6:19 AM
18 de setembro de 2025

Fúria por anabolizantes: como o uso dessas substâncias estimula a violência

Fúria por anabolizantes: como o uso dessas substâncias estimula a violência

PUBLICIDADE



Montenegro (RS), janeiro de 2024. O fisiculturista Alexsandro Gunsch, de 48 anos, assassinou a ex-companheira Débora Michels Rodrigues por asfixia mecânica.

O homem deixou o corpo da mulher morta na frente da casa dos pais dela. Ele foi condenado a 28 anos e 8 meses de prisão, pelo crime de homicídio qualificado por feminicídio (em contexto de violência doméstica), com motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

Aparecida de Goiânia (GO), maio de 2024. O também fisiculturista Igor Porto Galvão, de 30 anos, agrediu brutalmente a namorada Marcela Luise, que teve traumatismo craniano, oito costelas quebradas e diversas escoriações pelo corpo.

Após o ato, Galvão deu banho na mulher e a levou a um hospital, alegando que ela teria sofrido um acidente doméstico. Ela morreu alguns dias depois, e ele foi condenado a 20 anos de prisão.

São Paulo, capital, julho de 2025. O fisiculturista e lutador de jiu-jitsu Pedro Camilo Garcia Castro, de 24 anos, espancou tão violentamente a namorada que chegou a quebrar a própria mão.

Era o aniversário de Samira Khouri, e ela foi encontrada pela polícia inconsciente, caída no chão com rosto desfigurado, com múltiplas fraturas no crânio e na face.

Ela foi socorrida em estado grave e precisou ser entubada. Pedro está preso e é acusado de tentativa de feminicídio.

Continua após a publicidade

Natal (RN), julho de 2025. O ex-jogador de basquete Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, deu 61 socos na namorada dentro de um elevador.

Juliana Garcia dos Santos também ficou desfigurada e encharcada de sangue após ter quatro ossos do rosto quebrados. A moça precisou de uma cirurgia de reconstituição facial. Igor foi preso preventivamente e responde por tentativa de feminicídio.

Além da clara violência contra mulher, esses exemplos recentes tem algo em comum: todos os agressores eram possivelmente usuários de anabolizantes.

E essas substâncias, a ciência mostra, estão muito ligadas a rompantes de violência. Entenda, a seguir, a ligação entre uma coisa e outra.

+Leia Também: A febre dos hormônios: cresce uso indevido de testosterona e companhia

Esteroides anabolizantes: o que são e quais os riscos

Esteroides anabolizantes e similares (EAS) são substâncias derivadas principalmente do hormônio testosterona, utilizados para estimular a o desenvolvimento e a hipertrofia de tecidos do corpo, como o muscular. Eles podem ser consumidos de forma oral ou injetável.

Continua após a publicidade

Cada vez mais se fala sobre os perigos da utilização de EAS, entre eles um risco maior de hepatite medicamentosa, tumores benignos e malignos do fígado, infarto do miocárdio, AVC e tromboses ou embolias. No geral, há um risco quase três vezes maior de morte prematura.

Mas pouco se fala dos riscos psíquicos do uso de esteroides, que envolve não apenas o usuário, que pode sofrer com dependência e abstinência, mas também as pessoas ao redor dele.

E o uso indiscriminado silencioso dessas substâncias pode ocasionar uma verdadeiro questão de saúde pública, principalmente para as mulheres.

+Leia Também: Epidemia de hormônios anabolizantes: quais os riscos?

Risco oculto: aumento de agressividade por anabolizantes

No exterior, existe até um termo específico para isso: roid range, que, ao pé da letra, significa fúria por esteroides.

Na verdade, a relação da testosterona com a agressividade não é algo novo. “A literatura científica já sabe e investiga isso desde o século XIX, quando se observou que, ao retirar testículos de camundongos, eles não tinham mais agressividade, ficavam bem calminhos”, conta a médica Maria Edna de Melo, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Continua após a publicidade

Além da agressividade, também é recorrente uma maior irritabilidade e alterações de humor em usuários dessas substâncias. “Eles tem um impacto direto na saúde mental, pois atuam no próprio sistema nervoso central, modificando a modulação de neurotransmissores”, afirma o médico psiquiatra Bruno Branquinho, sócio fundador da NuMa (Núcleo de Medicina Afetiva), em São Paulo.

“Enquanto se está sob o uso, pode haver um aumento de energia e até uma euforia que gera comportamentos de risco, agressividade, ansiedade e dependência”, explica o psiquiatra.

O que diz a ciência?

Uma grande revisão sistemática de estudos, que uniu dados de 1980 a 2019, confirma tudo isso, apontando que o consumo prolongado de esteroides resulta em alterações neuropsiquiátricas e cognitivas patológicas, assim como nas disfunções emocionais e comportamentais.

Ela também destaca que há um menor controle dos impulsos agressivos, maior ansiedade e oscilações extremas de humor, da depressão à mania. Ao tentar parar, o usuário pode enfrentar depressão com ideação suicida e disfunção sexual.

O estudo justifica que o abuso de testosterona parece estar relacionado à menor conectividade entre algumas áreas do cérebro, além dessas substâncias retirarem os efeitos positivos do exercício físico, que naturalmente têm um controle ansiolítico.

Continua após a publicidade

+Leia Também: Com prescrição proibida, anabolizantes podem causar efeitos irreversíveis

O uso de anabolizantes pode ter levado aos crimes?

“O humor instável gera aumento de impaciência e de impulsividade. Então, a pessoa pode tomar atitudes impulsivas por conta do uso. E isso pode levar o usuário a cometer atos como os citados. Há, sim, a possibilidade de ter contribuído”, afirma Branquinho.

Mas o psiquiatra pondera: “Claro, a gente não pode pôr tudo na conta dos anabolizantes. Tem a personalidade e até outros transtornos que essas pessoas podem ter. Não é todo mundo que vai usar anabolizante vai cometer esse tipo de crime. Mas pessoas em uso de anabolizantes têm mais chance de cometer um ato de violência e impulsividade”.

A endocrinologista Maria Edna de Melo ratifica com a ponderação. “Se a pessoa, naturalmente, possui uma tendência maior a agressividade e faz uso de testosterona, com certeza o uso pode ser um deflagrador para esses acontecimentos. Mas a gente não pode falar que isso aconteceu em todos os casos pois não conhecemos bem os indivíduos”, afirma a médica.

+Leia Também: É possível ganhar muita massa muscular sem anabolizantes?

Abuso de esteroides, um risco de saúde pública

A epidemia de anabolizantes cresce silenciosa no Brasil, e não há dados oficiais sobre o tema.

Segundo a Folha de São Paulo, que analisou dados da Anvisa, três dos principais EAS vendidos no mercado brasileiro (testosterona, cipionato de testosterona e undecilato de testosterona) tiveram crescimento de 45% em volume de vendas na comparação entre 2021 e 2019.

Continua após a publicidade

Já um levantamento do Valor Econômico fala em aumento de 670% na venda geral de esteroides nos últimos 5 anos, saltando de 1 milhão de produtos comercializados para 7 milhões.

“Se a gente tem um aumento estrondoso nas vendas de anabolizantes, é muito provável que teremos uma repercussão social disso, porque as pessoas vão conviver mais com quem está fazendo abuso dessas substâncias”, opina Maria Edna. “Como a  agressividade e a diminuição do autocontrole tendem a aumentar, mais episódios de agressão podem surgir”, completa.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) já proibiu a prescrição de anabolizantes para fins estéticos. Mas a médica acredita que, para que o abuso se resolva, é preciso normas rígidas de venda e de fiscalização em diversas frentes.

“Hoje há uma venda muito grande de anabolizantes nas farmácias de manipulação, inclusive na forma de implantes hormonais. Tanto a Anvisa quanto o Conselho Federal de Medicina precisam fiscalizar isso. Porque o médico pode muito, mas não pode tudo. Não é aceitável prescrições abusivas e que possam colocar a vida do paciente, dos seus familiares, amigos e até de outras pessoas em risco”, afirma.



Fonte.:Saúde Abril

Leia mais

Rolar para cima