
Crédito, Erika Santelices para BBC Mundo
- Author, Ronald Alexander Ávila-Claudio
- Role, Da BBC News Mundo
O carro seguia para a Casa de Mahogany, uma residência de três andares, revestida de madeira, com vista para a planície a partir de um morro na comunidade de La Suiza.
Lá, Trujillo frequentemente descansava, recebia convidados e cometia crimes atrozes, como receber mulheres e meninas que viravam vítimas de violência sexual.
Mas o presidente, que governou a nação caribenha com punho de ferro por três décadas, nunca chegou ao seu destino naquela noite de maio.
Seu veículo foi baleado 60 vezes, sete das quais o atingiram e causaram sua morte. Ele foi emboscado por um grupo de homens que hoje são considerados heróis nacionais.
Mais de seis décadas depois, a residência que aguardava o líder dominicano — antes um símbolo de opulência e poder — permanece de pé, mas em ruínas.
Seu possível futuro, como o de outras casas pertencentes a Trujillo e agora abandonadas, divide opiniões na República Dominicana.
Um comitê formado em agosto por representantes da Universidade Autônoma de Santo Domingo, do Instituto Duarte e de outras organizações civis da província de San Cristóbal acredita que a Casa de Caoba deveria ser convertida em um museu de história regional e educação sobre democracia.
Esta também é a opinião do Ministério da Cultura dominicano e do próprio presidente Luis Abinader, que em 2024 falou em promover uma iniciativa assim.
“Desde o início do meu governo, eu queria que a população soubesse dos assassinatos cometidos por Trujillo, e quando se falava em um museu sobre essa figura, fui criticado”, disse o presidente no ano passado, segundo a imprensa local.
“No entanto, acredito que é necessário que as pessoas entendam as atrocidades que a população sofreu de 1930 a 1961.”

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Mas organizações como o Museu Memorial da Resistência Dominicana e o Conselho Internacional de Museus acreditam que restaurar o local, em vez de demoli-lo, elevaria o local a um status de “patrimônio nacional” — e isso criaria um memorial permanente sobre as excentricidades do tirano, em vez de um questionamento de sua figura.
Esse dilema, segundo especialistas em arquitetura e patrimônio entrevistados pela BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), reflete como a memória de Trujillo ainda influencia a sociedade dominicana.
Enquanto isso está sendo resolvido, a Casa de Caoba e outras residências que pertenceram ao regime, juntamente com os terrenos onde estão localizadas, permanecem sem uso.
As casas de Trujillo
Durante sua longa ditadura, Rafael Leonidas Trujillo teve várias residências espalhadas pelo país, embora seja difícil contá-las com precisão.
O presidente tratava propriedade pública como se fosse sua.
“A linha entre o público e o privado era quase imperceptível” durante o regime, comenta o professor e arquiteto José Enrique Delmonte, que pesquisa a relação entre poder e arquitetura na era Trujillo.
O especialista afirma que o número de casas e sua distribuição geográfica visavam demonstrar que o governante “tinha poder permanente em cada comunidade”.
Nos últimos anos, os locais que mais geraram debate público são os três localizados na província de San Cristóbal: a Casa de Caoba, a Hacienda María e a Casa de Marfil — estas duas últimas de frente para a praia.

Crédito, Erika Santelices para BBC Mundo
As casas estão cercados por mato, com a tinta descascando e sem portas, janelas ou decoração interna.
Segundo Delmonte, durante a ditadura, “havia uma clara conexão entre a personalidade de Trujillo e a arquitetura que representava seu regime”.
Os locais eram caracterizados por sua “magnificência, majestade, austeridade e robustez”.
“O lema do partido único — Retidão, Liberdade, Trabalho e Moralidade — pode ser lido nos prédios mais emblemáticos do regime totalitário liderado por Trujillo”, afirma.
Mas os locais em questão, aponta o arquiteto Carlos Báez — ex-presidente da Sociedade de Arquitetos da República Dominicana e autor do livro “Trujillo em 500 Tuítes”, que discute obras públicas construídas durante o mandato do ditador —, têm “estilos de projeto que foram misturados de forma incoerente”.
E acrescenta que, embora projetem ostentação, eles “não têm valor patrimonial nem expressão arquitetônica válida”.

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Mesmo assim, ele acredita que eles poderiam ser reformados ou transformados para atender a uma variedade de usos, como aconteceu com outros edifícios quando o regime de Trujillo caiu e eles se tornaram propriedade do Estado.
Por exemplo, a Estância Ramfis e a Fazenda Radamés, ambas em Santo Domingo, tornaram-se o Ministério das Relações Exteriores e a Praça da Cultura, respectivamente.
Enquanto isso, o Castillo del Cerro, outro imóvel construído em San Cristóbal que pertencia a Trujillo, é atualmente uma escola para treinamento de agentes penitenciários.
“Os prédios que seguem sem uso deveriam ser integrados a serviços públicos ou instituições acadêmicas. Afinal, eram edifícios de alta qualidade em seu projeto e construção, necessários para tantos usos que o país requer”, afirma Delmonte.
As propostas
Em julho, a imprensa local noticiou que o Comitê Pró-Museu — parte do grupo que busca restaurar a Casa Caoba — solicitou ao governo do presidente Abinader a destinação de recursos para converter o edifício em um “museu moderno dedicado à conservação, pesquisa e exibição da rica história de San Cristóbal, desde sua fundação na era colonial até os dias atuais”.
Eles indicaram que o local contaria com salas de exposições permanentes e temporárias, assim como espaços audiovisuais interativos, de acordo com o jornal Listín Diario.
Gamal Michelen, vice-ministro do Patrimônio Cultural da República Dominicana, apoia a restauração das residências. Embora não tenha dado mais detalhes, ele afirmou que, já em 2026, o Ministério da Cultura dominicano poderá avançar com esses projetos.
“Esses edifícios precisam ser restaurados, porque a história é o que aconteceu, não o que gostaríamos que tivesse acontecido”, disse ele em entrevista à BBC News Mundo.
“Eu os vejo como patrimônio. Gostaria que este país não tivesse passado por uma ditadura, mas passou”, acrescentou.
O governo ainda não destinou verbas para a obra, mas a autoridade acredita que, pelo menos para a Casa de Caoba, seriam necessários cerca de US$ 1 milhão.
Para Luisa de Peña, do Museu Memorial da Resistência Dominicana (MMRD), a Casa de Caoba “deveria ser demolida”.
“Qual o significado dessas propriedades? Elas simbolizam vergonha, abuso sexual e roubo”, diz.

Crédito, Erika Santelices para BBC Mundo
No caso da Casa de Caoba, se ela se tornar um museu, a experiência das crianças ou estudantes que a visitarem poderá potencialmente provocar admiração pelo modo de vida de Trujillo, especialmente porque muitos dominicanos não têm casa própria, afirma De Peña.
Ela também enfatiza que um museu eleva um espaço ao status de patrimônio cultural, razão pela qual são criados “onde ocorreu um evento que deveria ser rememorado”, como o Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, que foi um campo de concentração e agora homenageia as vítimas do Holocausto nazista.
O MMRD não se opõe à construção de um centro de governança e direitos democráticos onde a Casa de Caoba está localizada. Mas se opõe à sua construção utilizando a estrutura original.
O arquiteto Báez defende que a casa permaneça de pé, mas com uma abordagem “iconoclasta” que “destrói o que existe sem demoli-lo”.
“Mas eu jamais construiria um museu, porque eles tendem a criar mitos de memória. Poderia ser, por exemplo, um centro de expressão artística”, considerou.
Ambos concordam que a Hacienda María poderia ser um local de “comemoração”, já que seis dos sete homens que planejaram a morte de Trujillo foram assassinados ali.
Eles foram mortos a tiros por ordem de Ramfis Trujillo, filho do ditador.
Já a Casa de Marfil, que, assim como a Casa de Mahogany, é uma construção daquela época sem características marcantes, poderia ser um lar para idosos, mulheres vítimas de abuso ou outro centro educacional, afirmam as instituições.

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A memória de Trujillo
Enquanto esteve no poder, Trujillo censurou a oposição, estabeleceu um partido único e foi responsável por crimes como o Massacre de Perejil — no qual ordenou a morte de milhares de haitianos — e o assassinato das irmãs Mirabal, ativistas que se opunham ao seu governo.
Ele também fomentou um culto à personalidade, chegando a mudar o nome da capital do país para Cidade Trujillo.
Nos últimos anos, disse Báez, grupos de extrema direita no país vêm tentando promover um revisionismo histórico e tentado “limpar sua memória”.
Eles alegam, com argumentos falsos, que algumas de suas decisões, como o massacre de haitianos em 1937, responderam a uma necessidade de “segurança nacional”, diz o arquiteto.
“Querem nos fazer crer que ele [Trujillo] não era tão ruim assim.”

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Após sua morte, não houve comissão da verdade na República Dominicana, e a maioria dos responsáveis pelos crimes cometidos sob seu governo nunca foi levada à justiça.
Um de seus ex-colaboradores, Joaquín Balaguer, foi presidente do país três vezes.
“Algumas das vítimas de sua ditadura ainda estão vivas”, afirma De Peña.
“Sua memória é uma sombra que impede nosso desenvolvimento. Há quem queira viver de costas para uma realidade que pesa como uma mochila de pedras”, continua.
Portanto, insiste Delmonte, qualquer decisão sobre as casas de Trujillo deve ser tomada com a intenção de “fortalecer o espírito democrático”.
“A materialidade da arquitetura e seu poder de representação são imensos e, às vezes, incontroláveis. Não esqueçamos que os edifícios são um recurso de adesão e memória que acompanhou os sistemas políticos ao longo da história.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL