O nome do inglês George Mallory foi, desde 1924, um dos maiores mistérios da história das grandes escaladas. Nesse ano ele teria, ao lado do amigo Andrew Irvine, tentado alcançar o cume do Everest, mas, embora tenha sido avistado pela última vez próximo ao topo, não se confirmou até hoje se ele efetivamente chegou ao alto dos 8.849 metros da montanha que, até então, nenhum ocidental havia escalado. A causa de seu desaparecimento nunca foi esclarecida e, com isso, a conquista oficial da montanha ficou para o neozelandês Edmund Hillary, que foi lá em 1953, tirou fotos e voltou com a comprovação da façanha.
O corpo de Mallory, mumificado pelo frio extremo da montanha mais alta do mundo, só seria localizado no dia 1° de maio de 1999, por uma expedição conjunta com a emissora de televisão britânica BBC e um grupo de montanhistas americanos.
O que mais chamou a atenção dos membros dessa expedição foram as roupas usadas por Mallory, preservadas pelo gelo em que o corpo havia permanecido desde então — uma parca, suéter, calças de lã, meias 3/4 e botas de couro com pregos—, totalmente insuficientes para enfrentar as temperaturas negativas extremas do Everest.
E foi justamente para testar a capacidade de se resistir ao frio congelante com aquela vestimenta que dois irmãos ingleses, Hugo e Ross Turner, 37, conhecidos nas redes como os Turner Twins, ou Gêmeos Turner, e com vasto currículo de aventuras, resolveram escalar uma montanha do Himalaia usando roupas exatamente iguais às que Mallory vestia um século atrás. Só não tentaram subir ao Everest, como explicou Hugo à coluna, porque “com a grande quantidade de pessoas que ficam em longas filas para chegar ao cume, a espera criaria um problema que não existia em 1924”.
“Com aquelas roupas, a essa altitude, você tem que se manter o tempo todo em movimento”, acrescenta, “e isso não seria possível com essas filas atuais”.
A escolha dos irmãos foi, então, a montanha Mera Peak, também no Himalaia, com 6.476 metros de altitude e menos procurada pelas multidões que chegam anualmente ao Nepal. Eles trabalharam ao longo de dois anos com especialistas que desenvolveram desde as várias camadas de roupas de seda e pura lã a luvas e botas de couro iguais às encontradas no corpo mumificado de Mallory.
“Só a reprodução das botas, pela Crockett & Jones [tradicional fabricante de calçados inglesa fundada em 1879], levou 18 meses e envolveu o trabalho de 40 pessoas”, conta Hugo. As peças de roupa foram recriadas pela empresa norueguesa Devold, especialista em lã merino, que é a mais adequada até hoje como proteção térmica para baixas temperaturas. No total, foram criadas 5 camadas de blusas intercaladas de seda pura e lã, 3 camadas de ceroulas dos mesmos tecidos sob as calças knickerbocker —pasmem!— de gabardine de algodão, típicas das trilhas do final do século 19, que se prendem pouco abaixo do joelho, e um casaco também de gabardine. Nas mãos, grossas luvas para neve (aquelas que só têm um dedo) de grossa lã e um improvável chapéu de aba larga, assim, quase um Indiana Jones, como convinha aos aventureiros da época, sobre as toucas de lã. Nos pés, botas de couro com pregos, meias de lã e polainas feitas por grossas faixas de lã enroladas mas pernas. Uma picareta de mais de metro de comprimento e uma pequena mochila de lona e couro completavam o modelo retrô.
Enquanto Hugo seguia com as roupas de Mallory, seu irmão Ross seguiu a seu lado com roupas e equipamentos modernos. A equipe que os acompanhava controlava os níveis de cortisol, saturação, glicose e desempenho cognitivo sob frio extremo dos dois. E, depois de 10 dias na montanha, chegando ao cume no dia 17 de novembro passado, voltaram já pensando no quê? “Agora vamos para uma montanha de mais de 7.000 metros”, diz Hugo, revelando que o próximo objetivo será o monte Cho Oyu, sexto mais alto do planeta, com 8.188 metros de altitude, também na cordilheira do Himalaia.
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Fonte.:Folha de S.Paulo


