Deputados federais e senadores alinhados à direita subestimaram os graves riscos à liberdade de expressão incutidos na chamada “Lei Antipiadas”, aprovada pelo Congresso entre 2021 e 2022 e sancionada pelo presidente Lula (PT) como prioridade ainda no início do atual mandato. Essa é a avaliação do deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), líder do partido na Câmara, em entrevista à Gazeta do Povo.
A lei em questão, que foi usada como base para condenar o humorista Léo Lins a oito anos de prisão por piadas feitas em um show de stand-up, criminaliza a contação de piadas, por humoristas, sobre quaisquer grupos minoritários.
Como mostrado pela Gazeta do Povo, não houve resistência ao projeto de lei pela maioria dos parlamentares da direita nem na Câmara nem no Senado. O Partido Liberal (PL), inclusive, orientou voto favorável à proposta em três ocasiões.
Para Van Hattem, a votação na Câmara – em dezembro de 2022 – ocorreu de forma acelerada, em um momento de esvaziamento do Plenário, e sem o debate que o tema merecia. O deputado avalia que parte dos congressistas de direita sequer perceberam o avanço do projeto, enquanto outros votaram favoravelmente por receio de críticas por “conivência com o racismo”, já que a lei tratava de mudanças na lei 7.716/89, chamada “Lei do Racismo”.Alguns parlamentares da direita dizem que a versão aprovada pela Câmara em 2021 não trazia riscos, mas que as mudanças no Senado trouxeram problemas.
Marcel van Hattem: Sim. O texto aprovado na Câmara em 2021, mesmo antes de qualquer alteração no Senado, já representava riscos significativos à liberdade de expressão e avançava em pautas coletivistas com as quais o Novo não concorda, como políticas afirmativas baseadas em identidade de grupo.
No entendimento do partido Novo, que votou contra a proposta ainda em 2021, a primeira versão do projeto de lei já trazia implicações graves às liberdades individuais?
A proposta criava o artigo 20-A, prevendo pena de dois a cinco anos de reclusão para quem praticasse injúria com base em raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, inclusive em locais privados abertos ao público. Trata-se de uma tipificação subjetiva, genérica e com forte potencial de criminalização de opiniões, críticas e até piadas.
O Novo entende que condutas ofensivas devem ser tratadas na esfera cível, com reparação, e não com prisão. O uso do Direito Penal deve ser excepcional, e não como instrumento para imposição de uma agenda identitária ou de restrição ao debate público. Desde o início, portanto, nos posicionamos contra esse projeto, justamente por entender que ele ameaça direitos fundamentais em nome de uma pauta politicamente correta que frequentemente degenera em censura.
Como foi o contexto da segunda votação na Câmara no final de 2022? Por que não houve votação nominal?
Van Hattem: O projeto voltou do Senado com alterações e foi aprovado em votação simbólica, sem registro nominal dos votos. Isso ocorreu porque, segundo o Regimento Interno da Câmara, só pode ser solicitada verificação de votação por partidos com pelo menos 31 deputados. O Novo, na época com apenas 8 parlamentares, não tinha quórum suficiente para fazer esse pedido.
Portanto, a responsabilidade por impedir essa votação simbólica era das maiores bancadas, que, infelizmente, se omitiram. A votação ocorreu de forma acelerada, em um momento de esvaziamento do plenário, sem o debate que o tema merecia.
O texto foi aprovado em votações com pouca resistência para um assunto tão complexo, que trata de liberdades individuais. O senhor considera que houve um erro da direita nesse tema?
Van Hattem: Muitos parlamentares que defendem a liberdade de expressão subestimaram os riscos do texto ou foram omissos. Alguns sequer perceberam o avanço do projeto, enquanto outros temeram críticas por parecerem “coniventes com racismo”, o que é uma falsa dicotomia.
Defender a liberdade de expressão não significa ser conivente com discursos racistas, mas garantir que o Estado não use a pauta antidiscriminação para calar opiniões legítimas. O resultado foi a aprovação de um texto com potencial de criminalizar piadas, críticas e até debates públicos legítimos.
O partido Novo, que também é de direita, manteve sua coerência, votou contra o projeto desde o início e continua defendendo, com firmeza, a liberdade como valor inegociável.
Da forma como foi aprovada, quais serão os principais impactos à liberdade de expressão na avaliação do senhor?
Van Hattem: O principal impacto será o agravamento da censura no Brasil, que já vem sendo praticada de forma preocupante, principalmente por decisões do Supremo Tribunal Federal. Essa nova lei, ao criar um tipo penal aberto, subjetivo e desproporcional, fornece mais uma ferramenta jurídica para silenciar opiniões, restringir o debate e punir discursos incômodos.
A criminalização de falas com base em percepções subjetivas, como no caso do humorista Léo Lins, tende a se multiplicar. O texto aprovado transforma conflitos de opinião em caso de polícia, sem exigir sequer que a suposta vítima entre com ação, pois tudo pode ser iniciado pelo Ministério Público.
Isso amplia o risco de perseguição política e de instrumentalização do sistema de justiça para fins ideológicos. Em vez de proteger minorias, a lei acaba sufocando liberdades individuais essenciais para qualquer democracia de verdade, além de perseguir artistas e comediantes.
Fonte. Gazeta do Povo