Nos últimos 30 anos, a incidência de câncer apresentou uma escalada global, fechando o ano de 2023 com 18,5 milhões de novos casos, mais do que o dobro em comparação com 1990. Na esteira desse aumento, cresceram em 74% as mortes pela doença, com impacto mais significativo para os países de baixa e média renda.
Se olhar para trás parece preocupante, as perspectivas para os próximos 25 anos não são nada animadoras. Os novos diagnósticos devem continuar subindo, em mais de 60%, chegando a 30,5 milhões em 2050. Estima-se também que aumente em quase 75% a incidência de vítimas ao ano, chegando a 18,6 milhões de mortes, com base principalmente em fatores como crescimento e envelhecimento da população.
As estimativas são de um novo estudo que acaba de sair do forno. Publicado nesta quarta-feira, 24, na prestigiada revista científica The Lancet, o amplo trabalho reúne informações de 204 países e territórios sobre 47 tipos ou grupos de câncer.
A pesquisa pontua que mais de 40% dos óbitos pela doença no mundo estão relacionados ao estilo de vida, ou seja, hábitos que podem ser modificados, reduzindo riscos, como explica o médico Roberto Gil, diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
“Esses fatores incluem o uso de tabaco, dietas pouco saudáveis, consumo de álcool, inatividade física, entre outros”, elenca Gil. “O conhecimento desses pontos representa uma oportunidade significativa para a prevenção, e deve estar no radar dos gestores públicos para a elaboração de estratégias e políticas públicas voltadas para a redução da exposição a esses fatores”, completa.
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Com tantos avanços terapêuticos, por que tantas mortes?
Parece que estamos diante de um paradoxo. Vamos pensar nas tecnologias existentes na área da oncologia em 1990 e quase 25 anos depois. A diferença é grande, não?
Por um lado, a medicina evoluiu bastante em termos de ferramentas para o diagnóstico e compostos utilizados no tratamento dos pacientes. Por outro, observando o panorama global, ainda é possível identificar uma grande disparidade quando o assunto é o acesso aos recursos de ponta pelos países.
E o problema se aprofunda, como detalha o médico Paulo Hoff, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente de Oncologia da Rede D’Or.
“Nos países em desenvolvimento, há um pouco mais de casos e há bem mais mortes. Isso mostra que a disponibilidade de serviços de saúde estruturados tende a reduzir a mortalidade — ainda que a incidência continue elevada”, explica Hoff. “Nos países de média e baixa renda, temos uma população envelhecendo, um dos grandes fatores associados ao câncer. O complicado é que nesses países a mortalidade ainda é maior”, acrescenta o professor.
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Assim como os autores do artigo da Lancet, os especialistas ouvidos por VEJA SAÚDE enfatizaram a importância da formulação de políticas públicas em saúde, com o objetivo de ampliar esforços no contexto da prevenção, diagnóstico precoce e tratamento.
“O Brasil é um exemplo positivo de políticas bem-sucedidas de controle do tabagismo, com leis rigorosas relacionadas à exposição e comercialização do tabaco, além do tratamento para o fumante disponível em unidades de saúde. No entanto, o surgimento de novos dispositivos que atraem os jovens para a iniciação representa uma ameaça crescente, exigindo reforço nas políticas de controle”, alerta Gil.
A prevenção contra tumores também passa pela imunização. Enquanto a vacina contra a hepatite B é um fator de proteção contra o câncer de fígado, a dose contra o HPV afasta a doença que pode se manifestar em diferentes áreas do corpo, como o colo do útero, o ânus e a cavidade oral.
“Em alguns países, o câncer de colo uterino ainda é a principal causa de morte por tumor. Veja, uma doença totalmente evitável, com vacina e exame papanicolau que pode ser feito, mostrando a disparidade”, frisa Hoff.
“Uma mulher morrer de câncer cervical nos Estados Unidos ou Alemanha é algo relativamente raro ou incomum. Enquanto em alguns países do Sudeste Asiático e da África tem essa como a principal causa de morte por câncer, mostrando a diferença que faz a disponibilidade da tecnologia”, prossegue o professor da USP.
Outro ponto crucial é o rastreamento voltado para as populações alvo, com foco especialmente nos mais vulneráveis.
“O diagnóstico precoce não só aumenta as chances de cura, mas também reduz os custos e a complexidade do tratamento. Por isso, é essencial investir na qualificação dos profissionais de saúde para identificar sinais precoces da doença, disseminar informações de qualidade à população e fortalecer o sistema de saúde para que ele tenha capacidade de reconhecer e tratar esses casos com agilidade”, frisa Gil.
O grupo de pesquisa prevê que ajustes das taxas de casos e mortalidade por idade, vão redimensionar os dados reduzindo essa previsão de aumento e mostrando com mais acurácia o que pode refletir o aumento e envelhecimento populacional, como mencionado anteriormente.
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Fonte.:Saúde Abril