
- Author, Tim Franks
- Role,
- Reporting from Petah Tikva
Ali, no setor de atendimento especializado no sexto andar do hospital, Steinman acompanharia o reencontro com familiares após mais de 700 dias de cativeiro, enquanto nutricionistas, médicos e especialistas em saúde mental monitoram e examinam cada etapa da recuperação física e psicológica.
“É um privilégio”, diz Steinman. “Estará entre os dois ou três momentos que vou conseguir lembrar quando eu tiver 70 ou 80 anos. Eles simbolizam muitos valores: como enfermeira, como mãe, como mulher, como israelense.”
É a terceira vez que a unidade de atendimento a reféns entra em operação. A BBC visitou o setor no sábado (11/10), quando a equipe de saúde foi informada sobre as identidades das pessoas que atenderiam.
“Não existe uma área chamada medicina do cativeiro, estamos inventando uma”, disse Steinman à BBC. Segundo ela, a equipe aprendeu duas grandes lições nas libertações de reféns anteriores, em novembro de 2023 e janeiro deste ano.
A primeira lição é agir como “detetive médica”, tentando compreender o que aconteceu durante aqueles longos dias e noites de cativeiro.
Nos casos anteriores, com reféns muitas vezes desnutridos, algemados e espancados, “havia alterações nos exames de sangue, nas enzimas, que não conseguíamos entender”, contou.
Eles também aprenderam que alguns sintomas podem levar dias ou semanas para aparecer.
“O cativeiro deixa marcas que o corpo lembra”, diz Steinman. “É possível ver todas essas camadas. Leva tempo para entender o que aconteceu com o corpo e com a alma deles.”
“Ainda estamos cuidando dos reféns que voltaram em janeiro e fevereiro e, a cada semana, descobrimos algo novo”, afirma.

Crédito, Reuters
A segunda lição é dar tempo. A equipe envolve um grande número de profissionais de diferentes áreas: nutricionistas, assistentes sociais, especialistas em saúde mental, além de toda a equipe médica.
Cada quarto privativo de reféns libertados tem uma placa de “não perturbe”. O clima de hotel é proposital, assim como os kits de cuidado, a decoração acolhedora, a iluminação suave, a cama hospitalar e os monitores. Há uma cama de solteiro extra para aqueles que não querem ficar sozinhos à noite, permitindo que um parente ou acompanhante durma ao lado. Os familiares mais próximos também têm quarto próprio, logo em frente ao do refém libertado.
“Você sabe que profissionais da saúde são orientados por tarefas. Há um cronograma. […] Mas aqui é preciso dar muito mais espaço. É preciso decidir o que é urgente e o que pode esperar dois dias. É necessário ser humilde e flexível, sem abrir mão da responsabilidade médica”, explica Steinman.
Entre essas responsabilidades está determinar o que os reféns, alguns dos quais podem ter perdido mais da metade do peso corporal durante o cativeiro, podem comer e com que rapidez.
A recuperação física é apenas parte da história. Karina Shwartz, diretora de serviço social do Centro Médico Rabin, é outra integrante chave da equipe, responsável não apenas pelos reféns, mas também por seus familiares mais próximos. Eles precisam calibrar delicadamente a dinâmica familiar, saber quando falar e quando permanecer em silêncio, diz ela.
“O mais importante é o que não estamos dizendo”, afirma. “Se estamos na sala e alguém nos conta algo muito difícil sobre quase ter morrido no cativeiro, e permanecemos em silêncio, é um silêncio muito alto.”
Mas, ao mesmo tempo, é preciso se conter. “Não podemos falar sobre dois anos em uma semana. Os reféns precisam de espaço e tempo. Também precisam de silêncio. Temos que ouvir. Ouvir a história deles.”

A equipe da unidade de retorno de reféns enfatiza que o trabalho não termina quando os reféns voltam para casa. A reabilitação médica e psicológica continuará, e os reféns também precisam ser preparados, diz Shwartz, para o momento “em que o mundo real chega”.
A mensagem que ela e sua equipe tentam transmitir aos reféns e às famílias é que todos vão querer vê-los. Durante dois anos, eles foram figuras públicas.
“Todos vão querer ser amigos. Dizemos a eles: é aceitável dizer não. É seguro dizer não”, afirma.
Por enquanto, o nervosismo em torno da expectativa da equipe é quase palpável.
“Vocês deveriam ver minhas mensagens no WhatsApp”, comenta Steinman. Ela diz que quase todos os 1.700 enfermeiros do complexo médico se ofereceram para fazer turnos extras na unidade.
“Você volta a ter esperança”, afirma. “Trabalhar aqui faz você perceber que a vida e os seres humanos são bons. Você percebe a força do espírito humano.”
Ainda assim, o maior prazer, segundo Steinman, será quando o trabalho terminar.
“Esta é a terceira vez que abrimos a unidade. Saber que será a última vez: que quando fecharmos este lugar e dissermos que a missão está cumprida, saberemos que o pesadelo acabou.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL