
Crédito, EPA
- Author, Anthony Zurcher
- Role, Correspondente na América do Norte
As notícias sobre uma cúpula iminente entre os líderes dos Estados Unidos e da Rússia foram amplamente exageradas.
Dias depois de Donald Trump afirmar que, “em duas semanas, mais ou menos”, se reuniria em Budapeste com o presidente russo, Vladimir Putin, o encontro foi suspenso por tempo indeterminado.
Além disso, uma reunião preliminar, que envolveria os principais diplomatas das duas nações, também foi cancelada.
“Não quero ter uma reunião desperdiçada”, disse Trump a jornalistas na Casa Branca, na tarde de terça-feira (21/10).
“Não quero perder tempo, então vou ver o que acontece.”
O vaivém da cúpula é o episódio mais recente nos esforços de Trump para intermediar o fim da guerra na Ucrânia. O tema ucraniano voltou ao centro da agenda do presidente americano após ele ter negociado um cessar-fogo e um acordo de libertação de reféns em Gaza.
Nesta quarta (22/10), os Estados Unidos anunciaram novas sanções contra as duas maiores empresas petrolíferas da Rússia, a Rosneft e a Lukoil, em mais um esforço para pressionar Moscou a negociar um acordo de paz na Ucrânia.
“Cada vez que eu falo com Vladimir, temos boas conversas, mas elas não levam a lugar nenhum”, afirmou Trump.
“Simplesmente senti que era a hora. Esperamos muito tempo”, disse o presidente americano no Salão Oval, após uma reunião com o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Mark Rutte, para discutir as negociações de paz.
Mesmo que o impacto econômico para a Rússia deva ser mínimo, a medida representa uma grande mudança na política externa de Trump, que anteriormente havia declarado que não imporia sanções até que os países europeus deixassem de comprar petróleo russo. O Kremlin afirmou que a Rússia é “imune” às sanções.
Steve Rosenberg, editor de Rússia da BBC News, afirma que Trump abandona a conciliação e empunha o bastão contra Putin nas negociações sobre a Ucrânia com as sanções às petrolíferas russas.
“É improvável que isso force Putin a uma guinada na guerra. Mas é um sinal da frustração de Trump com a falta de disposição do Kremlin em fazer concessões ou compromissos para encerrar os combates na Ucrânia”, diz Rosenberg.
Na semana passada, o Reino Unido aplicou um pacote de sanções semelhante à Rosneft e à Lukoil.
Os russos não reagiram bem às sanções.
“Os EUA são nosso inimigo, e seu falastrão ‘pacificador’ agora trilha abertamente o caminho da guerra contra a Rússia”, escreveu o ex-presidente Dmitry Medvedev nas redes sociais. “As decisões tomadas são um ato de guerra contra a Rússia.”
Isso não significa que o Kremlin não queira paz, afirma Rosenberg. “Quer. Mas apenas nos seus termos. E, neste momento, esses termos são inaceitáveis para Kiev e, ao que tudo indica, para Washington.”
Na reunião na Casa Branca na quarta, era esperado que o secretário-geral da Otan discutisse com Trump um plano de 12 pontos formulado pelos aliados europeus da Otan e Kiev, que prevê o congelamento das atuais linhas de frente, o retorno de crianças deportadas e a troca de prisioneiros.
O plano também inclui um fundo de recuperação para a Ucrânia e o planejamento de um caminho claro para a Ucrânia ingressar na União Europeia, além de maior ajuda militar a Kiev e pressão econômica sobre Moscou.
Enquanto isso, mais cedo naquele mesmo dia, a Rússia lançou um intenso bombardeio contra a Ucrânia que matou pelo menos sete pessoas, incluindo crianças.
Na semana passada, enquanto celebrava no Egito o acordo de cessar-fogo em Gaza, Trump se dirigiu a Steve Witkoff, seu principal negociador diplomático, com um novo pedido: “Temos que resolver a questão da Rússia”.
No entanto, as circunstâncias que se alinharam para viabilizar um avanço de Witkoff e sua equipe em Gaza podem ser difíceis de reproduzir no conflito ucraniano — uma guerra que se estende por quase quatro anos.
Influência menor
Segundo Witkoff, o ponto decisivo para o acordo foi a decisão de Israel de atacar negociadores do Hamas no Catar. A ação irritou aliados árabes dos EUA, mas deu a Trump margem para pressionar o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, a firmar um acordo.
Trump se beneficiou de um longo histórico de apoio a Israel que remonta ao seu primeiro mandato, incluindo a mudança da embaixada americana para Jerusalém, a mudança da posição americana sobre a legalidade dos assentamentos israelenses na Cisjordânia e, mais recentemente, o apoio à campanha militar israelense contra o Irã.
Na verdade, o presidente americano é mais popular entre os israelenses do que o próprio Netanyahu, uma posição que lhe garantiu influência única sobre o líder de Israel.
Somam-se a isso os laços políticos e econômicos de Trump com atores árabes importantes na região, o que lhe conferiu um vasto poder diplomático para forçar um acordo.
Na guerra da Ucrânia, diferentemente, Trump tem bem menos influência. Nos últimos nove meses, o presidente americano tem oscilado entre tentativas de pressionar tanto Putin quanto Zelensky, mas com pouco efeito aparente.
Trump ameaçou impor novas sanções às exportações russas de energia e fornecer à Ucrânia novos armamentos de longo alcance.
Mas reconheceu que essas medidas poderiam desestabilizar a economia global e ampliar o conflito.
Enquanto isso, criticou publicamente o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, cortando temporariamente o compartilhamento de informações de inteligência e o envio de armas ao país. Trump, porém, recuou diante da preocupação de aliados europeus, que alertam que um colapso ucraniano desestabilizaria toda a região.
Trump costuma exaltar sua habilidade de negociar e fechar acordos, mas suas reuniões presenciais com Putin e Zelensky pouco avançaram rumo a uma resolução da guerra.

Crédito, Getty Images
É possível que Putin esteja usando o desejo de Trump por um acordo, e sua crença em negociações cara a cara, como uma forma de influenciá-lo.
Em julho, Putin concordou em participar de uma cúpula nos EUA (15/08) justamente quando parecia provável que Trump aprovaria um pacote de sanções do Congresso, apoiado por senadores republicanos. O projeto legislativo foi, então, paralisado.
Na semana passada, enquanto avançavam informações de que a Casa Branca avaliava entregar mísseis Tomahawk (capazes de voar a baixa altitude e atingir alvos em longa distância) e baterias do sistema antiaéreo Patriot (usadas para interceptar mísseis inimigos) à Ucrânia, Putin ligou para Trump, que então mencionou a possibilidade de uma cúpula na Hungria.
No dia seguinte (17/10), Trump recebeu Zelensky na Casa Branca, mas a reunião terminou sem acordo após um encontro relatado como tenso.
O presidente americano insistiu que não estava sendo manipulado por Putin.
“Sabe, fui manipulado pelos melhores ao longo da vida, eu me saí muito bem”, disse.

Mas o líder ucraniano observou a sequência dos fatos: “Assim que a questão do [armamento de] longo alcance se afastou um pouco de nós, da Ucrânia, a Rússia quase automaticamente perdeu o interesse na diplomacia”, afirmou.
Em poucos dias, Trump passou de cogitar o envio de mísseis à Ucrânia a planejar um encontro com Putin na Hungria e, em seguida, pressionar em privado o presidente Zelensky a ceder todo a região de Donbas (no leste da Ucrânia, na fronteira com a Rússia), inclusive áreas ainda fora do controle russo.
Por fim, propôs um cessar-fogo nas linhas atuais de combate, proposta rejeitada pela Rússia.
Durante a campanha do ano passado, Trump prometeu encerrar a guerra da Ucrânia em poucas horas. Agora, admite que a tarefa é mais difícil do que esperava.
É uma rara admissão dos limites de seu poder e da dificuldade de encontrar um caminho para a paz quando nenhum dos lados quer, ou pode, parar de lutar.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL