8:24 PM
17 de outubro de 2025

Engenheiro mineiro expande fronteiras do vinho brasileiro – 16/10/2025 – Comida

Engenheiro mineiro expande fronteiras do vinho brasileiro – 16/10/2025 – Comida

PUBLICIDADE


Se vinhedos têm se espalhado de forma veloz e espantosa pelo mapa brasileiro para além das fronteiras do Sul, é fácil apontar um catalisador: o engenheiro agrônomo, pesquisador e empresário mineiro Murillo de Albuquerque Regina.

Em agosto de 2001, ele plantou a primeira muda de videira na região cafeicultora de Três Corações, Minas Gerais. Aquele era o primeiro teste de cultivo de vinhas com a técnica da dupla poda, que inverte o ciclo da videira e deixa a colheita para o inverno. Hoje, mais de 24 anos depois, já são 200 projetos que usam o método para produzir no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste com suas mudas ou sob sua orientação.

Regina assume a paternidade dos chamados vinhos de inverno, diz que ele, sim, “riscou o fósforo” para a ideia. “É uma coisa que nos traz realmente muita felicidade e muito orgulho”, diz. Também foi um dos articuladores da Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno (Anprovin) e da Indicação de Procedência Sul de Minas, que inclui uma área descontínua de mais de 4.000 quilômetros em dez municípios. E, sem se satisfazer, segue na luta burocrática para chegar à denominação de origem.

Neste ano, Regina lança seu mais novo projeto, a vinícola Albuquerque & Davo. A empresa produz vinhos elegantes, muito limpos e fáceis de beber feitos com as uvas que mais se adaptaram ao Sudeste: syrah e sauvignon blanc nos tranquilos, chardonnay e pinot noir nos espumantes.

Apesar de todo o sucesso e de muita paixão, há quem veja a técnica de Regina com desconfiança e quem diga que a produção é muito recente —no vinho, é comum que os vinhedos precisem de tempo para atingir qualidade. Mas, a cada ano, prêmios internacionais respeitáveis chegam aos rótulos da região, jogando mais luz aos feitos do engenheiro agrônomo.

Em entrevista, ele conta sobre o que alcançou até aqui, rebate as críticas, uma “falsa polêmica” para ele, e fala sobre o que pensa do futuro do vinho no país.

Você se considera o pai do vinho de inverno?

Para o Sudeste e para essa condição de clima, sim, eu fui o primeiro a enxergar que, se desviarmos o ciclo da videira, temos condição de colocar a uva para amadurecer numa época mais favorável do ano. Isso se deu em função da minha natureza, eu sou natural de Varginha, região sul de Minas, terra cafeeira.

Enxerguei que há potencial para fazer vinho de qualidade, semelhante ao que se faz nas melhores regiões do mundo. Mas uma andorinha só não faz verão, é um trabalho coletivo. Costumo dizer que eu risquei o fósforo.

Quando este fósforo foi riscado?

Em 1998, encontrei o Marcos Arruda, de Três Corações, produtor de café, que me perguntou se dava para fazer vinho fino ali. Eu já estava matutando isso na cabeça desde que voltei do doutorado em 1994. Respondi que sim, só que teríamos que desviar o ciclo.

Ele falou “vamos fazer na nossa fazenda?”. Em agosto de 2001, nós plantamos as primeiras videiras para fazer o teste. Em 2003, foi a primeira colheita experimental. Em 2004, validamos esse vinho e plantamos o primeiro vinhedo comercial, que deu origem à vinícola Primeira Estrada.

Há um perfil comum aos vinhos da região?

A uva syrah foi a pioneira, mas hoje expandimos para cabernet franc, marselan, tempranillo. Começamos a trabalhar com touriga nacional. Há nuances aromáticas, maior ou menor grau de leveza nos vinhos, de acordo com a localidade, a altitude e a natureza do solo.

Os vinhos de syrah permanecerão em toda a região do vinho de inverno, com bastante estrutura, uma marca típica de variedade, aroma de frutas negras e especiarias. Não é aquele vinho pesado, conseguimos maciez de taninos, equilíbrio, o álcool não transparece, e tem acidez em equilíbrio devido às noites frias do inverno.

Os aficionados do vinho natural são críticos à técnica da poda invertida porque dizem que as intervenções são radicais. O que diz sobre isso?

O produto que gera essas críticas é o Dormex, um hormônio para ativar a brotação da videira. Ele é utilizado em todas as regiões brasileiras, mesmo por quem não faz a dupla poda, e em outros países. Não há risco de resíduo na bebida.

Nas primeiras safras da Estrada Real, nós analisamos todos os nossos vinhos, nunca houve nem traço. Então, eu acho, com sinceridade, que isso é um falso debate. E outra: nós colocamos a uva para amadurecer num período seco, em que não temos que fazer nenhuma intervenção de produto químico, não tem resíduo de fungicidas e inseticidas, não tem nada.

Onde a poda invertida não funciona no país?

É preciso observar a condição climática entre os meses de maio e agosto: precipitação pluviométrica acumulada, temperatura máxima e mínima. Só pode chover 150 milímetros entre maio e agosto, o que exclui o Sul porque lá o clima é temperado com chuvas distribuídas ao longo do ano. Exclui também as regiões equatoriais úmidas da floresta amazônica e o Nordeste da arquitetura tropical, o vale do submédio São Francisco.

Já sentiram efeito de aquecimento global nessa região com essa técnica?

Muito pouco. Desde a primeira safra do nosso primeiro vinho, os parâmetros básicos de análise da uva no

campo permanecem praticamente inalterados.

O sr. está lançando um novo projeto. Qual é a diferença entre Albuquerque & Davo e o Primeira Estrada, primeiro vinho feito na região?

São parcelas de uvas diferentes com vinificação, com tempos de extração diferentes. Então a gente tem várias parcelas de syrah distribuídas nos vinhedos de São Gonçalo (SP) e de Três Corações (MG).

De acordo com a degustação, com o ano e com a maturação, a decide o que vai para o topo de linha, para o vinho jovem, etc. O perfil para o projeto Albuquerque & Davo é o de vinho bem amaciado, com acidez boa.

O que espera para o futuro dessa região?

A gente tem que sonhar alto e pode. Às vezes, alguém fica preocupado, o que a gente vai fazer com tanto vinho? O café do sul de Minas tem séculos de existência, passou por crises homéricas, mas hoje está bem. É uma cultura que inspira todo mundo, com valor social extraordinário e qualidade magnífica. O vinho, guardando as abissais proporções em área, volume e importância, nasceu com essa mesma verdade: ele é bom.

Não tenho medo nenhum para o futuro dele. Temos que dar mais tempo às videiras no campo, tempo ao vinho na garrafa e se dedicar na busca pelas denominações de origem para ter renome internacional. E isso virá com as medalhas e prêmios. Quando a gente alcançar realmente os críticos internacionais, tenho certeza que nós teremos um futuro muito promissor na nossa frente.

Como funciona a dupla poda

  • A técnica inverte o ciclo de produção da videira, fazendo a colheita acontecer no inverno
  • A primeira poda é feita nos meses frios, com a intenção de formar ramos da planta
  • Já a segunda poda ocorre no verão, quando normalmente ocorreria a vindima. isso faz com que a frutificação seja deslocada para o inverno
  • Assim, a colheita acontece em período sem chuvas, que prejudicam a produção e podem deixar as uvas inchadas e diluídas
  • Além disso, há maior diferença de temperatura no inverno, o que beneficia o vinho: as noites frias, que permitem melhor amadurecimento da uva e maior qualidade do vinho



Fonte.:Folha de São Paulo

Leia mais

Rolar para cima