Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, foram denunciados à Procuradoria-Geral da República (PGR) pela suposta prática de quatro crimes, dentre eles associação criminosa e prevaricação, após tornar-se público que uma visita de Lula à Favela do Moinho, em São Paulo, foi intermediada por uma ONG ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Mas essa não é a primeira vez que integrantes do atual governo são acusados de proximidade com membros de facções criminosas. Desde a campanha eleitoral de 2022, ano em que o petista foi eleito presidente pela terceira vez, há suspeitas de articulação com o crime organizado.
Relembre quatro episódios em que o governo Lula levantou dúvidas sobre interlocução com facções criminosas.
1. Visita de Lula à Favela do Moinho articulada com ONG ligada ao PCC
No dia 26 de junho deste ano, Lula e uma comitiva do governo visitaram a Favela do Moinho, no centro de São Paulo, onde o presidente anunciou medidas habitacionais. No entanto, quem intermediou a ida do presidente ao local foi uma ONG ligada ao PCC.
A Associação de Moradores da Comunidade do Moinho é liderada pela irmã de “Léo do Moinho”, que é apontado pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) como líder do tráfico na região. A sobrinha do traficante é uma das principais porta-vozes da ONG com o poder público. Desde 2023, membros da associação já se reuniram pelo menos cinco vezes com integrantes do governo, sendo inclusive recebidos em gabinetes de ministros, em Brasília.
Dois dias antes da visita de Lula, o ministro Márcio Macêdo compareceu à sede da ONG para negociar as tratativas da visita. O endereço da associação já foi usado pelo PCC para armazenamento de drogas a serem distribuídas no centro da capital paulista. Em agosto de 2023, a Polícia Civil apreendeu no local centenas de porções de cocaína e maconha.
“A família Moja se aproveitou da desorganização e ausência do Estado naquela região para instalar um ambiente de várias práticas criminosas, que se retroalimentam dentro da clandestinidade e que violam direitos humanos básicos das pessoas que lá se encontram, em especial os dependentes químicos, inclusive incitando movimentos dentro da comunidade de subversão contra as ações policiais”, aponta denúncia do Ministério Público em abril deste ano.
2. Entrada de Flávio Dino em área dominada pelo Comando Vermelho sem apoio policial
Em março de 2023, o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino – hoje ministro do STF nomeado por Lula – entrou no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, para participar de um evento de uma ONG sem nenhuma obstrução e sem a realização de operação policial. O local, formado por 16 favelas, tem o poder dividido pelo Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro, as principais facções do estado, o que gera uma série de violentos confrontos armados entre os grupos.
A favela Nova Holanda, onde Dino esteve, é controlada pelo Comando Vermelho. Na época, a Gazeta do Povo entrevistou policiais militares e civis do estado, que afirmaram que o acesso do então ministro de Lula ao local seria impossível sem o aval da facção.
“Não tem nenhum cidadão no mundo que entre na Maré com dois carros grandes, com insulfilm, sem a anuência e a concordância do narcotráfico. Tanto que para a PM ou qualquer outra força policial entrar é só com blindados, com uma operação grande, com helicópteros. E mesmo assim, a resistência será de grandes proporções”, disse, na época, o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) Fábio Cajueiro, ex-comandante de operações no Complexo da Maré.
“Nenhuma autoridade do Brasil ou de qualquer lugar do mundo entraria ali sem a autorização das lideranças do narcotráfico – seja juiz, promotor, desembargador, ministro, presidente…”, complementou.
3. Ato de campanha no Complexo do Alemão, dominado por facção, também sem presença policial
Em outubro de 2022, em meio ao segundo turno da campanha presidencial, o então candidato Lula visitou o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O local é um dos redutos históricos do Comando Vermelho. Da mesma forma que a visita de Flávio Dino, a entrada da comitiva de Lula não contou com a presença da Polícia Militar.
Na época, a entrada da equipe do petista para um evento com grande aglomeração de pessoas sem presença policial e com tranquilidade incomum gerou críticas de especialistas em segurança pública sobre eventual acordo com a facção.
Durante a visita, Lula usou um boné com a inscrição “CPX” (sigla para “Complexo”), o que gerou forte repercussão nas redes sociais, já que a inscrição é comum em pichações feitas por membros do Comando Vermelho e até mesmo em armamentos da facção. Na época, a campanha de Lula argumentou que a sigla é usada amplamente na comunidade para se referir ao Complexo do Alemão.
4. Visita da “Dama do tráfico” ao Ministério da Justiça, com custos pagos pelo governo
No primeiro ano da nova gestão Lula, Luciane Barbosa Farias, conhecida como a “dama do tráfico amazonense”, integrante do Comando Vermelho, foi recebida duas vezes por assessores do então ministro Flávio Dino, no prédio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília.
Ela participou de audiências com dois secretários e dois diretores da pasta, mas seu nome foi omitido das agendas oficiais.
O marido de Luciane é Clemilson dos Santos Farias, o “Tio Patinhas”, que foi o número um na lista de procurados pelo governo do Amazonas até ser preso em dezembro de 2022. Eles são casados há 13 anos e foram condenados em segunda instância por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa.
O Ministério dos Direitos Humanos também custeou uma viagem da “dama do tráfico” a Brasília, para participar de um evento em novembro de 2023.
Após a polêmica, Luciane argumentou que sua aproximação com o governo tinha como objetivo sensibilizar Lula e Janja sobre as “mazelas vividas pela população carcerária do país”.
Luciane era estudante de Direito e se apresentava como defensora dos direitos dos presos. Em fevereiro deste ano, ela foi presa pelos crimes de lavagem de dinheiro, organização criminosa e associação para o tráfico.
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“Mensagem para a sociedade é a pior possível”, diz especialista em segurança pública
Para Luiz Fernando Ramos Aguiar, especialista em segurança pública e tenente-coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), a interação de autoridades públicas e agentes políticos com organizações criminosas fortalece as facções, que passam a acreditar que podem impor suas regras não apenas às populações dominadas, mas também às estruturas e instituições do Estado.
“Diante disso, é razoável acreditar que, no mínimo, exista uma confluência de interesses entre os faccionados e essas autoridades, mesmo que essa relação tenha se estabelecido de forma tácita. Ou seja, os traficantes permitem eventos em áreas que controlam porque acreditam que o fortalecimento daquele político será mais benéfico para suas atividades. E essa, talvez, seja a hipótese mais otimista”, diz Aguiar.
Para o tenente-coronel, em uma perspectiva mais pessimista – ou talvez mais realista, aponta –, visitas de políticos a áreas controladas pelo crime, realizadas sem qualquer represália, possivelmente foram precedidas por articulações com as facções locais. “Em geral, tais articulações são feitas por ONGs ou “associações de moradores”, que atuam como uma espécie de interface legal das organizações criminosas em assuntos políticos e negociações, mantendo o controle da região sob uma aparência de normalidade”, explica.
“De qualquer maneira, a mensagem para a sociedade é a pior possível: a de que é possível negociar, dialogar e estabelecer acordos com grupos que mantêm populações inteiras sob domínio”, continua.
Fonte. Gazeta do Povo