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- Author, Jeremy Bowen
- Role, Editor de internacional, de Jerusalém para a BBC News
Trata-se de uma oportunidade, mas não se sabe ao certo se o Hamas e Israel irão aproveitá-la.
É uma sinistra coincidência que as discussões estejam acontecendo exatamente dois anos depois que o Hamas infligiu a Israel um trauma ainda tão profundo.
Os ataques de 7 de outubro de 2023 — que completam dois anos nesta terça-feira (7/10) — mataram cerca de 1,2 mil pessoas — em sua maioria, civis israelenses. E 251 pessoas foram feitas reféns.
Israel calcula que 20 reféns ainda estejam vivos e quer o retorno dos corpos de outros 28.
A reação militar devastadora de Israel destruiu a maior parte da Faixa de Gaza, matando mais de 66 mil palestinos, a maioria civis, incluindo mais de 18 mil crianças.
Os números são do Ministério da Saúde de Gaza, que faz parte do que restou do governo do Hamas. Suas estatísticas são geralmente consideradas confiáveis.
Mas um estudo da revista médica The Lancet, publicado em Londres, indicou que estes números seriam subestimados.

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Israelenses e palestinos querem o fim da guerra.
Os israelenses estão cansados dos combates e as pesquisas indicam que a maioria quer um acordo de devolução dos reféns que ponha fim à guerra.
Centenas de milhares de reservistas que atuam nas Forças de Defesa de Israel (FDI) querem retomar suas vidas, depois de passarem vários meses de uniforme, em serviço.
Mais de dois milhões de palestinos na Faixa de Gaza enfrentam uma catástrofe humanitária. Eles ficaram presos entre o poder de fogo das FDI e a fome — criada, em certas regiões, pelas restrições israelenses à entrada de ajuda humanitária no território.
A versão do Hamas que conseguiu atacar Israel com força devastadora dois anos atrás foi destruída há muito tempo como organização militar consistente. Ela passou a ser uma guerrilha urbana, que organiza uma insurgência contra as FDI em meio às ruínas.
O Hamas quer encontrar uma forma de sobreviver, mas concordou em ceder o poder aos tecnocratas palestinos.
O grupo aceita que precisará entregar ou desmantelar o que restou das suas armas pesadas, mas deseja manter poder de fogo suficiente para se defender dos palestinos que desejam vingança, após quase duas décadas de regime brutal e a catástrofe que os ataques do Hamas trouxeram sobre eles.
O grupo não afirma isso publicamente, mas uma organização que ainda mantém seguidores e um estatuto que busca destruir Israel também irá querer se reerguer com força suficiente para reconstruir sua capacidade e justificar seu nome. Hamas é a sigla de Movimento de Resistência Islâmica.
Israel gostaria de ditar os termos da rendição do Hamas. Mas a possibilidade de uma negociação séria abre para o grupo possibilidades que pareciam impossíveis apenas um mês atrás.
Seu principal alvo, o líder sênior Khalil al-Hayya, chefiava a delegação do Hamas nas conversações realizadas no resort de Sharm el-Sheikh, no mar Vermelho. O filho de al-Hayya estava entre os mortos, mas os líderes escaparam com vida.
Já o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, tem outro tipo de sobrevivência em mente.
Ele quer preservar seu poder, continuar postergando seu julgamento por corrupção, vencer as eleições do ano que vem e não entrar para a história como o líder responsável por erros de segurança que levaram ao dia mais mortal para os judeus desde o holocausto nazista.
Para isso, ele precisa de uma forma viável de declarar “vitória total”, uma expressão que ele vem usando repetidamente.
Netanyahu definiu essa vitória como a devolução dos reféns, a destruição do Hamas e a desmilitarização da Faixa de Gaza. E, se ele não conseguir, relembrar os danos muito reais infligidos por Israel aos seus inimigos no Líbano e no Irã nos últimos dois anos não será suficiente.
O Hamas e os negociadores israelenses não irão se encontrar pessoalmente. Autoridades do Egito e do Catar servirão de intermediários, com a presença dos EUA.
Esta influência americana será importante e, talvez, decisiva.

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A base dos diálogos é o plano de paz de 20 pontos para Gaza, apresentado por Donald Trump.
O que o presidente americano não irá conseguir, apesar das suas insistentes postagens nas redes sociais sobre a paz permanente, é pôr fim ao longo conflito entre israelenses e palestinos pelo controle das terras entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo.
Os desafios em Sharm el-Sheikh são grandes. Existe a possibilidade de se chegar a um cessar-fogo que poderá pôr fim à guerra mais sangrenta e destrutiva ocorrida em mais de um século de conflitos entre árabes e judeus.
O primeiro desafio é definir as condições de libertação dos reféns israelenses, em troca de palestinos que cumprem prisão perpétua nas prisões de Israel e cidadãos da Faixa de Gaza que foram detidos sem julgamento desde o início da guerra. E esta tarefa não será fácil.
Trump quer ver resultados, e rápido. Ele deseja reviver sua ambição de negociar um grande acordo no Oriente Médio, no que seria uma reaproximação entre Israel e a Arábia Saudita.
Mas isso não poderá acontecer enquanto Israel continuar matando inúmeros civis palestinos em Gaza, impondo restrições à ajuda humanitária que causam grande sofrimento, e o Hamas continuar retendo reféns israelenses.
Os sauditas também deixaram muito claro, em uma série de declarações públicas, que isso também não pode acontecer sem um caminho claro e irreversível para um Estado palestino independente.
Trump forçou Netanyahu a assinar um documento que inclui uma referência reconhecidamente vaga e indeterminada à possibilidade da independência palestina. E, em declaração posterior, o primeiro-ministro israelense preferiu ignorar este ponto, repetindo sua promessa de que os palestinos nunca terão um Estado independente.
Grande parte do documento de Trump inclui o que Israel deseja em termos de pôr fim ao poder do Hamas e em relação ao futuro governo de Gaza.
Netanyahu se acostumou a conseguir as coisas do seu jeito na Casa Branca. Mas Trump o forçou a ler um pedido de desculpas formal ao primeiro-ministro do Catar pelo ataque aéreo que não conseguiu eliminar a liderança do Hamas.
Trump precisa do Catar ao seu lado para levar adiante suas ambições de remodelar o Oriente Médio.
Diplomacia para definir os detalhes
Uma questão é por que o Hamas estaria disposto a entregar os reféns sem um cronograma definido para que Israel deixe a Faixa de Gaza e termine a guerra.
Uma possibilidade é que o Catar os tenha convencido de que Trump irá assegurar que isso aconteça, se eles oferecerem a possibilidade a Israel de reivindicar vitória, repatriando todos os reféns israelenses, vivos e mortos.
Ainda assim, Trump continua usando a linguagem que Netanyahu precisa que os israelenses ouçam — como sua ameaça ao Hamas se eles rejeitarem o acordo, prometendo “total apoio” a Israel para seguir adiante e destruir o Hamas.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, declarou que serão necessários apenas alguns dias para verificar se o Hamas está falando sério. Levará mais tempo para definir os pontos concretos que serão necessários para se chegar a um acordo completo.
Até agora, tudo o que eles têm é o esqueleto do acordo apresentado por Trump.
Dois anos depois que o longo e não resolvido conflito entre israelenses e palestinos resultou na guerra na Faixa de Gaza, o maior desafio é pôr fim às mortes e garantir o futuro imediato de palestinos e israelenses.
Será necessário manter hábil diplomacia e comprometimento prolongado com os detalhes, que são poucos e preciosos no plano de 20 pontos proposto por Trump. A tentativa de encontrar a redação precisa que irá preencher as lacunas poderá enfrentar muitos obstáculos.

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Ninguém detém opinião mais positiva sobre a capacidade de Trump de fazer acordos do que ele próprio. Mas, na política externa, os resultados ainda não justificam sua ostentação.
O mais notório é que Trump não pôs fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia no dia seguinte à sua posse, como ele havia previsto.
Mas uma habilidade que Trump realmente possui, depois de uma vida inteira passada no setor imobiliário, é o seu instinto inato sobre como aplicar pressão para conseguir o que ele deseja.
As negociações indiretas no Egito estão acontecendo porque Trump conseguiu pressionar os dois lados.
Ameaçar o Hamas com a sua extinção, se eles se recusassem a aceitar seu plano, foi a parte fácil. Os presidentes americanos lideram a pressão internacional sobre o Hamas desde que o grupo venceu a eleição palestina de 2006 e usaram a força para tomar Gaza dos seus rivais palestinos do Fatah no ano seguinte.
A grande diferença entre Trump e os ex-presidentes Clinton, Obama e Biden é que ele reage de forma mais dura e incisiva às tentativas de Netanyahu de manipulá-lo, em comparação com a disposição ou mesmo a capacidade dos seus predecessores democratas de fazer o mesmo.
Trump presumiu que a resposta “sim, mas…” do Hamas à sua proposta é na verdade um “sim” sólido para a paz. E foi o suficiente para que ele seguisse adiante.
O portal de notícias americano Axios informou que, quando Netanyahu tentou convencê-lo de que o Hamas estava ganhando tempo, Trump respondeu com um palavrão, perguntando ao primeiro-ministro de Israel por que ele é “tão negativo”.
Israel depende dos EUA, parceiro fiel durante a guerra. Sem a ajuda americana, Israel não poderia ter atacado a Faixa de Gaza de forma tão prolongada e implacável.
Os EUA fornecem a maior parte das suas armas, além de proteção política e diplomática, vetando diversas resoluções no Conselho de Segurança das Nações Unidas, destinadas a pressionar Israel a encerrar a guerra.
O ex-presidente Joe Biden, que se definia como sionista irlandês, nunca fez uso do poder decorrente da dependência israelense dos EUA.
Mas Trump coloca seus planos para os EUA em primeiro lugar. Ele usou esse poder latente dos EUA sobre Israel para fazer Netanyahu se dobrar à sua vontade — pelo menos, em relação à sua participação nas negociações.
Resta saber se esta pressão irá continuar, pois Trump costuma mudar de opinião.
As delegações de Israel e do Hamas enfrentam críticos domésticos poderosos, que desejam que a guerra continue.
Fontes do Hamas declararam à BBC que os comandantes militares que ainda se encontram na Faixa de Gaza estão preparados para lutar até o fim e levar com eles o máximo possível de israelenses.
Já a coalizão de Netanyahu conta com o apoio de extremistas ultranacionalistas. Eles acreditavam que estariam próximos do seu sonho de expulsar os palestinos da Faixa de Gaza e substituí-los por colonos judeus.
Se as negociações no Egito fracassarem, os dois desfechos se tornarão possíveis.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL