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14 de junho de 2025

Entidades a favor de drogas fazem parte de conselho de Lula

Entidades a favor de drogas fazem parte de conselho de Lula

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A atual gestão do governo federal vem trabalhando para alterar a abordagem prevista pelo governo de Jair Bolsonaro a respeito das drogas. Iniciada em março de 2025 e com previsão de encerramento em julho, uma reformulação do Plano Nacional de Políticas Sobre Drogas (Planad) aprovado em 2022 vem contando com a participação direta do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) – que, sob a nova gestão do PT, voltou a contar com organizações da sociedade civil. 

Em 2019, o governo Bolsonaro havia reduzido a estrutura do Conad, assim como de outros conselhos federais, na direção de tornar a gestão mais objetiva e enxuta. Logo nas primeiras semanas do governo Lula, no início de 2023, a medida foi revertida. Em junho daquele ano, foi divulgada a lista de dez representantes da sociedade civil que passaram a compor o Conad. 

Em 2025, uma nova seleção vem sendo realizada e vai definir a composição do conselho para o próximo biênio. O edital prevê cotas, ONGs irregulares (que atuam sem CNPJ) e viola acesso à informação. Dois pedidos de suspensão do processo seletivo foram apresentados no Congresso Nacional, um na Câmara dos Deputados, pelo deputado Ismael dos Santos, e outro no Senado, obra do senador Eduardo Girão. Procurados, Conad e Ministério da Justiça não se manifestaram sobre o assunto.

“Está acontecendo o aparelhamento ideológico do Conad. Não é possível existir um conselho nacional voltado a este tema sem representantes das comunidades terapêuticas, mas dominados por entidades que defendem a liberação do consumo, especialmente da maconha”, diz Ismael dos Santos, que é coordenador da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas.  

“A gestão anterior era muito mais preocupada com o vício, inclusive de drogas lícitas, como o álcool. O governo Lula defende um discurso de fundo social, que inclui a flexibilização da drogadição. A redução de vagas bancadas nas comunidades terapêuticas é um sinal claro de que não há mais a mesma preocupação em enfrentar a problemática das pessoas viciadas. A atual gestão não parece preocupada para onde elas vão ao fim do dia”, avalia o advogado Roberto Lasserre, coordenador do Movimento Brasil Sem Drogas e assessor do senador Eduardo Girão. 

“Núcleo cannabis”, “feministas contra política de drogas patriarcal”, etc.

Caso o edital não seja suspenso, a nova lista de organizações civis deve repetir o mesmo perfil da atual, com entidades praticamente sem interesse na prevenção do uso de drogas. O foco dos atuais representantes do Conad de Lula, por outro lado, é a chamada redução de danos, que não retira o acesso às substâncias, ao mesmo tempo em que dá voz a organizações que defendem a liberação de drogas ilegais. 

Das dez organizações participantes, a mais tradicional é a Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox). As demais são defensoras de uma revisão das políticas sobre as drogas, com o objetivo explícito de liberar o uso e de praticar a redução de danos.  

A Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), por exemplo, mantém um “núcleo cannabis”. Em uma de suas publicações, chamada “Introdução ao Associativismo Canábico”, lê-se: “Há alguns anos, a regulação social da cannabis era tratada como uma possibilidade fora do horizonte histórico pela esmagadora maioria do planeta. Os sucessivos esforços do âmbito antiproibitivista provaram que hoje uma nova regulação da planta está cada vez mais próxima”. A Rede Latinoamericana e do Caribe de Pessoas que Usam Drogas (Lanpud), que também integra o Conad, é afiliada à PBPD. 

Já a Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, ou Rede Reforma, foi fundada em 2016, no Rio de Janeiro, por advogados que defendem “a incidência política pela reforma das normas e políticas de drogas no Brasil, com ênfase na cannabis, visando a regulação responsável e regulamentação de todo ciclo econômico das drogas hoje proscritas, visando principalmente o respeito à autonomia e dignidade dos sujeitos envolvidos”.  

Em seu site oficial, a organização lista uma série de entidades parceiras, incluindo a PBPD e outra entidade integrante do Conad, a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA), que se define como “uma organização política feminista, antirracista, supra partidária e anticapitalista”, cujo objetivo é “transformar os modelos de controle pelos sistemas de opressão racista, patriarcal e capitalista, em especial no campo das políticas de drogas”. 

