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28 de outubro de 2025

Fumaça verde: índice mostra greenwashing das indústrias de tabaco

Fumaça verde: índice mostra greenwashing das indústrias de tabaco

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Com os efeitos nocivos do cigarro amplamente comprovados nas últimas décadas, a reputação da indústria do tabaco ficou em xeque.

As evidências científicas deixaram claro que esses produtos são responsáveis pela principal causa de mortes evitáveis, pelo aumento de doenças crônicas, destruição ambiental e, como consequência, sobrecarga e enormes gastos ao sistema de saúde.

Paralelamente, gigantes como Philip Morris International (PMI), Japan Tobacco International (JTI) e British American Tobacco (BAT) – a antiga Souza Cruz, no Brasil – tentam convencer a opinião pública de que estariam comprometidas com o “futuro sustentável”, associando o negócio a causas ambientais e sociais, muitas vezes em parceria com órgãos públicos.

Entre 2014 e 2019, a PMI financiou mais de US$ 12 milhões em projetos ambientais em todo o mundo.

As fumageiras financiam iniciativas de alcance nacional e em municípios do sul do país, onde concentram sua produção. A Philip Morris Brasil promove anualmente o mutirão de recolhimento de bitucas em várias cidades, ação que ganha divulgação nas redes e na imprensa.

Iniciativas regionais foram recentemente exaltadas pelo próprio CEO da empresa, como o programa Protetor das Águas, que conta com apoio da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. O programa Solo Protegido, desenvolvido em parceria com a Embrapa, também envolve o setor.

Esses projetos evidenciam que os vínculos com órgãos do Estado ajudam a reforçar a narrativa socioambiental das fumageiras. Outro parceiro estratégico é a mídia.

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Não é à toa que a Philip Morris Brasil escolheu patrocinar o projeto COP30 Amazônia, parceria de três grandes veículos de comunicação. Assim, ela garante espaço para divulgar suas ações, reafirma publicamente que seria uma empresa comprometida com a recuperação de florestas — e vende mais.

O custo social e ambiental do tabaco

Vale destacar que, para cada um real que a indústria do tabaco lucra, o Brasil desembolsa cinco em despesas relacionadas a doenças provocadas pelo fumo.

A estimativa é do estudo A Conta que a Indústria do Tabaco Não Conta, do Instituto Nacional de Câncer (Inca).

O tabagismo ainda causa 174 mil mortes anuais no Brasil, representando um custo para os cofres públicos de R$ 153,5 bilhões por ano.

+Leia também: Nicotina: o poderoso artifício por trás do vício em tabaco

Greenwashing e o uso de ações sociais como propaganda

O Brasil proíbe propagandas e patrocínios das marcas; no entanto, as atividades de responsabilidade social corporativa ainda ocorrem. A Convenção-Quadro do Controle do Tabaco (CQCT) da OMS, primeiro tratado internacional de saúde pública, reconhece essas ações como marketing e recomenda que os governos não permitam a divulgação pública delas, como acontece na França.

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Embora as ações ambientais pareçam positivas, elas funcionam como forma de propaganda e de greenwashing, pois não solucionam o problema e ocultam os impactos reais da cadeia produtiva do tabaco, que desde o plantio contribui com prejuízos ambientais.

A cada 300 cigarros, uma árvore é derrubada; a fumicultura é responsável por 5% do desmatamento mundial e 4,5 trilhões de bitucas são descartadas, contendo plástico e poluindo solos e oceanos. Por trás dessa guinada verde, há também um esforço para frear políticas de controle do tabaco, adiar regulações mais rígidas e preservar o espaço político do setor.

Relatório global revela interferência política da indústria

Práticas como essas estão documentadas no Índice Global de Interferência da Indústria do Tabaco de 2025, pesquisa global conduzida em mais de 100 países pelo Global Center for Good Governance in Tobacco Control (GGTC).

A versão brasileira do relatório, lançada em 27 de outubro, foi produzida pela ACT Promoção da Saúde e pelo Observatório sobre as Estratégias da Indústria do Tabaco da Fiocruz. O documento traz dados de incidências da indústria do tabaco e de aliados ocorridas entre abril de 2023 e março de 2025.

Desde a primeira edição do índice, em 2019, o Brasil passou de 34 para 65 pontos, mantendo um nível elevado de interferência da indústria em diferentes formas.

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Os indicadores mais críticos estão relacionados à formulação de políticas públicas, benefícios concedidos ao setor e transparência, este último com piora em relação ao ciclo anterior.

O relatório brasileiro aponta a atuação nos bastidores dos três Poderes. No Executivo, as empresas e representantes do setor reuniram-se ao menos 27 vezes com membros do governo federal.

No Legislativo, parlamentares aliados têm sido porta-vozes de demandas da cadeia produtiva de tabaco, atuando contra a proibição dos dispositivos eletrônicos para fumar e em defesa de tratamento tributário mais brando na reforma tributária.

No Judiciário, há mais de uma década o setor impede a implementação da proibição dos aditivos de aromas e sabores de cigarros no Supremo Tribunal Federal (STF), recorrendo à judicialização.

Brasil tem boas práticas, mas ainda enfrenta lacunas

Em contrapartida, o índice regional mostra que o Brasil está entre os países que apresentam boas práticas para enfrentar a interferência da indústria do tabaco, com mecanismos de interação e leis específicas, embora ainda apresentem lacunas normativas.

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Essa combinação de diferentes incidências indicadas no relatório é uma reação das empresas aos avanços no controle do tabaco no país, mas afronta o artigo 5.3 da CQCT, que determina que os países membros do tratado protejam suas políticas dos interesses comerciais das indústrias do tabaco e seus aliados.

Ainda é necessário que o governo implemente plenamente o artigo 5.3, fortalecendo mecanismos de transparência, e adote medidas fiscais e econômicas para reduzir o consumo de produtos fumígenos. Assim, o país poderá conter a perpetuação das desigualdades sociais e dos danos ambientais e sanitários provocados pela indústria do tabaco.

Mariana Pinho, coordenadora do projeto de Controle do Tabaco da ACT Promoção da Saúde

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Fonte.:Saúde Abril

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