11:37 AM
2 de novembro de 2025

Estudo confirma que rastrear câncer de pulmão no Brasil é possível

Estudo confirma que rastrear câncer de pulmão no Brasil é possível

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Rastreamento pode parecer mais uma daquelas palavras em “mediquês” que passam batido, mas, pelo impacto enorme que pode ter nas nossas vidas, acho que vale a pena conversar um pouco sobre ela. O Agosto Branco, mês de conscientização sobre o câncer de pulmão, é uma ótima oportunidade para isso.

Em saúde pública, rastrear significa procurar uma doença em pessoas que ainda não apresentam sintomas com o objetivo de detectá-la precocemente e aumentar as chances de cura (ou reduzir seus impactos).

Isso já é muito conhecido e amplamente disponível no caso da mamografia e do exame de Papanicolau, para a antecipação do diagnóstico de tumores de mama e colo uterino, ou ainda com o teste do pezinho, que utiliza a análise de algumas gotas de sangue para a investigação de doenças metabólicas, endócrinas e genéticas no recém-nascido.

O câncer de pulmão é o tumor mais letal do mundo. No Brasil, ele é a principal causa de morte por câncer entre homens e a segunda entre mulheres. Mais de 70% dos casos ainda são diagnosticados em fases avançadas, quando as chances de cura são menores e os tratamentos mais caros e agressivos.

No caso do câncer de pulmão, uma doença ainda marcada pelo diagnóstico tardio, essa estratégia demorou mais a se consolidar, principalmente pelos desafios tecnológicos de se desenvolver um método seguro, eficaz e minimamente acessível para diagnosticar a doença no início.

Mas desde 2010, já temos evidências científicas robustas mostrando que a realização de tomografia de tórax de baixa dose (um tipo especial de exame de imagem que usa menos radiação) antecipa o diagnóstico do câncer de pulmão e reduz a mortalidade pela doença em populações de alto risco.

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Em 2024, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), em conjunto com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT) e o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), publicou uma diretriz recomendando o rastreamento com tomografia para fumantes e ex-fumantes acima de 50 anos de idade.

O sonho de um “teste do pezinho” para o câncer de pulmão ainda não se concretizou, mas há vários estudos de marcadores sanguíneos destinados a identificar a doença mais cedo e de forma minimamente invasiva.

Mas a história não terminou aí. Políticas de saúde envolvem planejamento e execuções complexas; especialmente num país de 211 milhões de habitantes, que vivem em condições tão desiguais e com tantas necessidades ainda não atendidas.

Termos a evidência e a recomendação de sociedades médicas reconhecidas é um começo, mas ainda precisamos trabalhar em como tirar isso do papel e trazer para a realidade da nossa população. Neste sentido, a incorporação de uma nova tecnologia no SUS (e isso se aplica a medicamentos e procedimentos diagnósticos e terapêuticos) passa pela avaliação da segurança, eficácia, custo-efetividade, impacto orçamentário e viabilidade estrutural. E era justamente aí que faltavam dados nacionais.

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Foi por isso que nos debruçamos sobre esse tema.

Sim, falo no plural, pois foi através de uma construção coletiva que nosso grupo de autores composto por pesquisadores médicos pneumologistas, cirurgiões torácicos e oncologistas, além de uma farmacêutica e um enfermeiro especialistas em avaliação de tecnologias em saúde publicou no JCO Global Oncology os resultados do primeiro estudo que avaliou se “vale a pena”, do ponto de vista da saúde pública (com todo o cuidado de se abordar um tema tão complexo quanto a valoração de uma vida), investir em rastreamento do câncer de pulmão no Brasil.

A resposta (#spoiler), felizmente, é sim.

+Leia também: Câncer de pulmão: a metamorfose de uma doença

Segundo nossas simulações, com base em dados do SUS e em modelos econômicos validados, rastrear pessoas entre 50 e 80 anos, com histórico significativo de consumo de tabaco (pelo menos 20 maços-ano, uma medida que combina o número de cigarros por dia com o tempo de consumo em anos), é uma estratégia custo-efetiva.

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Ou seja, o investimento em rastrear se traduz em anos de vida ganhos com qualidade, dentro dos parâmetros econômicos considerados aceitáveis pelo Ministério da Saúde.

Para cada R$ 133 mil investidos num programa de rastreamento de câncer de pulmão com tomografia de baixa dose, ganha-se um ano de vida ajustado por qualidade (QALY, na sigla em inglês), um valor abaixo da margem superior do chamado “limiar de custo-efetividade”, equivalente a 3 PIB per capita, que é a referência usada pelo Ministério da Saúde, e especificamente pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

É claro que ainda existem desafios. A rede pública precisa ampliar o acesso à tomografia de baixa dose, precisamos treinar os profissionais da atenção primária, fortalecer os fluxos de acompanhamento dos pacientes e garantir que o rastreamento não aumente desigualdades regionais, perpetuando o abismo que separa pequenas ilhas de toda uma população socialmente tão vulnerabilizada e invisível.

Mas esses são problemas superáveis com planejamento e um olhar sensível a quem verdadeiramente merece a atenção do gestor de saúde.
O maior obstáculo agora, talvez, seja a inércia.

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Mais que um número, esse estudo representa um marco: pela primeira vez, temos uma análise baseada em dados da realidade brasileira (com todas as suas limitações de subfinanciamento da saúde e inequidades de acesso), que pode subsidiar decisões da Conitec, do Ministério da Saúde e de legisladores que atuam na área de saúde pública.

O rastreamento não é apenas uma estratégia segura e eficaz de se diagnosticar mais precocemente o câncer de pulmão; ele é, como mostramos, racional do ponto de vista econômico.

Implementar um programa nacional de rastreamento do câncer de pulmão é, por isso, uma medida tecnicamente acertada e, sobretudo, um compromisso com a vida. É reconhecer que a omissão também tem um custo; e ele é ainda maior: o de vidas perdidas por uma doença que poderíamos tratar muito melhor e com resultados muito mais expressivos se a flagrássemos mais cedo.

Se queremos reduzir mortes por câncer de pulmão, precisamos diagnosticar a doença mais cedo. Obviamente não estamos descartando o papel crucial da prevenção através das políticas de controle do tabagismo, mas precisamos trabalhar em conjunto com elas.

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Diante de uma das doenças que mais matam no país, não custa reforçar que agir com base em evidências é também uma forma de cuidado. E propor esse cuidado de uma forma sustentável e acessível é dar sentido real a um dos princípios fundamentais do SUS: a equidade. Oferecer mais a quem mais precisa, no tempo certo, com humanidade e responsabilidade.

*Gustavo Faibischew Prado é pneumologista, coordenador do Comitê Científico de Câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e coordenador de Pneumologia da Rede D’Or (SP-Leste)

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Fonte.:Saúde Abril

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