“Redução de danos” 

A pauta da redução de danos está no centro das atuações de outros integrantes do conselho, como o Centro de Convivência “É de Lei”, a Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (Reduc) e a Escola Livre de Redução de Danos (ELRD), que defendem pautas como o “respeito à dignidade dos usuários de drogas”, a “justiça étnico-racial” e a “perspectiva de gênero”. A exceção é a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), que se posiciona contra a política de redução de danos, mas defende a substituição dos manicômios por serviços de saúde mental comunitários.  

“A redução de danos que estas entidades defendem significa simplesmente passar algumas horas nos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Capes) e depois voltar para a rua. Sem mudar o contexto em que a pessoa está inserida, a tendência é ela voltar a usar drogas. Enquanto isso, as comunidades terapêuticas, que são comprovadamente eficazes, com taxa de ressocialização muito mais expressiva do que o Capes por oferecer uma proposta mais completa e holística, vêm sofrendo um ataque sistemático”, diz o deputado Ismael dos Santos, que, em 1992, fundou o Centro Terapêutico Vida, em Blumenau (SC). De fato, o número de vagas bancadas pelo governo federal nas comunidades, que havia disparado no governo Bolsonaro, despencou desde então. 

“No formato ideal, a redução de danos tem o objetivo de que, ao final do processo, a pessoa deixe de consumir”, diz Lasserre. “Mas o que vemos na atual gestão é um foco limitado ao atendimento ambulatorial, que é apenas pontual, e em uma ‘redução de danos’ que se limita a oferecer seringas limpas para que a pessoa não contraia hepatite”. 

Ex-viciado em crack, recuperado em uma comunidade terapêutica, Erisson Sousa Lindoso tem assento no Conad, via Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas no Maranhão. Em setembro de 2024, durante uma reunião ordinária do Conad, propôs que a espiritualidade fosse inserida nos eixos da Planad. O pedido foi negado, com apenas quatro votos a seu favor, incluindo o do Ministério da Defesa. “Existem no governo pessoas preocupadas com essa visão sobre as drogas que exclui a espiritualidade no tratamento. Mas elas são minoria. Sou um ex-morador de rua e ex-usuário de drogas que se tornou conselheiro nacional, mas não sou ouvido no próprio conselho.”

Conheça o plano descartado pelo atual governo 

O Conad tem como missão coordenar o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), que atua na formulação, avaliação e proposição de políticas nacionais sobre drogas. É presidido pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública e conta com um representante de cada um dos seguintes ministérios: Defesa; Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Direitos Humanos e Cidadania; Educação; Igualdade Racial; Mulheres; Povos Indígenas; Relações Exteriores e, por fim, Saúde. Outros órgãos têm assento, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Polícia Federal (PF).

Desenvolvido com apoio do Conad da gestão de Jair Bolsonaro, o Planad de 2022 estabelecia um plano de ações até 2027. Entre os desafios apontados na época estavam o consumo de drogas ilícitas e o consumo abusivo ou nocivo de álcool, o tráfico e a produção não autorizada de drogas, a fragilidade de governança e de integração da política sobre o tema e a insuficiência de gestão de ativos apreendidos do tráfico.  

Diante deste cenário, o plano apresentava cinco objetivos estratégicos: prevenção; tratamento, cuidado e reinserção social; redução da oferta; pesquisa e avaliação; governança, gestão e integração. O plano previa um trabalho consistente de conscientização da sociedade a respeito da dependência de drogas, lícitas e ilícitas, assim como o fortalecimento de ações de prevenção – e também de acolhimento aos cidadãos já envolvidos com o consumo abusivo. A meta era alcançar, até 2027, a capacitação de 50 mil profissionais da rede de saúde em cuidados, tratamento e reinserção social. 

A proposta foi submetida a consulta pública digital por 100 dias, entre setembro e dezembro de 2021, e a uma audiência pública presencial. “O Planad é o resultado da integração e da convergência de esforços de diversos órgãos e entidades (públicas e privadas) e contou com ampla participação da sociedade civil em sua elaboração”, escreveu, na apresentação do documento, o então ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres. 

É essa política que agora vem sendo desmantelada. Como descreveu Nathália Oliveira, socióloga e coordenadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, que atualmente integra o Conad, o objetivo dessas organizações é alterar as definições de três anos atrás. “Agora é o momento de mudarmos a rota do que defendemos na política de drogas no Brasil, fazendo isso de maneira coletiva e com muita mobilização popular, porque só assim as coisas podem mudar.”

A reportagem entrou em contato com cada uma das dez organizações civis que integram o Conad. Nenhuma respondeu aos pedidos de entrevista. 





Fonte. Gazeta do Povo

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