Entidades de juristas, religiosas e parlamentares manifestaram nesta sexta-feira (17) profundo repúdio e perplexidade contra o pedido do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), para convocar uma sessão virtual extraordinária e dar continuidade ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que versa sobre a descriminalização do aborto.
Mais cedo, Barroso cancelou seu próprio pedido de destaque, que levaria o caso ao plenário presencial, alegando “excepcional urgência, decorrente da minha aposentadoria com efeitos a partir de 18.10.2025”. O ministro anunciou sua aposentadoria antecipada na semana passada. Seu último dia como ministro do Supremo será neste sábado (18).
Pouco antes das 20h, o presidente do STF, Edson Fachin, atendeu ao pedido de Barroso. A sessão começará às 20h desta sexta, com término previsto para segunda-feira (20), às 23h59. Barroso acompanhou entendimento da ministra aposentada Rosa weber e votou pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
“O recurso a sessões virtuais extraordinárias e o descumprimento regimental são práticas inaceitáveis em matéria de tamanha gravidade. Tais manobras suprimem o debate democrático, esvaziam a participação social e ferem a transparência”, disse a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure).
“Constituem uma escandalosa articulação política interna, priorizando a autoafirmação de ministros em detrimento do rito adequado, em uma fuga da responsabilização democrática através de votos proferidos no apagar das luzes do mandato”, acrecentou.
A Anajure publicou uma nota conjunta de repúdio com a Frente Parlamentar Mista Contra o Aborto e em Defesa da Vida, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e a Frente Parlamentar Evangélica do Senado Federal.
O comunicado aponta que a alegação de “urgência” é infundada, visto que Barroso manteve o caso em seu gabinete por mais de dois anos após pedir destaque. As entidades consideram que a súbita urgência, manifestada horas antes de sua aposentadoria, “revela uma tentativa de pautar o tema por conveniência pessoal”.
O Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) e a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família (PROVIDAFAMILIA) pediram que Fachin negasse o pedido de Barroso. A petição entrou no sistema da Corte minutos antes do despacho ser publicado.
As duas entidades reforçaram que a urgência alegada – a aposentadoria do ministro – não se qualifica como urgência processual no sentido jurídico-constitucional, tratando-se de uma situação pessoal e previsível.
Eles apontam que seria algo “absolutamente inédito”, pois não há precedentes de convocação de sessão extraordinária do plenário virtual para o mesmo dia do pedido na história recente da Corte. Tal ação “compromete os princípios do devido processo legal, da colegialidade e da impessoalidade”.
As entidades alegam que essa “manobra repete o lamentável modus operandi da Ministra Rosa Weber em 2023”, e que o uso de sessões virtuais extraordinárias e o descumprimento regimental são “práticas inaceitáveis” em matéria de tamanha gravidade.
Um ponto levantado por diversas entidades é a súbita mudança de postura de Barroso. O IBDR, a PROVIDAFAMILIA e a Ubrajuc citam que o ministro, em entrevista ao programa Roda Viva, no último dia 22, teria afirmado que “a sociedade brasileira ainda não está preparada para pautar” essa discussão.
Para as entidades, a tentativa de votar extraordinariamente antes da aposentadoria, aliada a esse histórico, suscita “legítimas dúvidas quanto à prudência, à coerência e ao respeito ao princípio da autocontenção judicial”.
O IBDR e a PROVIDAFAMILIA também mencionaram que Barroso já atuou como advogado em causas relacionadas ao tema da ADPF (como a ADPF 54), reforçando a percepção de possível conflito de interesse e impondo ainda maior cautela no andamento do julgamento.
Entidades defendem competência do Legislativo para decidir sobre aborto
Além das falhas procedimentais, as entidades reafirmaram sua posição de mérito e constitucionalidade. Elas reiteram a defesa da inviolabilidade do direito à vida humana, desde a concepção até a morte natural. A Anajure e as frentes parlamentares insistem que o debate sobre o aborto é de competência exclusiva do Poder Legislativo (CF, Art. 2º).
Elas argumentam que “não cabe ao STF atuar como ‘legislador positivo’ ou promover reinterpretações absurdas da Constituição”, e que o ativismo judicial que se desenha viola a separação dos Poderes.
A demanda principal é que a matéria seja debatida com seriedade e respeito ao devido processo legal, em sessão presencial do plenário, garantindo a participação da sociedade e o respeito ao Poder Legislativo.
A Ubrajuc solicitou que o julgamento da ADPF 442 seja realizado segundo os procedimentos normais e com a devida cautela, reforçando que a votação em plenário virtual de forma abrupta “não é recomendada”. O julgamento no plenário virtual não permite o debate entre os ministros, que apenas depositam seus votos no sistema do STF.
Fonte. Gazeta do Povo