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O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, enfrenta o que pode ser a pior crise do seu governo, desde que chegou ao poder, sete anos atrás.
Ele e seu Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) foram sacudidos nos últimos dias pela revelação de que diversas pessoas que ocuparam altos cargos do partido teriam supostamente participado de um esquema de corrupção, que incluiria vultosos pagamentos, em troca da concessão de contratos de obras públicas.
Entre os envolvidos, está o ex-ministro dos Transportes do governo Sánchez e o número 3 do PSOE, ambos homens de confiança do primeiro-ministro. Todos negam as acusações.
O esquema de corrupção foi revelado no ano passado. Na ocasião, o governo conseguiu conter os danos.
Mas, na última quinta-feira (12/6), veio a público um relatório demolidor da Guarda Civil Espanhola, incluindo gravações que também envolveram o número 3 do PSOE, Santos Cerdán.
Cerdán já se demitiu do cargo de secretário de Organização do partido e entregou sua renúncia como deputado do Parlamento espanhol.
Sánchez se desculpou perante os espanhóis e os eleitores do PSOE, por ter confiado em Cerdán. Mas ele se negou a renunciar ao cargo ou convocar eleições gerais antecipadas, como pede a oposição conservadora.
Em quatro pontos básicos, esta é a situação enfrentada pelo atual governo da Espanha.
1. Quais são as acusações de corrupção
As primeiras acusações, reveladas em fevereiro de 2024, remontam à pandemia de covid-19. Elas indicam um suposto esquema de corrupção, que teria concedido contratos milionários para a compra de máscaras em 2020.
As investigações da Procuradoria e da Guarda Civil levantaram a suspeita de que o esquema teria pago preços mais altos pelas máscaras e que algumas das compras teriam sido de material de má qualidade. Além disso, parte do dinheiro teria sido usado para pagar comissões ilegais.

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Mas os contratos de compra das máscaras, aparentemente, são apenas a ponta do iceberg, segundo a investigação sendo realizada pela Unidade Central de Operações (UCO) da Guarda Civil Espanhola, com o nome de “Operação Delorme”.
O esquema de corrupção também envolveria, segundo a investigação, a adjudicação de obras públicas e serviços a determinadas empresas, em troca da cobrança de comissões ilegais. E também seriam usadas empresas de fachada para lavagem do dinheiro.
A investigação da UCO indica não apenas diversos políticos do governo socialista, mas também empresários vinculados a grandes empresas, como a energética Acciona e outras.
2. Quem são os envolvidos
Inicialmente, a investigação levou à detenção de quase 20 pessoas em 2024.
Entre elas, encontram-se empresários, lobistas e um assessor político vinculado ao PSOE — Koldo García, considerado o eixo central do esquema de corrupção.
García foi acusado de operação criminosa, tráfico de influências, suborno e lavagem de dinheiro.
Mas sua detenção naquele momento arrastou um peso-pesado do partido: José Luis Ábalos, que havia sido ministro dos Transportes e secretário de Organização do PSOE — o terceiro cargo mais poderoso do partido — até 2021.
A investigação apontou Ábalos por sua proximidade com Koldo García, que foi seu assessor pessoal durante anos. O ex-ministro é investigado para saber se ele pode ter sido o facilitador do esquema.
Ábalos é investigado pelo Supremo Tribunal do país por quatro possíveis delitos: tráfico de influências, participação em organização criminosa, suborno e fraude.
Em 2020, o ex-ministro foi protagonista de outro caso que abalou o Executivo. Ele se reuniu no aeroporto da capital espanhola, Madri, com a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez.
A União Europeia havia proibido a entrada de Rodríguez no espaço Schengen, que permite a livre circulação de pessoas e mercadorias entre a maior parte dos países da União Europeia. A imprensa conservadora da Espanha chamou o caso de “Delcygate”.
Ábalos negou ter se encontrado com a Rodríguez. Ele mudou sua versão da história várias vezes.
O Partido Popular (PP, conservador) e o Vox (ultradireita), ambos de oposição, fizeram uso do episódio para desgastar a credibilidade do então ministro e do governo. Mas, judicialmente, o caso foi dado como encerrado.
Ainda assim, a investigação da UCO revelou posteriormente que Delcy Rodríguez manteve vínculos com algumas pessoas envolvidas no esquema de corrupção, no qual o ex-ministro também é investigado.

