Os tempos eram bicudos, avessos à opulência. Em 1931, quando o Waldorf Astoria abriu suas portas, ocupando todo um quarteirão na Park avenue, em Manhattan, os americanos amargavam a Grande Depressão que se seguiu ao crack da Bolsa, dois anos antes.
Da Casa Branca, via rádio, o presidente Herbert Hoover comemorou, afirmando que a inauguração do então maior, mais alto e mais luxuoso hotel do planeta era “uma demonstração de coragem e confiança para toda a nação” naqueles momentos de penúria.
A história rima. Em 2025, o hotel reabre após uma reforma que e demorou oito anos e custou o equivalente a R$ 34 bilhões, quiçá a mais cara já feita. Isso no mesmo momento em que a maior cidade do país —a capital do mundo, vá lá— elege o socialista Zohran Mamdani, com planos de congelar aluguéis para tentar baratear a vida na metrópole.
Agora, o prédio de 47 andares em art déco concentra 375 suítes para hóspedes em seus pavimentos inferiores e 372 apartamentos residenciais nos superiores. A rede Hilton toca a operação hoteleira, que inclui três restaurantes, spa, academia e espaços de eventos, como o Grande Salão de Baile, renovado, mas mantendo elementos que remetem à sua história.
História, aliás, não se descola do Waldorf Astoria. Sua trajetória não só se confunde com a trajetória da própria Nova York como ajuda a explicar momentos-chave dos últimos 130 anos.
No final do século 19, primos rivais da endinheirada família Astor ergueram dois hotéis vizinhos, o Waldorf e o Astoria, em plena Quinta avenida. Um corredor de 300 metros ligava os locais e foi apelidado de Peacock Alley, em referência aos aristocratas e emergentes que se pavoneavam ali (peacock é pavão em inglês).
Os dois prédios seriam demolidos na década de 1920 para a construção do Empire State, o edifício do King Kong, o que levou os Astor a reabrir o empreendimento alguns quarteirões mais ao norte, onde está até hoje. As obras, em 1930, consumiram materiais em números estrondosos: 27 mil toneladas de aço, 11 milhões de tijolos, centenas de maçanetas de ouro.
Não demorou para virar xodó de chefes de Estado. Em 1946, representantes dos quatro vitoriosos da Segunda Guerra (EUA, União Soviética, Reino Unido e França) se reuniram para tratar dos espólios numa de suas suítes. No ano seguinte, grandes figurões hollywoodianos redigiram ali o Manifesto Waldorf, pedindo o banimento de simpatizantes do comunismo da indústria o cinema.
De Hoover a Obama, todos os presidentes americanos pernoitaram no Waldorf. A rainha Elizabeth e o Dalai Lama também. Imelda Marcos gastou muito a sola de seus sapatos naqueles salões, enquanto que Fidel Castro um dia adentrou com um punhado de galinhas vivas a tiracolo e pediu que lhe preparassem frangos —não foi atendido.
Frank Sinatra não só cantava para os hóspedes como chegou a morar ali por um período. Cary Grant, Elizabeth Taylor, Charlie Chaplin, Muhammad Ali e John Wayne estavam entre os habituês. Tanto é que o hotel ganhou o apelido de “Beverly Hills vertical”.
Conrad Hilton, magnata da rede que leva seu sobrenome, nunca disfarçou a inveja do empreendimento concorrente. Arrancou um anúncio de revista que falava do Waldorf Astoria e escreveu no recorte: “o maior de todos”. Em 1949, finalmente, compraria as operações do hotel. Hoje, sua anotação estampa um pôster na fachada, perto de onde um tapete vermelho recebe os hóspedes que chegam pela entrada da Park avenue.
Assim que se entra pelo lobby, o olhar é levado para as colunas neoclássicas que sustentam um pé-direito altíssimo. Há um grande mosaico no chão, composto por mais de 140 mil plaquinhas de mármore representando o ciclo da vida, inteiramente restaurado, e afrescos de inspiração renascentista.
Ele conduz ao lobby principal, onde as linhas retas dão a tudo uma cara de “Grande Gatsby”. No centro há um relógio britânico do século 19, pesando mais de duas toneladas, e um piano que pertenceu a Cole Porter —o compositor residiu naquele endereço por décadas. A recepção foi reduzida e deslocada para um canto, para que a aglomeração na hora do check-in não atrapalhe o fluxo.
Fica ali perto o Peacock Alley, cujo nome homenageia o corredor dos grã-finos de outrora, e serve bons coquetéis atrás de um balcão de madeira e sob a sombra de pesadas colunas de mármore negro. Outro restaurante é o Yoshoku, que faz uma releitura ocidental de clássicos japoneses, como o consomê de wagyu, e também serve omakassê (menu-degustação em várias etapas).
Mais animado é o Lex Yard, uma brasserie em estilo americano capitaneada pelo premiado chef Michael Anthony que serve de hambúrgueres a frutos do mar, uma das novas sensações foodies da cidade.
As suítes são requintadas, com móveis pesados, cama king-size, amplas janelas para Manhattan. Os banheiros combinam mármore claro e metais cromados, com banheira embutida feita com o mesmo tipo de pedra. Tudo muito clássico, com ares de refinamento discreto. No mês de janeiro, diárias saem a partir de US$ 1.036 (R$ 5.635).
Uma vez no Waldorf, não deixe de tentar visitar os espaços de eventos, caso estejam desocupados. O Salão Basildon parece saído de algum aposento palaciano francês do século 18, com cada centímetro de parede ricamente ornamentado. O Corredor Prateado, inspirado na Galeria dos Espelhos de Versalhes, tem o piso xadrez refletindo a luz que vem dos imensos candelabros de cristal.
Já o Grande Salão de Baile, a joia da coroa com três andares de camarotes, consegue reunir até 1.500 pessoas. No passado, sediou encontros diplomáticos, a primeira edição do Prêmio Tony e o último aniversário de John Kennedy, meses antes de seu assassinato. Costuma-se pensar que foi ali que Marilyn Monroe cantou para o então presidente o “feliz aniversário” mais insinuante que se tem notícia, mas isso se deu em outro templo histórico de Nova York, o Madison Square Garden.
A reabertura do Waldorf Astoria parece fazer aceno a uma Nova York exuberante e confiante num momento em que a cidade cogita taxar grandes fortunas, mas sem abrir mão de um belo lobby de mármore.
CONHEÇA FATOS QUE ACONTECERAM NO WALDORF ASTORIA
Um banquete…
O Grande Salão de Baile foi um dos principais palcos de encontros diplomáticos, literários e empresariais do século 20. Ali funcionava o maior departamento de banquetes do planeta.
…e uma bolacha
Em 1948, executivos da Columbia anunciaram ali o LP, o disco de vinil que mudaria a música. Em 1981, a IBM apresentou no hotel o seu primeiro computador pessoal, o PC.
Nas telas…
O Waldorf já foi cenário de dezenas de filmes e séries, entre eles “Um Príncipe em Nova York”, “Perfume de Mulher”, “Máfia no Divã”, “Prenda-me se For Capaz”, “Sex and the City” e “Família Soprano”.
…e nos pratos
O hotel popularizou os ovos beneditinos, o bolo red velvet e criou a salada Waldorf, com maçã e salsão — hoje presença até em restaurante por quilo brasileiro.
No olho do furacão…
Durante a Guerra Fria, o Waldorf Astoria virou uma extensão da ONU —líderes como Nikita Kruschev e Fidel Castro ficaram hospedados ali, transformando corredores e elevadores em zonas turbulentas.
…e no meio da madrugada
Frank Sinatra tinha apartamento no hotel e gostava de tocar piano tarde da noite —atraindo vizinhos ilustres para drinques improvisados e apresentações íntimas que nunca constaram na programação oficial.
Mordomia americana…
Primeiro hotel do mundo com telefones nos quartos, o Waldorf inaugurou o hábito hoje universal: pedir comida sem sair da cama —’serviço de quarto’.
…e dinheiro chinês
Em 2017, a seguradora chinesa Anbang, comandada pelo investidor Wu Xiaohui, comprou o edifício do Waldorf, mantendo a rede Hilton na operação hoteleira. Wu foi preso, acusado de fraude, e o Estado chinês assumiu a empresa, mas mantendo a reforma cujo custo total, incluindo o preço da aquisição do prédio, ficou em US$ 6 bilhões (R$ 34 milhões).
O jornalista viajou a convite do hotel
Fonte.:Folha de S.Paulo


