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O ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), aposta as fichas no recém-criado programa Agora Tem Especialistas para acabar com uma das maiores queixas dos brasileiros em relação à saúde pública: a longa fila para fazer consultas, exames e cirurgias no Sistema Único de Saúde (SUS).
Estatísticas oficiais e estudos independentes demonstram que o tempo de espera para realizar esses procedimentos e avaliações especializadas bateu o recorde em 2024.
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil durante uma visita a Londres, no Reino Unido, Padilha reconheceu a dimensão do problema.
“Nossas pesquisas de opinião apontam que a principal reclamação da população hoje é sobre o tempo que ela espera para uma consulta especializada, para um exame, para uma cirurgia”, diz ele.
“Então essa é, sem dúvida alguma, o nosso principal desafio a ser enfrentado. E esse programa, o Agora Tem Especialistas, do governo federal, do presidente Lula, que foi aprovado pelo Congresso, está aí exatamente para isso”, promete o ministro.
Padilha é médico infectologista de formação, quadro antigo do PT e já chefiou a Saúde no governo de Dilma Rousseff (PT). Está de novo à frente da pasta desde março, quando deixou o Ministério das Relações Institucionais para o assumir o lugar de Nísia Trindade.
Padilha não foi afetado diretamente porque seu visto americano venceu em 2024. Ele, porém, ficou impedido de obter um novo visto.
À BBC News Brasil, Padilha comentou sobre as sanções contra sua família.
“Se os Estados Unidos não querem que eu vá lá, eles podem até restringir a minha circulação dentro dos Estados Unidos, mas não conseguem restringir as ideias e o papel que o Brasil e o ministro da Saúde têm”, aponta ele.
“Fiquei indignado. Primeiro porque tem um ataque à minha família. Tenho uma filha de 10 anos de idade. Quero saber qual é o risco que minha filha gera para o governo dos Estados Unidos.”
Confira os principais trechos da entrevista a seguir.
BBC News Brasil – O senhor está no Reino Unido, o berço do Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês), que foi a inspiração para a criação do SUS. Existe algo que o Brasil ainda pode aprender com o sistema de saúde britânico?
Alexandre Padilha – Muita coisa. Tenho dito aqui que estamos visitando nosso irmão mais velho. O SUS vindo visitar o NHS. Renovamos a parceria com o Ministério da Saúde aqui do Reino Unido, e isso é um passo muito importante para enfrentarmos desafios comuns.
Algumas coisas, a gente ensina a eles. Estamos fazendo essa entrevista direto de um lugar onde o NHS está aprendendo com o SUS, por meio da implementação dos agentes comunitários de saúde e junto das equipes de atenção primária.
Mas tem muita coisa que a gente tem a aprender com eles. A parte de saúde digital, por exemplo, queremos aprender a experiência dos hospitais digitais que existem no Reino Unido, onde as pessoas podem ter consultas diretamente através da telessaúde. Já estamos fazendo isso no Brasil, mas podemos ampliar e fazer normatizações, trazer o conceito e as experiências.
Temos uma grande prioridade nessa visita, que são as parcerias de produção de medicamentos e acesso do povo brasileiro a esses medicamentos. Temos muita coisa para fazer juntos.
O presidente Lula acabou de regulamentar um novo marco legal para a pesquisa clínica, para que os estudos de avaliação de uma medicação, de uma vacina, aconteçam mais rapidamente no Brasil. Isso vai ampliar as parcerias, e a gente tem grandes experiências de pesquisa clínica aqui na Inglaterra, da relação do sistema público de saúde com a pesquisa clínica, com o desenvolvimento de medicamentos, o surgimento de novos medicamentos.
Então, temos muita coisa para aprender juntos. Essa parceria entre Brasil e Inglaterra, SUS e NHS, também tem uma força internacional de defesa da vacina, de defesa da ciência, da defesa da saúde como um direito universal.
Isso acontece no momento em que essas ideias são atacadas, infelizmente, por uma extrema direita que existe no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, que tenta desmontar esses direitos, tenta negar a ciência, o direito à vacina e desmontar os sistemas universais de saúde.

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BBC News Brasil – E o que o SUS pode ensinar ao Reino Unido e ao resto do mundo?
Padilha – Em primeiro lugar, esse projeto [de trazer agentes comunitários de saúde para o Reino Unido] é incrível, porque ele começa a partir de um médico inglês que por algum motivo esteve no Brasil, no Nordeste, vivia lá e atuou como profissional da saúde numa cidade do interior de Pernambuco.
Ali, ele teve contato com os agentes comunitários de saúde e, ao voltar para cá, conseguiu desenvolver com o Imperial College, com a nossa Fundação Oswaldo Cruz, com apoio do Ministério da Saúde, essa experiência no Reino Unido que está sendo incrível, muito interessante.
Nesse momento, nós temos uma proposta de já começarmos, por exemplo, a reorganizar os cuidados das pessoas com o chamado transtorno do espectro do autismo. Já começou a ser implementado um teste diagnóstico a partir dos 16 meses de vida em toda a atenção primária em saúde. Não tenho dúvidas que o mundo inteiro tem muito a aprender com isso.
O Brasil tem uma característica de sua população, que é a diversidade. Somos um país de mais de 200 milhões de habitantes com muita diversidade étnica, racial, regional. Isso faz com que o Brasil combine doenças que são chamadas de doenças do mundo tropical, com as doenças aqui do Hemisfério Norte. Então, como lidar com as pessoas, com os pacientes, como tratar, nessa mistura de condições de saúde, é uma coisa muito própria do Brasil e que outros países do mundo podem aprender.
Tudo aquilo que envolve as doenças tropicais, como malária, dengue, enfrentamento à tuberculose, hanseníase, temos muito a fazer pelo Brasil, mas também a ensinar ao mundo. Inclusive trazendo pesquisadores estrangeiros para o Brasil, junto com as indústrias e as empresas, para enfrentar esses problemas.
O Brasil tem um papel muito importante também de liderança na saúde, que pode fortalecer experiências internacionais. Estamos organizando a COP 30, e um dos debates que pela primeira vez acontecerá em uma COP é ter um dia só da saúde, onde vai se aprovar um plano, que estamos chamando de Plano Belém, de adaptação dos sistemas de saúde para as mudanças climáticas.
Então, temos uma agenda de liderança em função do tamanho do SUS, que pode influenciar muito outros sistemas de saúde do mundo.
BBC News Brasil – Quando o senhor viaja para o exterior, o que costuma ouvir dos estrangeiros sobre o SUS?
Padilha – As pessoas ficam muito impressionadas, o que só aumenta nosso orgulho do que é o SUS. Porque nenhum país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes assumiu esse desafio de ter um sistema universal público de saúde. Ouço muitos estrangeiros que não moram no Brasil, mas que, ao visitar, trabalhar e estudar nosso país, têm a experiência de ser atendidos no SUS por algum motivo. E eles falam isso com uma grande surpresa, porque não é a realidade de outros países, em que um estrangeiro pode ser atendido e ter seu problema resolvido no sistema nacional público.
Também ouço muito sobre os programas que são simbólicos do SUS. Por exemplo, nosso programa de HIV e Aids, e a combinação que fazemos desse programa com a saúde de família. Isso fez com que o Brasil alcançasse, agora neste ano, a eliminação da transmissão vertical do HIV, da gestante para o bebê. Acabamos de entregar o relatório sobre isso para a Organização Panamericana de Saúde (Opas).
A expectativa é, até o final do ano, com a análise desse relatório pela Opas, o Brasil seja reconhecido por ter eliminado a transmissão vertical do HIV. Com isso, vai ser o maior país do mundo a ter alcançado isso, enquanto sistema nacional público de saúde.
Então, a gente ouve até mais elogios, mas sabemos que o SUS tem muitos defeitos ainda, muita coisa para melhorar, muitos desafios. Mas é defendendo o SUS que você dá conta dos desafios. E não falando mal do SUS, destruindo o SUS, como infelizmente outros governos fizeram.
BBC News Brasil – Sobre o metanol, houve alguma falha de fiscalização ou algum ponto que o governo deveria ter agido, e não agiu, para evitar que essa crise estourasse?
Padilha – O que aconteceu foi um crime, que que colocou em risco a saúde da população brasileira e está sendo desvendado pelas forças de segurança locais. Porque esse é um tema de um crime local, então, dos governos estaduais. O governo federal e a Polícia Federal entraram no caso, porque desconfiamos desde o começo que esse crime poderia ter uma expansão para mais de um Estado. E os dados estão comprovando isso.
Nesse momento, nós temos uma situação de casos confirmados concentrada em dois Estados, São Paulo e Paraná. Mas, até pelo trabalho que o Ministério da Saúde fez, de chamar atenção dos profissionais da saúde, dos serviços locais de vigilância, temos outros três Estados que haviam notificado casos suspeitos, embora eles não foram confirmados. Reforçamos com os profissionais da saúde que, a qualquer mínimo sinal, isso fosse sinalizado para que o tratamento adequado pudesse acontecer.
A resposta rápida do SUS permitiu identificar o surgimento dos casos de intoxicação. E a ação rápida do Ministério da Saúde, seguindo a ciência, ouvindo os especialistas, garantiu o abastecimento de antídotos, a informação correta, para os profissionais de saúde cuidarem desse problema.
Estou aqui na Inglaterra, mas monitorando e garantindo a chegada do antídoto, que a gente não tinha em comercialização no mundo inteiro. Em uma semana, fomos atrás, em parceria com a Opas, dos poucos produtores internacionais que têm esse antídoto, que é o fomepizol. Ele já chegou ao Brasil e está sendo distribuído para o centro de referência. Ele se soma ao outro antídoto que já tínhamos garantido o abastecimento, que é o etanol farmacêutico.
Isso também vai chamar a atenção para uma situação no Brasil. Cabe inclusive uma mobilização por parte da indústria produtora dessas bebidas alcoólicas sobre orientar os comerciantes de como eles podem desconfiar que aquela bebida que ele comprou foi adulterada de alguma forma. Isso vai reforçar, inclusive, esse papel ativo da própria indústria, de fazer campanhas e esclarecimentos sobre isso, dos comerciantes saberem identificar e também dos mecanismos de vigilância.

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BBC News Brasil – Mas o Brasil não deveria ter esse antídoto à disposição?
Padilha – O mundo inteiro não tem. Primeiro, o Brasil tem um antídoto à disposição, que é o etanol farmacêutico, que também é efetivo. Adquirimos uma quantidade, fomos atrás de produtores internacionais, que nem produziam, mas passaram a produzir ou tinham um estoque em algum lugar, para termos uma segunda opção. Garantimos duas opções com esse antídoto.
No Brasil, o guia de vigilância saúde que já existia, que tem toda a orientação, o protocolo, coloca que a primeira opção é o etanol farmacêutico. E tivemos que comprar mais, para colocar à disposição dos centros de referência, porque de fato nós estamos numa situação que é anormal.
Só para você ter ideia, ao longo de todo o histórico, nós temos cerca de 20 casos de intoxicação por metanol por ano em todo o Brasil. E são casos ou de populações extremamente vulneráveis, que muitas vezes tentam utilizar esse produto ao se confundir, em locais de venda de combustível, ou de pessoas que fazem uma autoagressão, até uma tentativa de suicídio.
O que vimos é que em dois meses, num Estado específico, em São Paulo, tivemos uma concentração de casos no mesmo volume que acontece o ano todo em todos os Estados do Brasil.
