
Crédito, Divulgação/Refit
- Author, Thais CarrançaThais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Grupo empresarial que há anos figura no topo de listas de maiores sonegadores de impostos do país, a Refit, dona da Refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro, foi alvo nesta quinta-feira (27/11) de uma operação conjunta da Receita Federal e de órgãos do governo do Estado de São Paulo.
Segundo a Receita Federal, o grupo Refit é o maior “devedor contumaz” do País, com dívidas que superam R$ 26 bilhões junto aos Estados e à União.
Devedor contumaz é como são chamados contribuintes que deixam de pagar tributos de forma sistemática e intencional, utilizando a inadimplência como estratégia para obter vantagem competitiva sobre seus concorrentes.
A Operação Poço de Lobato tem mais de 190 alvos e inclui o cumprimento de 126 mandados de busca e apreensão contra pessoas físicas e jurídicas em cinco Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e Bahia.
O nome da operação faz referência ao primeiro poço de petróleo perfurado no Brasil, em 1939, no bairro Lobato, em Salvador (BA), marco inicial da exploração petrolífera no país — uma alusão ao setor de atuação da empresa investigada.
Segundo o Fisco, o grupo investigado manteria relações financeiras com empresas e pessoas ligadas à Operação Carbono Oculto, realizada em agosto de 2025, e que investigou o uso de postos de combustíveis e fundos de investimento para lavar dinheiro do crime organizado – e ganhou notoriedade, também, por ter chegado ao coração financeiro de São Paulo, a avenida Brigadeiro Faria Lima.
Já o Governo de São Paulo afirmou que “a megaoperação Poço de Lobato não é uma continuação da Carbono Oculto e não foi identificado qualquer indício que haja participação de facção criminosa dentro do esquema investigado”.
“Eram dois grupos empresariais diferentes e concorrentes. Atuam no mesmo mercado de combustíveis e chegaram a realizar alguns negócios em comum, mas pontuais. Para nós, não se trata de um mesmo grupo”, disse o promotor do Ministério Público de São Paulo, Alexandre Castilho.
A BBC News Brasil tentou contato com a Refit para obter um posicionamento oficial sobre a operação, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil
Segundo o governo de São Paulo, as dívidas da Refit com os cofres públicos paulistas somam R$ 9,6 bilhões.
“São R$ 9,6 bilhões que deixaram de entrar nos cofres do Estado”, disse o governador Tarcísio de Freitas durante coletiva de imprensa nesta quinta-feira, em que classificou a operação conjunta como “histórica”
“Para se ter uma ideia do que isso significa, aumentamos o custeio da saúde em R$ 10 bilhões por ano e isso fez com que duplicássemos a quantidade de cirurgias eletivas no Estado de São Paulo. Essas pessoas fraudam R$ 350 milhões por mês. É como se tirássemos um hospital de médio porte do cidadão por mês. Ou como se impedíssemos a construção de 20 escolas”, comparou.
Entenda em 3 pontos o caso Refit, segundo as informações da Receita Federal e do governo paulista.
1. Fraude fiscal e na produção de combustível
Segundo a Receita, o grupo Refit está envolvido tanto em fraudes fiscais, para evitar o pagamento de impostos, como em irregularidades no processo de produção e venda de combustíveis.
Conforme o órgão, importadoras compravam do exterior nafta (matéria-prima proveniente do petróleo usada na produção de gasolina), hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas ao grupo.
As formuladoras são empresas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para a produção de gasolina e de óleo diesel por meio da mistura de produtos. Já as distribuidoras são responsáveis por fornecer o combustível aos postos de gasolina.
Apenas entre 2020 e 2025, foram importados mais de R$ 32 bilhões em combustíveis pelos investigados, de acordo com a Receita.
Formuladoras, distribuidoras e postos de combustíveis vinculados ao grupo sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda, prejudicando a arrecadação dos Estados e a concorrência do setor.

Crédito, Divulgação/Governo de São Paulo
A Refit também foi alvo em setembro da Operação Cadeia de Carbono, quando foram retidos quatro navios contendo cerca de 180 milhões de litros de combustível.
Ainda em setembro, a ANP determinou a interdição da Refinaria de Manguinhos, após constatar diversas irregularidades, entre elas a suspeita de importação com falsa declaração do conteúdo, ausência de evidências do processo de refino e indícios de uso de aditivos químicos não autorizados pela regulamentação.
Ao fim de outubro, no entanto, a agência desinterditou parcialmente as instalações da refinaria, após a empresa comprovar que atendeu a 10 dos 11 condicionantes apontados na fiscalização.
2. Ocultação de patrimônio e uso de fundos e offshores
Ainda de acordo com a Receita Federal, o grupo movimentou mais de R$ 70 bilhões em apenas um ano, utilizando empresas próprias, fundos de investimento e offshores (empresas e contas bancárias abertas em territórios onde há menor tributação) — incluindo uma exportadora fora do Brasil — para ocultar e blindar lucros.
O esquema envolvia uma empresa financeira “mãe” controlando diversas “filhas”, criando operações complexas que dificultavam a identificação dos verdadeiros beneficiários.
O dinheiro ilícito era reinvestido em negócios, propriedades e outros ativos por meio de fundos de investimento, dando aparência de legalidade e dificultando o rastreamento.
A Receita Federal afirma que já identificou 17 fundos ligados ao grupo, que somam patrimônio líquido de R$ 8 bilhões. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo, criando camadas de ocultação, diz o Fisco.
Uma das principais operações internacionais identificadas envolveu a aquisição de uma exportadora em Houston, no Texas (EUA), da qual foram importados combustíveis no valor de mais de R$ 12,5 bilhões entre 2020 e 2025.
“Já foram identificadas mais de 15 offshores nos EUA, que remetem recursos para aquisição de participações e imóveis no Brasil, totalizando cerca de R$ 1 bilhão”, informou a Receita.

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil
3. Lei parada no Congresso
Um projeto de lei que cria a figura do devedor contumaz e impediria esquemas bilionários de sonegação de imposto como o investigado na Refit está parado na Câmara dos Deputados desde 30 de outubro, quando a Casa aprovou a urgência na tramitação.
O texto, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já foi aprovado no Senado.
No projeto, o devedor contumaz é definido, em âmbito federal, como o contribuinte com dívida injustificada, superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio conhecido.
Em âmbito estadual e municipal, o texto considera como devedor contumaz quem tem dívidas com os fiscos de forma reiterada e injustificada.
Nesta quinta-feira, Tarcísio de Freitas reiterou a importância da aprovação do projeto de lei pelo Congresso.
“Quando você tem operações como esta, e que escancaram esse tipo de esquema, aqueles projetos que muitas vezes encontram barreiras no Congresso ganham força”, disse o governador.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