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O terceiro nome importante apresentado pela “Operação Delorme” é o de Santos Cerdán, que substituiu Ábalos à frente da Secretaria de Organização do PSOE, quando Sánchez destituiu o ex-ministro.
Cerdán era um homem da máxima confiança do primeiro-ministro e detinha grande poder no partido.
O próprio Sánchez declarou, quando foi anunciada a suposta vinculação de Cerdán com o esquema de corrupção, que, “até esta manhã”, acreditava nas explicações oferecidas pelo homem que ele mesmo nomeou como número 3 do seu partido.
Santos Cerdán também foi uma das pessoas que apoiaram Sánchez quando ele se apresentou como candidato às eleições primárias do PSOE em 2014 e poucos apostavam no atual primeiro-ministro.
As gravações obtidas pela UCO mostram Cerdán, Ábalos e Koldo García supostamente falando em “mordidas”. E elas também revelaram outro esquema de corrupção.
Em uma das mensagens, Cerdán instrui García a introduzir duas papeletas “sem que ninguém veja” na urna das eleições primárias de 2014, aparentemente a favor de Sánchez.
O atual primeiro-ministro ganhou as primárias por mais de 16 mil votos. Por isso, esta suposta irregularidade não teria alterado o resultado.
Mas a gravação lança ainda mais sombras sobre o governo de Pedro Sánchez.
3. Quais são os possíveis cenários
Pedro Sánchez chegou à chefia do governo espanhol em 2018, depois de uma moção de censura contra o governo anterior.
Liderado pelo conservador Mariano Rajoy, aquele governo foi manchado por um escândalo de corrupção que causou a condenação de diversos membros do PP.
Agora, a mesma corrupção que Sánchez veio eliminar parece atingir pessoas que ocuparam cargos de grande responsabilidade no seu próprio partido.
Mas, no seu primeiro pronunciamento após o anúncio das últimas revelações da investigação, Sánchez descartou adiantar a convocação de eleições gerais, previstas para 2027.
O primeiro-ministro negou ter conhecimento do caso de corrupção e desvinculou o assunto do partido. Ele assegurou que o esquema envolveria apenas algumas poucas pessoas.
Depois de demitir Santos Cerdán, Sánchez propôs que uma equipe interina administre o partido, até a realização do seu próximo Comitê Federal, em julho.
O primeiro-ministro também ordenou uma auditoria para analisar as contas do PSOE e sanar as dúvidas sobre a possibilidade de que as “mordidas” estivessem sendo empregadas para financiar ilegalmente o partido. Esta possibilidade não foi incluída no relatório da Guarda Civil.

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Se algum desses partidos decidir abandonar a coalizão de governo, Sánchez ficará em minoria.
É possível que o futuro desta coalizão dependa das medidas a serem adotadas agora pelo governo, para refrear o escândalo e chegar ao fundo do esquema de corrupção — e se essas medidas irão convencer os seus sócios.
A vice-primeira-ministra Yolanda Díaz, da coalizão de esquerda Sumar, e a esquerda nacionalista catalã já anunciaram que seu apoio depende das ações a serem tomadas pelo governo.
Já o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, pediu a demissão de Sánchez e a convocação de eleições antecipadas.
Ele descartou apresentar uma moção de censura. No momento, os números não são suficientes para sua aprovação e o partido conservador acredita que ela daria “um balão de oxigênio para o sanchismo”.
Feijóo também apelou aos grupos de apoio ao governo para que abandonem o que o seu partido considera “uma máfia”.
Mas a alternativa ao atual governo socialista poderia acabar sendo uma coalizão entre a direita do PP e a ultradireita do Vox. E nem a esquerda, nem os nacionalistas, gostariam de ver esta opção no poder.
4. O que mais há em aberto no entorno de Sánchez
Pedro Sánchez descartou pedir demissão. Mas, em abril de 2024, o primeiro-ministro espanhol manteve um dramático suspense de cinco dias sobre seu futuro.
Isso se deveu à decisão tomada por um tribunal, de abrir investigação sobre a suposta participação de sua esposa, Begoña Gómez, em um caso de corrupção e tráfico de influência.
A denúncia foi apresentada por diversos partidos associados à direita e pelo partido Vox. Mas a UCO publicou um relatório informando não ter encontrado crimes e a Procuradoria solicitou o arquivamento do caso.
Depois de passar cinco dias analisando se deveria ou não permanecer no poder, Sánchez anunciou que não iria se demitir.
Ele declarou que havia motivações políticas por trás das acusações contra sua esposa e que o verdadeiro objetivo da denúncia era pôr fim ao seu governo.
Mas este não é o único caso que envolve o entorno do líder socialista.
O irmão do primeiro-ministro, David Sánchez, também está na mira da Justiça. Ele irá a julgamento por suposto tráfico de influência e prevaricação, pela sua nomeação ao cargo público regional ocupado por ele.
O procurador-geral do Estado, Álvaro García Ortiz, aliado de Sánchez, também será julgado por revelar informações confidenciais. O caso envolve o parceiro amoroso da presidente da comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, importante membro do PP.
Na Espanha, qualquer pessoa ou partido político pode apresentar acusação particular em um processo penal, caso se considere vítima de um delito. Esta possibilidade vem sendo usada com relativa frequência para desgastar adversários políticos no país.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL