A história se repete como farsa, mas nem por isso deixa de produzir estragos. O aparente caso bélico promovido pelo presidente Donald Trump contra a ditadura venezuelana remonta ao velho intervencionismo de Washington na América Latina, embora se apresente numa roupagem modificada.
A pretexto de combater o tráfico de drogas que abastece o mercado americano, o governo dos Estados Unidos moveu recursos militares para as proximidades da costa da Venezuela. Ali põe-se a afundar pequenas embarcações alegadamente usadas por narcocartéis sob a guarida do regime de Nicolás Maduro.
Nesta quarta-feira (15), Trump confirmou informações publicadas por The New York Times de que deu autorização à CIA, famigerada agência de espionagem, para sabotar e derrubar o governo chavista. Não se descarta execução de operações armadas no território do país sul-americano.
O aparente paradoxo de o presidente do EUA declarar que avalizou movimentações secretas, que portanto deixam de ser secretas, é apenas um dos elementos que embaralham os parâmetros do intervencionismo que prevaleceu na segunda metade do século 20, no contexto da Guerra Fria contra os soviéticos.
As ameaças desta vez partem de um presidente republicano que se elegeu com a bandeira de implodir as ambições hegemônicas dos antecessores e reduzir a ingerência política e militar dos Estados Unidos em outros países.
As consequências da metamorfose ambulante trumpista, no entanto, reincidem em riscos e vícios do passado. Tentar induzir ou impor pelas armas mudanças de regime em nações estrangeiras é opção fadada ao fracasso ou a resultados pífios diante dos custos envolvidos, vide os atoleiros de Vietnã, Iraque e Afeganistão.
Bravatas e ataques militares oriundos de Washington dão fôlego às autocracias alvejadas para apertar a repressão contra a oposição interna. Isso ocorreu recentemente no Irã e está acontecendo na Venezuela, onde a ditadura de Maduro ordenou mais uma rodada de encarceramento despropositado de adversários.
Também é um velho conhecido o desdobramento sistêmico desse descompromisso da maior potência militar do planeta com as regras básicas da convivência internacional no continente americano. Crescem a insegurança, a instabilidade e o risco do recurso à violência política na região.
Não passaram despercebidas das autoridades civis e militares brasileiras as reiteradas mensagens do governo Joe Biden, no conturbado ano de 2022, de que Washington não aceitaria viradas de mesa no processo eleitoral que terminou com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No segundo mandato de Trump esse tipo de comportamento dificilmente se repetirá. Com base nas ameaças e ações do chefe da Casa Branca em relação à Venezuela, teme-se inclusive uma reviravolta nessa orientação, no sentido de incentivar aventureiros.
Fonte.:Folha de S.Paulo