Uma única vieira selada, coroada com espuma. Uma sobremesa de pera desidratada, caramelo de violeta e shissô em uma taça comestível. Tudo servido em um prédio sem identificação, que antes abrigava a lanchonete Original Beef of Chicagoland, por um chef que já trabalhou no Noma, Daniel e French Laundry. Nenhum restaurante parece mais pronto para conquistar uma estrela Michelin do que o que está no centro da série de sucesso “O Urso”.
Na quarta temporada, o reconhecimento está na mente dos personagens do restaurante que está em constante evolução e luta. A equipe ainda está abalada por uma crítica mista do Chicago Tribune, e o dinheiro está acabando — o que é ilustrado por um relógio na cozinha que marca os dois meses restantes da reserva financeira da casa. Em meio a uma conversa sobre esse cenário sombrio, o chef e proprietário Carmy Berzatto (Jeremy Allen White) pergunta: “E quando a gente ganhar a estrela?”
A estrela em questão é a do Guia Michelin, símbolo de excelência para restaurantes de alta gastronomia, concedido por inspetores anônimos. Antes restrito à França, o guia —que pertence à fabricante francesa de pneus— tornou-se um fenômeno global, e a organização premia restaurantes em Chicago desde 2010.
Mas é realista acreditar que uma estrela poderia salvar um restaurante de alta gastronomia em dificuldades? Para um estabelecimento no primeiro ano de funcionamento, buscar uma estrela Michelin significa investir ainda mais dinheiro, esforço e estresse.
“Você tenta criar um equilíbrio entre o que é bom para o negócio e para a sua visão”, diz Miguel Guerra, chef do Mita, um restaurante latino-americano à base de plantas em Washington, D.C., que tem uma estrela Michelin.
Mas é possível conquistar uma estrela logo de cara, e alguns chefs dizem que vale o esforço. “Tenho certeza de que o pequeno e sofrido negócio veria algum impacto positivo”, diz Mary Attea, chef do Musket Room em Nova York, sobre o restaurante fictício. O destino do seu restaurante mudou depois de ganhar uma estrela quatro meses após a inauguração, em 2014; Attea, que assumiu o comando em 2020, manteve a estrela.
Por causa dos altos custos operacionais e do baixo volume de clientes, restaurantes de alta gastronomia muitas vezes dependem de grandes prêmios para estabilizar o negócio a longo prazo. Michael Fojtasek, chef e proprietário do Olamaie, em Austin, Texas, abriu seu restaurante sulista de alta gastronomia uma década antes de o Michelin chegar ao estado, no ano passado.
“Houve várias vezes em que torci por um prêmio James Beard (um prêmio nacional dos Estados Unidos)”, conta. “Sabia que isso ajudaria minha situação financeira.”
O Olamaie recebeu uma estrela Michelin em 11 de novembro do ano passado, e o efeito foi imediato. “Tivemos 500 reservas no dia 12 de novembro”, diz Fojtasek. E a demanda não diminuiu desde então.
O processo Michelin é mais misterioso do que outras formas de reconhecimento. Como muitos restaurantes reais, o restaurante da série “O Urso” tem uma parede com fotos de críticos e influenciadores para que a equipe memorize —mas nenhum inspetor Michelin está lá. Em um episódio, veteranos da alta gastronomia compartilham teorias sobre como identificar um inspetor, como mudanças no tamanho das reservas ou um sobrenome que é, na verdade, o nome de uma rua da cidade.
Matt Conroy, que era chef de cozinha do Oxomoco, no Brooklyn, quando o restaurante ganhou uma estrela em 2018, e hoje é chef-executivo do Lutèce, em Washington, D.C., diz que identificar inspetores é notoriamente difícil.
“Conheço gente que tem restaurante de menu-degustação pequeno e tentou descobrir com base em uma foto postada pelo Michelin de um cliente canhoto. O restaurante só tinha lugar para seis pessoas e ainda assim não tiveram certeza de quem era.”
Um dos aspectos menos realistas da busca d’O Urso é o prazo de dois meses. O anúncio do Michelin acontece apenas uma vez por ano. Se um restaurante só tem dois meses para conquistar uma estrela, é melhor que sejam os dois meses anteriores à cerimônia.
Depois que uma estrela é conquistada, o verdadeiro trabalho começa, já que clientes de toda a cidade —e do mundo —começam a chegar. Conroy lembra como a estrela do Oxomoco atraiu um novo público de moradores de Manhattan “de salto alto e bolsas caras”.
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O reconhecimento do Michelin tem papel importante em atrair clientes para o EL Ideas, em Chicago, um restaurante ousado de alta gastronomia escondido em uma área industrial da cidade. “Acho que fiquei feliz por um dia, até a ressaca passar”, diz Phillip Foss, chef e proprietário.
Mas a corrida para manter a estrela, ou conquistar outra, afetou sua saúde mental. “Fiquei mais arrasado por não conseguir a segunda estrela do que feliz por ter conquistado a primeira”, conta.
Quando Carlos Salgado abriu o Taco María, em Costa Mesa, Califórnia, em 2013, nunca esperou uma estrela, mas sempre manteve o padrão. Ganhou a estrela quando o Michelin voltou ao sul da Califórnia em 2019. Ao decidir fechar o restaurante em 2023, buscava um recomeço após uma década de intensidade exaustiva.
“Pode ser algo extasiante, belo, motivador e gratificante”, diz ele, “mas ao mesmo tempo pode ser igualmente prejudicial para a mente. Não é algo saudável de se manter por muito tempo.”
Parece que Carmy chegou a um lugar semelhante após anos perseguindo a perfeição sem descanso. A quarta temporada termina com incerteza sobre as finanças do restaurante, a busca pela estrela Michelin e o futuro de Carmy. A solução pode, na verdade, ser simplesmente seguir em frente.
Fonte.:Folha de São Paulo