
Crédito, Arquivo pessoal/Pol Deportes
- Author, Alejandra Martins
- Role, BBC News Mundo
O que está em jogo no futebol vai muito além do que se passa no campo. E a história de Cliver Huamán Sánchez, de 16 anos, conhecido como “Pol Deportes”, demonstra muito bem isso.
Um vídeo viral fez com que centenas de milhares de pessoas de todo o mundo passassem a seguir o adolescente peruano nas redes sociais.
Cliver viajou mais de 16 horas de ônibus com seu irmão Kenny e seu pai, Simeón.
Ele saiu da sua província natal, Andahuaylas, no sul do Peru, para realizar um sonho: narrar a final da Copa Libertadores da América, disputada em 29/11 no Estádio Monumental de Lima, a capital peruana, quando o Flamengo se sagrou campeão ao vencer o Palmeiras por 1 a 0.
O jovem não conseguiu entrar no estádio, mas não se deu por vencido. Ele subiu em um morro com vista para o Monumental e, dali, seu relato ao vivo pelo TikTok, filmado pelo seu irmão, enlouqueceu as redes sociais.
Agora, ele realiza outro sonho. O apoio de muitas pessoas e especialmente do “tio Santi” — como ele chama o apresentador de TV espanhol radicado no Peru, Santi Lesmes — levou Cliver e seu irmão para Madri, na Espanha. E, desta vez, ele não ficou fora do campo.
No lendário Estádio Santiago Bernabéu, do Real Madrid, Cliver narrou na quarta-feira (10/12) a partida do clube espanhol contra o Manchester City, pela Champions League.
O jogo terminou com a vitória dos ingleses por 2 a 1 — e a conta de Pol Deportes no TikTok atingiu a marca de dois milhões de seguidores.
Transbordando de emoção, o jovem contou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, sua história repleta de paixão, perseverança e marcada pelo amor de sua família e de toda uma comunidade.

Crédito, Arquivo pessoal/Pol Deportes
Superar o medo
“Tudo começou na minha cidade, quando eu tinha três anos de idade”, conta Cliver à BBC.
“Meu pai me levava para a rádio para poder falar, para narrar contos. E, quando eu tinha sete ou oito anos, trabalhava na chácara com meus tios, que me faziam narrar em quéchua [família de línguas indígenas dos Andes com cerca de 10 milhões de falantes atualmente].”
O menino começou a narrar jogos de futebol com 11 anos, mas se deparou com um fantasma poderoso: o medo. Isso porque algumas poucas pessoas zombaram das suas narrações.
“Então, como qualquer criança de 11 anos, me calo e fico desligado por um ano e meio. Eu meio que tive um trauma depois que riram de mim no estádio e tinha medo de que isso voltasse a acontecer.”
“Quando meu irmão me gravava, eu não queria que gravasse o meu rosto e dizia para ele: ‘filme a parede e eu vou falar’.”
Mas, pouco a pouco, o menino ganhou confiança e se animou a mostrar o rosto.
“Na primeira vez em que narrei ao vivo, estava duro como uma estátua”, ele conta.
Aos 13 anos, ele começou a narrar para um meio de comunicação local, chamado Pasión Deportiva Apurímac. Foi seu irmão Kenny quem o convenceu a criar suas próprias plataformas, com o nome Pol Deportes.
O apelido “Pol” surgiu porque, quando era menor, Cliver queria ser policial.
Seu caminho também foi marcado por dificuldades econômicas, mas houve algo que nunca lhe faltou: o apoio incondicional da sua família.

Crédito, Arquivo pessoal/Pol Deportes
Sacrifícios e incentivos
“Meu irmão influenciou tudo isso, meu irmão que sempre esteve comigo”, conta Cliver à BBC.
Seu irmão Kenny, hoje com 19 anos, foi trabalhar em Lima, para ganhar dinheiro e apoiar o sonho do irmão menor.
“Meu irmão precisou trabalhar para poder pagar a internet para fazer nossos vídeos. Ele teve que deixar de estudar.”
Chegar a narrar futebol com confiança “não foi da noite para o dia”, garante ele, mas “um processo bastante longo, de três a quatro anos”.
Kenny voltou de Lima para Andahuaylas e passou a ser o cinegrafista do seu irmão menor. Eles fizeram um vídeo de uma partida local que chegou a seis milhões de visualizações. Muitas pessoas em Andahuaylas começaram a incentivá-los.
“Eles nos apoiavam e diziam ‘Pol, você precisa continuar’; ‘Pol, você é o futuro do jornalismo peruano’.”
“E comecei a dizer que há muitas pessoas que confiam em mim. Acredito que preciso atendê-los e também ao meu irmão, meu pai e minha mãe que estava sempre comigo.”
Cliver recorda com frequência as palavras que sua mãe Lida costumava dizer em quéchua.
“Você precisa ir atrás dos seus sonhos. Precisa persegui-los. Nós estaremos aqui para apoiar você.”
“E é aqui que minha mentalidade mudou e me decidi finalmente seguir por este mundo do jornalismo e da narração.”
A façanha da Libertadores
Quando Cliver e Kenny viajaram para Lima, para transmitir a final da Copa Libertadores, a prefeitura da cidade pagou a passagem de ônibus.
Antes de ir para a capital, quando um telão gigante transmitia uma partida de futebol local na praça central da cidade, Cliver se animou a pegar o microfone e pedir apoio para seu sonho de narrar a final da Libertadores.
“Agarrei o microfone e disse: ‘Vejam, sou Pol Deportes. Vou para a final da Copa Libertadores. Não sei se poderiam me apoiar curtindo os vídeos.’ E narrei um pouquinho.”
“As pessoas se emocionaram, me abraçaram e me disseram ‘você tem que ir, tem que colocar Andahuaylas no alto’. E tudo isso eu tinha em mente, que não poderia decepcionar a todos eles.”
“Algumas poucas empresas, com seu grãozinho de areia, também confiaram em nós.”

Crédito, Gentileza Pol Deportes
Ao chegar a Lima, Cliver conseguiu gravar entrevistas com torcedores dos dois clubes brasileiros. Mas a polícia não permitiu que ele chegasse até o Estádio Monumental.
“Fiquei triste”, relembra ele. “E disse ao meu irmão que voltaríamos naquela tarde para Andahuaylas. Mas ele respondeu ‘você não vai voltar decepcionado’.”
Enquanto pensavam no que iriam fazer, eles foram ao aviário de um vizinho da província que morava em Lima, que sugeriu aos meninos que subissem o morro.
“Ele nos contou ‘uma vez, gravei no morro um vídeo levando frango e chegou a um milhão de visualizações. E acredito que podemos ir até lá’.”
“No morro, armei meu tripé, criei coragem, com meu pai de comentarista e meu irmão filmando.”
No segundo tempo, mais de 10 mil pessoas acompanhavam a transmissão ao vivo no TikTok. A gravação posterior superou rapidamente um milhão de visualizações.
Tudo isso com um microfone que ele recebeu de presente do seu tio, preso em um cubo caseiro montado pelo próprio Cliver.
“Fiz esse cubinho por necessidade porque ninguém o vendia em Andahuaylas. Fiz de papelão e esponja de lavar louça e ele me acompanha até agora.”

Crédito, Arquivo pessoal/Pol Deportes
Carinho ‘super incrível’ em Madri
Sua experiência ao chegar à Espanha foi “super incrível”, conta Cliver.
“Agradeço primeiramente a Deus, agradeço a todas as pessoas que estão me apoiando para que eu possa chegar aqui em Madri”, exclama ele.
“Foi super incrível o carinho das pessoas aqui na Espanha. Também fizemos uma transmissão ao vivo para o Peru e havia muitos compatriotas peruanos. Estou orgulhoso de ser peruano e feliz por estar aqui.”
Enquanto se preparava para a partida da Champions, Cliver ofereceu suas previsões para a Copa do Mundo.
“Acredito que, para o Mundial 2026, os favoritos são Espanha e Portugal.”
Quando voltar para o Peru, o jovem quer terminar o ensino médio e estudar comunicações.
“Existem universidades que querem me apoiar e o governo quer me dar uma bolsa de estudos”, ele conta.
Seja qual for o seu caminho e graças, em grande parte, aos valores que recebeu dos seus pais, o adolescente tem um ponto muito claro.
“Uma última pergunta”, propõe a reportagem da BBC News Mundo. “Como você acredita que irá conquistar seu sonho de se tornar jornalista?”
“Com fé, persistência, trabalho e humildade”, responde Cliver.
Cliver Huamán Sánchez foi entrevistado por Agustina Latourrette, da equipe de vídeo da BBC News Mundo.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


