O chamado Momento DeepSeek, o lançamento de um modelo de inteligência artificial de código aberto e custo baixo pela China, apresentou ao mundo os “seis pequenos dragões de Hangzhou”, como foram apelidadas as startups da capital da província de Zhejiang.
Passados cinco meses, com a cidade se tornando rival de Shenzhen em alta tecnologia, a seção local do Partido Comunista da China tem agora novo foco: responder à disparada no consumo de energia projetado para DeepSeek e outros dragões.
Foi o PC de Zhejiang que bancou a aposta original da nova IA. “A maior força do DeepSeek está em sua abordagem de código aberto, que empodera pesquisadores em todo o mundo”, escreveu em janeiro, no comunicado que marcou a aceitação oficial da estratégia de disponibilização do software.
“O progresso tecnológico da China deve contribuir para a humanidade numa escala mais ampla”, justificou. A cidade e o país seguiram a nova ordem. O Alibaba, também de Hangzhou, lançou logo depois seu próprio modelo de código aberto, Qwen.
Nesta semana, a Baidu, de Pequim, até o ano passado a maior esperança chinesa em IA, anunciou que seu Ernie agora é código aberto. E a Huawei, de Shenzhen, fez o mesmo com a série Pangu, em anúncio com diferença de horas.
Enquanto big techs de outras partes correm atrás, Xu Wenguang, vice-governador de Zhejiang e membro da Comissão Permanente do PC na província, foi questionado durante entrevista em Hangzhou sobre como garantir proteção ambiental em equilíbrio com o crescimento dos dragões e outras empresas de tecnologia.
“Construindo vigorosamente sistemas de suprimento de novas energias”, respondeu ele, citando também operações de financiamento para “um mercado sólido de negociação de eletricidade”. A demanda maior por energia é vista amplamente como o principal desafio da emergente indústria de IA e datacenters.
Wang Min, diretor-geral do Departamento de Ecologia e Ambiente de Zhejiang, acrescentou que está sendo acelerada a construção de uma infraestrutura de energia limpa, como eólica e solar, além do armazenamento de energia.
Paralelamente, disse Zhang Chunhua, da Comissão de Desenvolvimento e Reforma de Zhejiang, está sendo promovida a conservação de energia, visando aumentar o nível de eficiência. “Somos a primeira província no país a fazer o gerenciamento de orçamentos de consumo fóssil, tendo completado o diagnóstico de quatro mil empresas até agora.”
Segundo o vice-governador, a relação entre o governo provincial e as empresas “é boa, cada um tem sua posição clara, coordenando e cooperando para um ambiente de inovação” E agora trabalham “com outra províncias para criar um ecossistema para inteligência artificial” no país.
Xu Wenguang descreve Zhejiang como pioneira em economia digital, daí a base de computação em nuvem e big data, entre outras. “Estamos aproveitando uma janela para IA, do laboratório até a aplicação”, disse, citando também robôs e veículos elétricos.
“No processo de desenvolvimento, percebemos que IA é uma força motriz para a nova rodada de revolução tecnológica e transformação industrial. Alguns dizem que esta é a quarta e última revolução. Sabemos que vai mudar nossa produção e vida mais rápida e violentamente.”
O salto de Hangzhou em inteligência artificial, sobretudo com DeepSeek e Alibaba, levou ao questionamento de Shenzhen como líder em tecnologia no país. Esta foi a primeira zona econômica especial lançada por Deng Xiaoping e virou o símbolo das reformas que introduziu nos anos 1980 e 90.
Hangzhou, de sua parte, começou a despontar nos cinco anos em que Xi Jinping foi governador e secretário-geral do partido em Zhejiang, no início dos anos 2000. Foi lá que ele desenvolveu a relação próxima com o atual primeiro-ministro, Li Qiang, então seu chefe de gabinete.
E foi lá que Xi projetou o que viria a ser conhecido como Estratégia 8+8, identificando setores industriais a estimular e medidas para fazê-lo, posteriormente focando em comércio eletrônico, IA, robótica, baterias, pesquisa e desenvolvimento –em lugar da indústria pesada que caracterizava a província.
O papel do ex-governador foi lembrado por um executivo da Tianneng, durante visita feita à fábrica de baterias. Em 2007, Xi deixou Hangzhou já indicado como eventual futuro líder, em substituição a Hu Jintao.
Passadas duas décadas, Hangzhou tem não só DeepSeek, mas os outros cinco pequenos dragões: as empresas Unitree e Deep, de robótica, BrainCo, de neurotecnologia, Manycore, de “space design”, e Game Science. Esta é sediada em Shenzhen, mas foi seu escritório de Hangzhou que desenvolveu Black Myth: Wukong, o game chinês de impacto global.
Além das startups, há diversas empresas de tecnologia mais estabelecidas como o Alibaba, que é voltado sobretudo a comércio eletrônico e serviços financeiros, Geely, de carros elétricos e híbridos, e NetEase, de internet e games.
O jornalista viajou a Hangzhou a convite do Conselho de Estado da China
Fonte.:Folha de S.Paulo