que convivem com nossas células no aparelho digestivo.
“São métodos que ajudam a entender não só quem são os micro-organismos mais presentes, mas também seu impacto na saúde o
u em doenças”, explica o nutrólogo Dan Waitzberg, professor da Universidade de São Paulo (USP) e líder do Ganep Nutrição Humana. Ocorre que os testes de microbioma, como são comercializados, também são indicados em contextos certos, como quando há desconfortos digestivos constantes, suspeita de alguma condição ou no acompanhamento de pacientes com doenças inflamatórias intestinais.
“Testes que prometem montar a ‘dieta perfeita’ baseados apenas na microbiota podem ser limitantes, pois é importante correlacionar os resultados com os achados clínicos de cada paciente, considerando o histórico de saúde, a alimentação e o estilo de vida”, pondera Waitzberg. “Os testes podem ser aliados, mas precisam ser usados com critério e sempre acompanhados por um profissional capacitado.”
Por falar em intestino, outro exame que ficou na moda é o chamado teste de permeabilidade, que mensura proteínas que indicariam quão íntegro está o órgão. “Mas são dosagens hoje pouco confiáveis para a prática clínica e não têm nenhuma indicação para dieta”, desmitifica Delgado.
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Análise clínica é mais importante do que qualquer exame
Do DNA à microbiota, passando por inúmeras pecinhas bioquímicas em circulação, o alerta para uma avaliação criteriosa, amparada em ciência e bom senso, é uma unanimidade entre os experts ouvidos por VEJA SAÚDE.
Nenhum exame isolado, por mais moderno que seja, deve mudar a rotina alimentar nem substitui a conversa entre o profissional e o paciente e a análise do quadro clínico. Mesmo diante de um número crescente de testes, muitos deles ainda mais precisos, a anamnese e o exame físico continuam imperativos.
Quando se fala em dieta, então, não tem cabimento propor mudanças sem nem conhecer os hábitos do indivíduo à mesa — de preferência com o apoio de um diário em que se registram as refeições e lanches. Esse simples relatório já dá pistas claras de onde mora o problema e do que pode ser feito, considerando também o estado de saúde do paciente.
“Não existe uma receita de bolo que seja ideal para todo mundo”, ressalta Delgado. “Os exames devem ser complementares à análise inicial, e não o contrário. Não faz sentido chegar à consulta com exames prontos antes de entender o que o paciente tem”, prossegue o gastroenterologista.
Até porque, em algumas circunstâncias, nem é preciso um laudo em mãos para saber o que fazer. Com uma dosagem de colesterol e triglicérides, que ajuda a avaliar o risco cardiovascular, é possível nortear caminhos na dieta e checar a necessidade de medicamentos. Mas você não precisa do resultado para chegar à conclusão óbvia de que exagerar em hambúrguer, batata frita e guloseimas será receita certa para dissabores.
Algumas pessoas vão precisar repor ferro em determinados momentos. Outras, como vegetarianos, provavelmente terão de suplementar a vitamina B12, oriunda de alimentos de origem animal.
Mas, em geral, as recomendações básicas para a população não divergem: é preciso buscar um cardápio balanceado, colorido e diversificado, dando preferência a frutas e hortaliças e moderando o consumo de ultraprocessados, embutidos e outros produtos cheios de açúcar, gordura e sódio. “Todas as dietas recomendadas por estudos científicos de peso reafirmam essa proposta”, diz Ribas Filho.
“E todas elas mostram que, com algumas exceções, a gente pode comer de tudo, desde que sem exageros”, conclui o presidente da Abran. Convenhamos que não é preciso fazer nenhum teste de última geração para reconhecer essa consagrada premissa.
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Inflamação, intolerância e alergia: quando os exames são realmente necessários
Marcadores inflamatórios
De proteína C reativa a ferritina, há diversas substâncias no sangue que acusam o grau de inflamação a que o corpo está exposto — muitas delas inespecíficas.
Pessoas com dietas ricas em gordura saturada ou açúcar podem ter indicadores de inflamação, que aparecem em exames do tipo. No entanto, não há provas robustas de que realizá-los seja útil para melhorar a dieta: a análise da composição corporal da pessoa, somada à investigação dos hábitos alimentares, já permite decifrar comportamentos e escolhas que merecem ser revistos.
“Não temos evidências do que deve ser dosado e de como esse marcador deve ser acompanhado para demonstrar o efeito da alimentação na inflamação”, comenta a médica Cristina Khawali, da Dasa. “No contexto da dieta, esses níveis são aferidos no ambiente da pesquisa científica, não na prática clínica”, completa.
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Intolerância e alergia alimentar
A alergia ocorre quando a pessoa tem uma resposta imunológica exacerbada à proteína de um alimento. Já a intolerância se relaciona à incapacidade do organismo de digerir determinado nutriente, como ocorre no caso da lactose, cuja digestão é impactada pela falta da enzima lactase.
Exames para diagnosticar e diferenciar as duas situações são importantes quando existe uma suspeita prévia, por reações ao consumir um produto ou por histórico familiar. Mas, isoladamente, eles não são relevantes para adequar a dieta de um adulto saudável — sua principal função é confirmar ou descartar uma dúvida já existente.
“Antes de pensar em um exame do gênero, é preciso avaliar toda a história clínica do indivíduo”, explica o gastroenterologista Álvaro Delgado. “Sem essa análise, um exame que faz sentido para um paciente pode não ser útil para outro.”
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Os exames que dosam vitaminas e minerais
Virou tendência nos consultórios: antes de definirem uma dieta, muitos profissionais têm solicitado um exame completo de vitaminas e minerais. Além de custosa, a prática é considerada desnecessária para pessoas saudáveis.
A menos que haja uma suspeita séria de deficiência, uma alimentação equilibrada garante os níveis adequados na maioria dos casos. “Hoje existe um grande exagero na solicitação de exames complementares de uma maneira geral”, interpreta Antônio Carlos Moraes, coordenador de gastroenterologia da Rede D’Or.
“A dosagem de vitaminas no sangue só deve ser pedida quando suspeitamos de hipovitaminose por uma doença específica ou quando os sintomas requerem uma avaliação do perfil de vitaminas”, diz o médico. Antes do teste, mapear os hábitos alimentares e o histórico de saúde é bem mais importante.
Colesterol e triglicérides: para que serve o lipidograma
O lipidograma é o exame que detecta os valores de partículas gordurosas na corrente sanguínea. Apesar de serem vistos como “vilões” no senso comum, os lipídios são essenciais para o bom funcionamento do organismo, desde que estejam em níveis adequados.
Um exemplo é a lipoproteína de alta densidade (HDL), o “colesterol bom”, que ajuda a combater os impactos danosos do seu oposto, o LDL, ou “colesterol ruim”. Níveis elevados de gorduras no sangue aumentam o risco de doenças metabólicas e cardiovasculares, e a testagem é indicada mesmo para pessoas visualmente magras.
Porém, isso serve principalmente para monitoramento: na montagem da dieta, certas medidas são universais. “Algumas coisas são necessárias para todo mundo, e nisso se incluem orientações como a redução da quantidade de gordura saturada”, diz a endocrinologista
Andréa Fioretti.
Testes genéticos valem a pena?
Eles podem ajudar a identificar propensão à intolerância a certos alimentos, dificuldade de absorção de nutrientes e erros inatos do metabolismo.
No entanto, a importância da testagem em pessoas sem suspeitas de algum problema ainda é considerada discutível pelos especialistas, em função dos custos elevados. Ela costuma ser mais indicada para casos específicos, como atletas de alto rendimento que buscam potencializar os ganhos nutricionais.
Para a população em geral, a questão pode ser mais psicológica. “Ensaios controlados mostraram que pessoas que recebem algum aconselhamento dietético com base na genética tendem a achar que esses conselhos são mais relevantes”, conta o nutrólogo Durval Ribas Filho. “Isso pode gerar uma maior adesão à dieta, mas não quer dizer que os resultados vão ser melhores”, pondera o médico.
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Análise da microbiota
É uma metodologia recente, com pouco mais de uma década de existência, baseada nos sequenciadores genômicos de nova geração. A partir daí foi possível relacionar o elo entre certas bactérias do aparelho digestivo e certas doenças. No âmbito nutricional, há indicações em potencial.
“Esse exame avalia os desequilíbrios no intestino que podem, de alguma forma, influenciar a absorção de nutrientes”, explica Ribas Filho. Em tese, os resultados ajudariam em recomendações como o incremento na ingestão de prebióticos na dieta — fibras e outros elementos que alimentam a flora — ou o uso de probióticos, produtos que oferecem bactérias estudadas por seus benefícios.
Mas não dá para levar em conta o resultado do teste isoladamente. “Já existem algumas evidências a respeito, mas precisamos de mais estudos para entender o que exatamente deve ser avaliado”, diz Cristina Khawali.
Um laudo para suplementar?
A não ser que você tenha alguma doença que prejudique a absorção de nutrientes, a maioria dos elementos de que seu corpo precisa pode ser obtida com a alimentação.
A suplementação só costuma ser indicada em casos específicos, quando há deficiência comprovada por exames, restrição alimentar ou a necessidade de ganhos rápidos, como em atletas. Fazê-la sem orientação, além de jogar dinheiro fora, pode expor a saúde a riscos.
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a indústria da soroterapia
Há gente receitando exames para corrigir supostas carências do organismo com os chamados “soros da saúde”, infusões de vitaminas e outras substâncias na veia. Mas eles não possuem nenhuma indicação comprovada para pessoas saudáveis.
Pelo contrário: ao proporcionar uma absorção maior e mais rápida de nutrientes, podem causar problemas. Repor vitaminas pela veia só é prescrito em casos de deficiências graves ou em situações que impactam a absorção intestinal.
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Fonte.:Saúde Abril