Essa situação anormal exigiu uma resposta rápida por parte do Ministério da Saúde que, ao perceber a situação, garantiu o antídoto, o etanol farmacêutico, em toda a rede de centros especializados, orientou o cuidado dos pacientes, e também adquiriu esse outro antídoto, para ser uma alternativa para alguns pacientes, para que o manejo possa ser o melhor para o cuidado com a vida, que é o mais importante nesse momento.
BBC News Brasil – E o que o governo está fazendo para que crises parecidas com essa não aconteçam daqui para a frente? Quando as pessoas vão poder voltar aos bares e restaurantes com mais tranquilidade?
Padilha – Acredito que, pelo trabalho das forças de segurança, saberemos exatamente o que aconteceu, quem foram os responsáveis e puní-los, além de ter uma noção mais clara da extensão dessa realidade.
Essa situação vai chamar a atenção para as forças de segurança dos Estados, que têm a responsabilidade de coibir esse crime. Não só nesse caso, que foi uma adulteração que envolveu metanol, mas você tem também outras falsificações e adulterações de bebidas que precisam ser combatidas e coibidas.
Os profissionais de saúde e as equipes de vigilância também chamam a atenção para esse tema. A vigilância em saúde faz seu papel de visita aos estabelecimentos comerciais. O problema não foi no funcionamento dos estabelecimentos, mas das bebidas que foram adulteradas.
Isso vai também aumentar a sensibilidade dos profissionais de saúde, para aprender melhor como seguir a recomendação de tratamento, de acordo com o Ministério da Saúde, por especialistas.
Vamos garantir o estoque estratégico dos dois antídotos, para que a gente esteja ainda mais preparado para enfrentar situações como esta.
BBC News Brasil – Nos últimos tempos, vários políticos brasileiros sofreram sanções e perderam visto americano ou tiveram o visto restrito, como foi o caso do senhor e de sua família. Qual o impacto que isso teve na sua vida?
Padilha – Se os Estados Unidos não querem que eu vá lá, eles podem até restringir a minha circulação dentro dos Estados Unidos, mas não conseguem restringir as ideias e o papel que o Brasil e o ministro da Saúde do Brasil têm. Eles impediram que eu pudesse estar presente na Assembleia Geral da Opas. O que foi feito? Os países-membros da Opas solicitaram e abriram a participação do Brasil à distância, por vídeo. O que fez, inclusive, que nossa fala tivesse ainda mais repercussão do que se ela acontecesse ali no momento presencial.
Eles impediram que eu pudesse fazer várias reuniões bilaterais com outros países durante a Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, o que exigia que eu pudesse circular de uma embaixada para outra. Mas vamos fazer essas reuniões em outros lugares.
Estou fazendo agora uma missão para Reino Unido, China e Índia. Em novembro, temos a reunião do G20 na área da Saúde na África do Sul. Entre as várias reuniões bilaterais que aconteceriam em Nova York, agora os ministros desses países estão pedindo encontros lá no G20.
Estou fazendo essa visita a três grandes potências de produção de medicamentos. Então, o Brasil está aproveitando essa situação para ampliar as parcerias estratégicas de produção, aquisição de produtos, desenvolvimento de tecnologias, acesso a medicamentos, vacinas e tecnologias para nossa população.
Com isso, vamos reduzir cada vez mais a dependência em relação a qualquer país. Os Estados Unidos já não são o maior país do qual a gente importa produtos de saúde, isso cada vez mais se diversifica.
Hoje em dia, a indústria de saúde da qual mais importamos é a da Alemanha. Claro que tem um papel importante dos Estados Unidos, muitas empresas com sede por lá fornecem medicamentos de alto custo. Mas estamos fazendo parcerias dessas empresas com matriz nos Estados Unidos com instituições brasileiras, com empresas brasileiras, para que o acesso, a transferência de tecnologia aconteça no Brasil, gerando emprego e renda.
O Brasil lidera nesse momento três plataformas de cooperação internacional. Estamos na presidência do G20, na coalizão do G20 para a área de saúde. Tratei desse tema aqui no Reino Unido, com o governo, com as empresas produtoras de medicamento e tecnologia.
O Brasil preside a área de parcerias estratégicas dos Brics. Vamos tratar disso tanto na China, quanto na Índia e na África do Sul.
E o Brasil preside o Mercosul, com um acordo com a União Europeia na área de saúde em negociação. Então, teremos na última semana de novembro no Brasil um grande encontro para avançar nesse acordo, acelerar as parcerias com a União Europeia para a produção de medicamentos.
Então, vemos tudo isso como oportunidades para expandir nossa liderança, nosso compartilhamento e a cooperação com o mundo.

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BBC News Brasil – E qual foi a sua reação ao receber a notícia de que teria o visto restrito ou negado pelos Estados Unidos? Como o senhor vê o uso dessas ferramentas, seja restringir vistos ou a própria lei Magnistiky, contra autoridades brasileiras?
Padilha – Fiquei indignado. Primeiro porque tem um ataque à minha família. Tenho uma filha de 10 anos de idade. Quero saber qual é o risco que minha filha gera para o governo dos Estados Unidos.
Segundo, para mim, foi uma sensação estranha, porque meu pai foi exilado durante a ditadura do Brasil. Depois de ter sido torturado, ele saiu do Brasil e foi levado para os Estados Unidos por lideranças da Igreja Metodista, da qual ele participava, para fugir, para não correr risco de perder a vida. É muito estranho você pensar que um país que acolheu uma vítima da ditadura hoje tenha tantas restrições à liberdade.
Tenho dois irmãos que nasceram nos Estados Unidos. Um deles vive no Brasil, outro vive nos Estados Unidos. Então, a primeira reação da minha filha foi: “Poxa, não vou conseguir visitar minha prima”.
Falei para ela: “Minha filha, eu fiquei oito anos sem poder ver o teu avô, que estava no exílio. Estava aqui no Brasil, ele não podia vir para cá, eu não podia ir para os EUA vê-lo”. A prima pode vir para o Brasil, ou se encontrar no resto do mundo.
Então, é uma sensação de indignação, mas também de superação, de dizer que somos maiores, que o mundo é maior do que apenas uma administração do governo dos Estados Unidos.
BBC News Brasil – Vimos, durante as últimas semanas, inclusive na Assembleia Geral da ONU, alguns sinais de reaproximação. Existe alguma expectativa, da parte do senhor, de que essas sanções sejam revertidas?
Padilha – Nosso maior foco nesse momento é que os Estados Unidos tirem essas tarifas abusivas. A maior preocupação está relacionada com isso. De certa forma, o próprio governo americano está compreendendo que aquilo tudo foi construído com base em uma mentira sobre a postura do Judiciário brasileiro, sobre a possibilidade de intervenção do presidente Lula em um outro poder.
Temos também a postura firme do Brasil de não admitir qualquer ataque. O tempo todo foi reforçada pelo presidente Lula a postura de querer negociar. Não houve qualquer tipo de represália, só tentativas de negociações. Essa combinação de defesa da soberania e negociação abre essas portas.
E também, de certa forma, o impacto negativo de tudo isso para a economia dos Estados Unidos, ao estabelecer barreiras. Se tem um país que pode ganhar, reduzir a inflação, gerar empregos e renda, são os EUA. Pelo tamanho do mercado, eles têm muito a ganhar com o livre comércio.
As barreiras fazem com que, para quem exporta do Brasil, deixe de procurar os Estados Unidos e privilegie outros países. Muitas vezes, o produto que é exportado, como o café, pode ir para outros mercados, como a Europa.
BBC News Brasil – A justificativa usada pelo governo americano para cancelar ou restringir os vistos do senhor e de sua família foi a sua relação com a criação do Programa Mais Médicos, ainda durante o governo Dilma Rousseff. Como o senhor vê essa justificativa e que avaliação o senhor faz do Mais Médicos, mais de dez anos depois da sua implementação?
Padilha – Essa justificativa não faz nenhum sentido. Até porque foram feitas muitas parcerias similares, para trazer médicos cubanos, em dezenas de países do mundo, de várias matizes ideológicas. Inclusive países que são dirigidos por políticos de extrema direita, alinhados à administração Trump. E nenhum deles sofreu esse tipo de sanção. Então, foi um ataque específico a uma política do Brasil, uma tentativa de influenciar a política brasileira.
Assim como aconteceram outros ataques dos Estados Unidos em relação à saúde, como a saída da Organização Mundial da Saúde, o ataque a Opas, uma redução do programa de vacinação nos EUA, que faz com que hoje a gente tenha um surto de sarampo na América do Norte, que se espalha pelo continente americano.
Só não chegou ao Brasil com força porque felizmente recuperamos nosso programa de vacinação. Tivemos 25 casos importados, que foram bloqueados pela nossa ação do SUS, pela parceria entre União, Estados e municípios.
Sou ministro da Saúde, mas também deputado federal licenciado. Fico imaginando o quanto que eles tentaram usar esse ataque a mim para tentar influenciar votações de outros deputados, de outros parlamentares. Eles quiseram dizer: podemos sancionar outros membros do Congresso. Essa foi a chantagem desde o começo.
Vou continuar defendendo o Mais Médicos, porque ele foi muito importante para a população brasileira desde o começo. Hoje, felizmente, a gente não precisa mais trazer médicos de outros países. Porque, quando lançamos o Mais Médicos em 2013, além de trazer profissionais de outros países, abrimos oportunidades para que jovens brasileiros pudessem se formar.
A gente conseguiu dobrar o número de participantes do Mais Médicos agora, duas vezes mais do que tínhamos no começo do governo do presidente Lula, sem precisar atrair profissionais de outros países, quase integralmente constituído por jovens brasileiros, formados no Brasil.

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BBC News Brasil – O senhor citou o Mais Médicos e a abertura de novas faculdades de Medicina. Esses dois pontos sempre foram alvos de críticas de instituições que representam os médicos, como o Conselho Federal de Medicina (CFM). Desde aquela época, esses órgãos adotaram uma postura crítica aos governos do PT, enquanto se aproximaram bastante do governo Bolsonaro. O senhor diria que a Medicina brasileira é mais vinculada à direita ou chega a ser bolsonarista?
Padilha – De forma alguma. Temos milhares, centenas de milhares de médicos no Brasil que, durante a pandemia, majoritariamente, tiveram posturas de defesa da vida, da vacina, que cuidaram das pessoas com muito compromisso. À época, eu era deputado federal de oposição e fiz parte da Comissão de Fiscalização das Ações contra a covid-19. Mas eu continuava a ser professor universitário. Toda semana estava junto com meus alunos nos atendimentos, na linha de frente, em várias situações da pandemia, junto de outros colegas médicos, que foram heróis no enfrentamento daquela situação.
Não acho que aquilo que algumas lideranças falam, ou o alinhamento político de algumas lideranças, represente a opinião de todos os médicos e médicas do Brasil.
Temos um diálogo muito positivo com as associações médicas brasileiras, inclusive no enfrentamento a essa multiplicação de cursos de Medicina. Inclusive, muitos deles abriram pelo caminho da judicialização, durante os governos Temer e Bolsonaro. Quando eles retiraram o regramento sobre a abertura de novos cursos, houve um vácuo normativo que fez com que várias faculdades buscassem a Justiça para ampliar o número de vagas e concentrar ainda mais a formação.
Por isso, nosso governo está tomando medidas para criar um exame nacional de avaliação dos estudantes de Medicina, que vai passar a acontecer durante o quarto e o sexto ano do curso. Ou seja, na metade e no final do curso. Acabamos também de aprovar novas diretrizes clínicas para a formação dos médicos no Brasil, porque a qualidade da formação é uma grande preocupação nossa.
BBC News Brasil – Alguns indicadores têm mostrado que, no ano passado, o tempo de espera na fila do SUS bateu recordes. O que explica isso?
Padilha – Primeiro, com esse programa que lançamos, o Agora Tem Especialistas, vamos conseguir ter o dado real sobre isso. Porque os dados que temos, que foram mostrados até hoje, não são dados nacionais consolidados. São apenas informações de algumas gestões, de Estados e municípios que informam ou não.
Agora, é obrigatório que Estados e municípios subam essa informação para o Ministério da Saúde. Então, vamos passar a ter um dado real sobre o tempo de espera para as cirurgias e exames a partir da virada desse ano.
As informações de Estados, de municípios, de estudos específicos, que temos hoje mostram que esse tempo de espera para cirurgias, consultas e exames é um grande problema de saúde pública. Por isso, inclusive, lançamos o Agora Tem Especialistas.
Nossas pesquisas de opinião apontam que a principal reclamação da população hoje é sobre o tempo que ela espera para uma consulta especializada, para um exame especializado, para uma cirurgia.
Isso tem a ver com um problema que é histórico, mas que se agravou muito durante a pandemia de covid-19, que durou no Brasil muito mais tempo do que precisava durar, por conta da irresponsabilidade criminosa do governo anterior. Teve um período muito mais longo em que os hospitais, os centros de diagnóstico, as consultas especializadas, tudo ficou represado, porque tudo estava ocupado por pacientes com covid-19.
Todo mundo conhece alguém que teve uma cirurgia cancelada durante a pandemia, um exame de tomografia, de ressonância, uma avaliação que precisou ser cancelada. Tudo isso virou um represamento que, mesmo com o SUS batendo o recorde de cirurgias eletivas em 2024, foram mais de 14 milhões de procedimentos do tipo, não foi suficiente para garantir um tempo adequado para a população que espera. Esse é, sem dúvida alguma, nosso principal desafio.
BBC News Brasil – Mas o que o senhor tem a dizer para a pessoa que tem um familiar na fila, que precisa de uma resolução urgente para o problema dela? Como resolver esse problema na prática?
Padilha – Que o Ministério da Saúde está fazendo a maior mobilização da saúde pública e privada para resolver esse problema. O Agora Tem Especialistas mobiliza tudo o que a gente tem na saúde pública. Colocando, inclusive, um terceiro turno de atendimento, trabalhos aos sábados e domingos, para fazer as cirurgias eletivas, fazer exames especializados, não apenas para os serviços de urgência.
A medida provisória [que criou o programa] permitiu, por exemplo, que o Governo Federal pudesse contratar médicos e especialistas e distribuir para os municípios e Estados, para dar apoio a esses serviços. Isso permite que a gente coloque unidades móveis em funcionamento. Agora em outubro, começam a operar as unidades móveis para exames especializados na saúde da mulher. São carretas que circulam nas áreas remotas.
Também vamos fazer uma nova parceria público-privada, para permitir que hospitais privados e planos de saúde que têm dívidas com a União troquem essas dívidas por mais cirurgias, mais exames, mais consultas. Isso permite que esses hospitais privados de um plano de saúde possa chamar um paciente que está esperando na fila do SUS do município ou do Estado para ser atendido lá.

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BBC News Brasil – O senhor tem alguma expectativa de quando essa fila deve começar a cair e a situação se normalizar?
Padilha – Ela já está caindo em várias situações. Temos municípios que mostram uma redução de 50% a 80% no tempo de espera. Alguns dos hospitais federais já tiveram uma redução de 85% no tempo de espera.
Mas essa é uma batalha permanente. O Agora Tem Especialistas, inclusive, estabelece a ideia de implementar no ano que vem uma situação de urgência em saúde pública para ter mais velocidade. Vamos trabalhar permanentemente para esse tempo de espera reduzir.
BBC News Brasil – Em 2025, completamos cinco anos do início da pandemia de covid-19. O senhor acredita que o Brasil hoje está mais preparado para lidar com uma pandemia do que esteve em 2020?
Padilha – Tenho certeza absoluta, até por conta da experiência que tivemos. Mas temos muitas feridas que ainda não se cicatrizaram. Por exemplo, a ferida do negacionismo. É uma luta permanente.
Quando o presidente Lula me convidou para ser ministro de novo, disse a ele que tinha uma missão, que era implementar o Agora Tem Especialistas e reduzir o tempo de espera de quem aguarda atendimento. E uma batalha, que é derrotar o negacionismo na saúde.
Então, a ferida do negacionismo está muito presente ainda. Estamos superando, voltamos a ampliar a cobertura vacinal. Esse ano já ampliamos a cobertura das vacinas infantis.
BBC News Brasil – Na sua visão, qual foi o impacto do governo Bolsonaro, que lidou com a pandemia de covid-19, na saúde brasileira e em questões como a vacinação?
Padilha – Foi destruidor. O ex-governo Bolsonaro tinha uma ideologia da morte, que desprezava a vida. A pandemia trouxe algo muito importante, que foi o reconhecimento da população brasileira sobre a importância do SUS e um certo orgulho do SUS. As pessoas falam e defendem o SUS hoje de uma forma que não defendiam antes da pandemia.
Mas também trouxe um outro compromisso que a gente precisa fazer para se preparar para as próximas pandemias, que é criar no Brasil um novo marco legal e uma nova estrutura institucional que ultrapasse governos, que seja resiliente a aventuras da morte como foi, por exemplo, o governo Bolsonaro.
Nesse momento, o Ministério da Saúde está concluindo essa proposta. Nossa expectativa é poder enviar o mais rápido possível para o Congresso, para que a gente tenha uma lei que cria essa estrutura de preparação para pandemias, de planejamento, de definição de normas técnicas, de agir sobre situações de emergências de saúde pública geradas, inclusive, pelas mudanças climáticas.
BBC News Brasil – Em relação aos medicamentos, vivemos hoje um cenário em que os remédios ficam cada vez mais caros — alguns deles chegam a custar R$ 10 milhões a dose. Como lidar com isso?
Padilha – Esse é um desafio comum e muito importante. Temos situações de uma medicação que uma dose custa R$ 17 milhões, sem ter eficácia comprovada. E muitas vezes, por judicialização, o SUS é obrigado a bancar esse produto.
Quando tem eficácia, não tem problema nenhum em fazer essa incorporação. Vou citar um exemplo: incorporamos no SUS um medicamento que custava entre R$ 11 e 12 milhões a dose. Garantimos esse tratamento ao grupo que poderia se beneficiar, ao criar um novo mecanismo de compra, que é chamado de compartilhamento de risco, em que o Ministério da Saúde garante a medicação, compra da indústria farmacêutica, mas paga ao longo dos anos de acordo com a evolução daquele paciente.
Então, você vai enfrentar através de novos mecanismos de compra, com parcerias, como essa que estamos fazendo com o sistema nacional público inglês. Porque eles também enfrentam esse problema de negociação de preço e têm mecanismos de compra que trazem ganhos para os serviços de saúde. Queremos essas parcerias no Brasil também, para produzir cada vez mais no nosso país, estimular a concorrência na produção desses medicamentos. E sempre seguindo, de forma absoluta e correta, as evidências científicas, a comprovação de eficácia para garantir à população o medicamento de forma acessível.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL