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- Author, Daniel Gallas
- Role, Da BBC News Brasil em Londres
A atual geração de jovens adultos seria, talvez, a “geração mais rejeitada em toda a história”?
Essa ideia foi sugerida em um artigo do jornalista americano David Brooks no jornal The New York Times após conversas que ele teve com jovens adultos que sofrem rejeição em diversos aspectos da vida prática: desde processos seletivos em universidades ou para vagas de emprego a relacionamentos amorosos ou crédito para compra de casa.
O mundo em geral está mais competitivo, argumenta Brooks — com jovens que saem das escolas precisando aplicar para cerca de 20 a 30 universidades para serem selecionados por apenas uma ou duas delas. Essa rejeição está as acompanhando nas demais etapas da vida, com maior demanda por recursos mais escassos em quase todas as esferas.
E existe um problema grave da rejeição: esse sentimento nos transforma em pessoas mais agressivas, menos inteligentes, menos empáticas e com menos autocontrole.
Quem concluiu isso foi o psicólogo Roy Baumeister, um dos pioneiros no estudo do efeito que a rejeição tem nas pessoas, e que é citado no artigo de Brooks. Suas observações foram feitas a partir de experimentos de laboratórios com voluntários — em que as pessoas eram submetidas a diversos tipos de rejeições, e tinham seu comportamento monitorado.
A primeira reação de uma pessoa rejeitada é uma espécie de torpor dos sentimentos — como se o corpo desligasse sensações por alguns instantes, como forma de impedir a dor.
Mas esse torpor também acabava tornando as pessoas menos empáticas e mais agressivas.
A BBC News Brasil conversou com Baumeister sobre seu trabalho para entender os efeitos que a rejeição pode ter não só nas pessoas como também na sociedade como um todo.
Confira abaixo trechos da entrevista.
BBC News Brasil – Muitas pessoas da geração atual alegam que o mundo está mais competitivo em geral e que elas sofrem mais rejeição hoje do que gerações passadas. Existe mesmo essa ideia de que estamos em um nível recorde de rejeição no mundo? Essa é mesmo “a geração mais rejeitada” da história?
Roy Baumeister – Pode muito bem ser. Certamente é verdade em algumas áreas. Por exemplo, eu sei que as melhores universidades não têm muito mais vagas do que tinham no passado, mas elas têm muito mais candidatos do que no passado.
E por causa disso, as pessoas precisam se candidatar a mais universidades, o que piora ainda mais o problema. E também tem o problema da “inflação das notas” [em que professores dão notas mais altas a seus alunos sem que haja necessariamente maior qualidade no trabalho, para ajudá-los em processos seletivos].
Recentemente, li o novo livro de Peter Turchin sobre a superprodução de elites e ele me convenceu de que isso é um problema. E, claro, isso levará a mais e mais rejeições. Ele diz que nos anos 1960 apenas uma pequena parcela da população se formava em universidades. Agora há muito mais pessoas se formando.
Há mais competição pelo mesmo número de vagas.
Não há necessariamente mais empregos, portanto, mais rejeições ocorrem no mercado de trabalho.

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Na esfera romântica, as pessoas estão se conectando com essas pessoas através de sistemas online, que talvez não funcionem tão bem, apenas aproximando as pessoas com base em características mais superficiais, resultando em muito mais erros em termos de relacionamentos amorosos. Isso também leva a mais rejeições.
Todas essas coisas podem estar acontecendo. Minha pesquisa se concentrou principalmente nos efeitos de curto prazo da rejeição, mas tudo se originou de um dos meus artigos argumentando que o impulso de se conectar com os outros é um dos motivadores fundamentais na psique humana. A rejeição simplesmente frustra e bloqueia isso.
BBC News Brasil – O seu trabalho descreve o que acontece com as pessoas quando elas sofrem com rejeição. Quais foram as suas conclusões? As pessoas mudam?
Baumeister – Pensávamos que haveria sofrimento emocional como efeito imediato, o que levaria a várias mudanças comportamentais. Fizemos dezenas de estudos de laboratório sobre rejeição e não encontramos indícios de sofrimento emocional. Encontramos muitas mudanças comportamentais.
Inicialmente parece haver uma reação de torpor, da qual as pessoas não se lembram porque é difícil lembrar de não sentir nada.
É como quando você sofre uma lesão física, em que o corpo libera substâncias para amenizar temporariamente a dor. Pode ser que “lesões sociais”, como ser rejeitado, também causem essa liberação de opioides, fazendo com que as pessoas não sintam nada.
Mas isso leva a uma série de mudanças. Por um lado, você usa seu sistema emocional para ter empatia por outras pessoas, e você não sabe que o sistema não está funcionando. Por isso você sente menos empatia pelos outros.
Em um momento em que imaginaria que as pessoas gostariam de se tornar mais gentis para responder à rejeição e tentar se reconectar com as pessoas, elas se tornam mais antissociais de várias maneiras. Elas demonstram mais tendências à agressão e são menos prestativas com os outros.

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Elas expressam menos simpatia pelos problemas dos outros. Tudo isso pode ser o efeito do torpor. Mas é um efeito temporário.
Tínhamos muitos dados para um artigo que acabamos nunca publicando que mostraram que as pessoas [com doenças] que tiveram alguma rejeição na infância sofriam mais com dores do que outras pessoas sem esse tipo de rejeição que tivessem a mesma doença.
A tolerância à dor também diminui quando as pessoas são rejeitadas. Pode ser que o sistema do seu corpo se esgote quando você é uma criança sendo rejeitada, o que o torna menos capaz de lidar com a dor quando adulto.
BBC News Brasil – Com mais pessoas rejeitadas em um nível individual, isso pode ter um impacto na sociedade em geral? Se as pessoas rejeitadas ficam mais agressiva e menos empáticas, a sociedade pode acabar assumindo essas mesmas características?
Baumeister – É certamente plausível. Quando comecei a publicar este trabalho e a falar sobre ele, alguns amigos meus da sociologia disseram: “Ah, isso é tão interessante, porque os grupos da sociedade que se sentem rejeitados apresentam alguns dos mesmos padrões. Tornam-se mais agressivos e menos dispostos a trabalhar pelo bem comum”.
Outra coisa que descobrimos é que eles tinham um desempenho intelectual ruim. Aplicamos testes de QI e as pessoas que haviam sofrido rejeição se saíram significativamente pior depois de serem rejeitados.
E argumentamos que, na sociedade, os grupos que se sentem rejeitados não se saem tão bem na escola e não levam a escola e o aprendizado intelectual a sério. Ou eles não são tão bons nisso ou não querem participar do jogo, mas mostram o mesmo tipo de déficit no desempenho intelectual e acadêmico.

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BBC News Brasil – Como lidar com a rejeição, já que muitos dos efeitos da rejeição sequer são percebidos pelas pessoas?
Baumeister – Sim. As pessoas não percebem que o sistema emocional não está funcionando e que elas estão meio que ficando insensíveis.
Elas não são sensíveis a isso. Escrevi um livro e vários artigos científicos sobre relacionamentos românticos unilaterais — que basicamente fracassam quando uma pessoa está apaixonada, mas a outra não.
E muitas vezes isso é um golpe sério para sua autoestima e confiança. A outra pessoa diz coisas como: “Ah, não é você, sou eu”, para tentar suavizar o golpe.
Geralmente a pessoa sente algo como “não sou bom o suficiente”, que geralmente dura até que a pessoa encontre outra pessoa, e então desaparece e ela se sente melhor novamente.
Muitas vezes, há um período de se sentir mal consigo mesmo e se perguntar: “O que eu fiz de errado?” e “Por que essa pessoa não me quer?”
Um dos nossos estudos laboratoriais recentes descobriu que – isso é algo que me questiono há anos – parte do motivo é que você antecipa que isso pode ser um sinal de algo pior que está por vir no futuro. Se essa pessoa me rejeitou, pode haver algo errado comigo que, no futuro, alguém com quem eu me importo me rejeitará pelo mesmo motivo.
BBC News Brasil – E quais são os mecanismos de defesa que usamos contra a rejeição?
Baumeister – Eu diria: tente novamente em outro lugar. Como descobrimos com o estudo do amor não correspondido, as pessoas se sentem mal até encontrarem outra pessoa e ficam melhores.
Infelizmente, isso significa tentar mais, o que, novamente, aumentará o número de rejeições.
Mas é uma cura. Quando você é aceito, você para de se sentir mal por ter sido rejeitado. Na minha carreira como pesquisador científico, submeto centenas de artigos e muitos são rejeitados. Todo mundo é rejeitado. Você tem que se acostumar.
E você se sente mal quando um artigo volta com diversas críticas e o editor diz: “Bem, desculpe, não vamos poder publicar seu trabalho”.
Mas aí você encontra outra pessoa que o publica. E acaba se parando de se sentir mal pelas rejeições anteriores.
Todo mundo sabe que faz parte do jogo. Isso não torna as coisas muito mais fáceis.

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BBC News Brasil – A rejeição em massa pode virar um problema de saúde pública?
Baumeister – Isso está além da minha expertise. Mas tenho a impressão de que isso pode ter efeitos negativos na saúde. Começamos essa linha de pesquisa com a ideia de que as pessoas têm a necessidade de pertencer. A evidência que temos é que as pessoas que estão sozinhas no mundo têm mais problemas de saúde.
Eu me lembro quando começamos a descobrir que pessoas que estavam no hospital com uma lesão ou doença grave se recuperavam mais rápido se mais pessoas, mais familiares e amigos, viessem visitá-las. E a classe médica, a princípio, disse que isso era loucura.
Germes causam doenças, ossos quebram por razões físicas. A quantidade de familiares que dizem que te amam e te dão um abraço não deveria fazer a mínima diferença na cura. Mas os dados são muito, muito fortes e convincentes.
Como vivemos em uma sociedade com cada vez mais pessoas sozinhas, haverá mais riscos para a saúde pública. Agora, é uma crise? Não sei.
Olhando de forma mais ampla, a saúde pública provavelmente está tão boa ou melhor do que nunca. As pessoas estão vivendo mais. O atendimento médico é melhor. Então, temos com que nos preocupar? Eu não sei. Existe uma tendência de chamar tudo de crise.
Mas é negativo, quanto mais pessoas estão sozinhas. E pelo que ouvi, as tendências sociológicas recentes são que os jovens estão namorando menos, tendo menos relacionamentos sérios, menos sexo e menos probabilidade de se casar. Ou adiando o casamento. Então, há cada vez mais famílias solteiras.
Isso pode ser visto como negativo. Mas também não devemos romantizar o passado. Muitas pessoas viviam em famílias e lares infelizes e permaneceram lá só porque não tinham condições financeiras de sair disso. As pessoas, agora mais ricas, podem se dar ao luxo de viver sozinhas, e há vantagens em viver sozinhas.
BBC News Brasil – Houve algo no seu trabalho que o surpreendeu e que você achou contraintuitivo?
Baumeister – Sim, me surpreendeu a falta de emoção como resposta imediata à rejeição. Foi uma grande surpresa. Pensamos que estávamos medindo errado e tentamos diversas experiências. Em certo momento, procuramos por emoções inconscientes, o que é um pouco difícil de encontrar.
Mas várias pessoas inteligentes criaram métricas, e descobrimos que a reação à rejeição é um aumento na emoção positiva inconsciente. Ninguém esperava isso. Até pedimos às pessoas que previssem os resultados do experimento, e ninguém acertou.
Isso pode ser parte do mecanismo de enfrentamento: quando algo ruim acontece, seu inconsciente começa a procurar por pensamentos felizes.
Se a dormência for temporária, esse torpor vai desaparecer como acontece com uma lesão física. E às vezes as pessoas têm a experiência de jogar uma partida difícil e não sentir dor. E naquela noite, a perna ou o braço doem e elas pensam: “O que eu fiz? Não me lembro.”
Elas não sentem isso na hora. A rejeição é um pouco assim. Você pode não sentir imediatamente, mas começará a sentir mais tarde. Se, nesse ínterim, seu inconsciente começou a procurar conexões mais positivas e pensamentos positivos carregados de emoção, então, quando a dormência passar, a dor não será tão ruim quanto se tivesse te atingido com força total imediatamente.

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BBC News Brasil – Como a sua obra sobre rejeição foi recebida?
Baumeister – Nossos estudos foram publicados em revistas científicas e tiveram boa repercussão.
Conheci o grande John Cacioppo antes de sua morte. Ele era um pesquisador de cérebros, mas também trabalhava com solidão. Ele tinha um livro sobre o assunto e gostava do nosso trabalho.
Lembro-me de que tivemos uma ótima conversa porque ele estava estudando pessoas que são cronicamente solitárias na vida, e eu estava estudando pessoas normais que simplesmente sofrem uma rejeição no laboratório
Mas havia muitos paralelos onde coisas semelhantes eram observadas de um lado para o outro. Ele me disse, por exemplo, que pessoas solitárias têm dificuldade em controlar a atenção.
A maneira como você estuda isso é dando a pessoas fones de ouvido e, em um lado, elas ouvem um discurso que precisam ignorar e, no outro ouvido, há uma lista de palavras que devem monitorar e contar todas as palavras que têm a letra M ou algo assim.
E elas não conseguiram fazer isso tão bem. Não tínhamos como saber se o baixo nível de atenção delas era o que as tornava maus parceiros de interação em primeiro lugar e as levava à solidão, ou se isso era resultado da solidão.
Mas nós testamos em laboratório. E pessoas normais que conseguiam fazer isso bem em condições normais, se fossem rejeitadas, de repente desenvolveram o mesmo déficit. Isso demonstra a relação causal entre ser rejeitado e pessoas solitárias que se sentem rejeitadas com frequência.
Isso parece minar sua capacidade de controlar o foco e a atenção da mente.
Também encontramos outras falhas no autocontrole. O autocontrole é uma das características mais valiosas para o sucesso na vida, tanto profissional quanto social.
E, portanto, qualquer coisa que degrade o autocontrole vai piorar sua situação. Encontramos uma variedade de sinais disso. Por exemplo, as pessoas comem mais biscoitos e junk food se se sentem rejeitadas. Uma pessoa chegou a dizer: “Eu realmente não gosto desses biscoitos, mas não consigo parar de comê-los”.

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BBC News Brasil – Que outros estudos estão em andamento nesse campo hoje?
Baumeister – O artigo em que estou trabalhando agora é sobre a mudança da comunicação presencial para a comunicação online e digital.
E isso parece ter efeitos negativos, pois o impacto e o engajamento são menores, e por isso uma das nossas conclusões em um artigo que publiquei há alguns anos foi que, quando as pessoas usam comunicação mediada por computador, mensagens de texto por telefone ou qualquer outra coisa, para complementar um relacionamento presencial, geralmente isso é um ponto positivo. Isso melhora as coisas.
Mas quando usam isso para substituir a interação presencial, isso leva a problemas e faz com que essas pessoas fiquem mais infelizes e tenham mais problemas mentais e físicos.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL