Às vezes é preciso acreditar em contos de fadas, mesmo naqueles que levam mais tempo, quase uma carreira inteira. Em um domingo tomado pela chuva e em um das pistas mais icônicas na história da Fórmula 1, Nico Hulkenberg reescreveu sua história ao subir no pódio pela primeira vez.

Pode-se falar de uma espera que durou 239 GPs, mas não se trata apenas de uma estatística atualizada. É uma conquista genuína e merecida. A vitória da paciência, da perseverança silenciosa longe dos holofotes, de alguém que soube aproveitar a oportunidade mesmo quando parecia impossível que isso acontecesse, porque por trás do pódio em Silverstone há muito do melhor Hulkenberg.

Nico Hulkenberg, Sauber

Foto de: Andy Hone/ LAT Images via Getty Images

Parece quase paradoxal, especialmente considerando que apenas no dia anterior ele se classificou abaixo do esperado, longe dos padrões de um piloto que há anos tem tido as voltas de classificação como ponto forte. Exatamente como na Áustria, outro GP em que ele havia saído das últimas posições, faltou aquele feeling com a dianteira, uma confiança indispensável para atacar nas curvas.

No entanto, o que parecia destinado a ser uma corrida em tempo seco se transformou em uma corrida com chuva pouco antes da largada, abrindo novas oportunidades. E é exatamente nessas condições variáveis que você precisa saber como fazer os acertos certos na hora certa, observando o céu e confiando em um pouco de sorte.

A decisão de não parar antes da largada para colocar os pneus slicks foi acertada, mas foi a partir daí que começou um efeito dominó, o qual levou a decisão crucial de trocar o primeiro para o segundo conjunto de intermediários depois de cerca de dez voltas, por trás da qual há uma história interessante.

Nico Hulkenberg, Sauber

Foto de: Sam Bloxham / LAT Images via Getty Images

Apesar de o Safety Car Virtual ter diminuído o ritmo nos estágios iniciais, limitando as oportunidades de “limpar” a pista da água e acelerar a mudança para os pneus slicks, ficou claro que o asfalto estava secando cada vez mais rápido. Para aqueles que permaneceram nos intermediários, essas são as piores condições, pois o pneu tende a se desgastar  rapidamente.

Até mesmo Hulkenberg estava lutando para  manter o carro na pista, tentando resfriar os pneus nas seções ainda úmidas. O desgaste era tão rápido que, mesmo de dentro do carro, era possível ver as lascas saltando do pneu dianteiro esquerdo, que sofre mais em Silverstone.

No entanto, poucos se aventuraram a mudar para os compostos secos, embora a pista já estivesse pronta para os pneus slicks, como demonstrado por Lance Stroll. Durante o segundo Safety Car Virtual, a Aston Martin de fato chamou o canadense de volta para montar os pneus macios, recuperando rapidamente o tempo perdido com a parada.

O que preocupava as equipes era o retorno da chuva, previsto para alguns minutos depois, também na Sauber, com o risco de ter de parar duas vezes em poucas voltas. Na oitava volta, de fato, Hulkenberg foi informado de que a chuva voltaria em cerca de três voltas, molhando a pista novamente.

Nico Hulkenberg, Sauber

Foto de: Andy Hone / LAT Images via Getty Images

Foi nesse cenário que se desenrolou a cena decisiva nos bastidores. Estava sendo considerada a possibilidade de instalar um segundo conjunto de pneus intermediários, justamente porque o retorno da chuva teria colocado em desvantagem todos os pilotos que já haviam gastado o primeiro conjunto de pneus para pista molhada.

A escolha decisiva ocorreu na nona volta. Embora a equipe o tivesse instruído a ficar de fora e esperar para ver como o tempo evoluiria para não prejudicar um segundo jogo de intermediários, Hulkenberg resolveu o problema com as próprias mãos, ignorando a escolha da equipe e entrando nos boxes no último segundo para colocar pneus novos.

Felizmente, os mecânicos da Sauber haviam sido avisados dessa possibilidade e puderam reagir sem perder tempo, graças em parte à posição favorável do pit lane no final da reta dos boxes, último antes da saída.

Essa foi uma escolha decisiva porque, nas poucas voltas em que Hulkenberg correu com pneus novos, seus tempos melhoraram drasticamente, tanto que ele estabeleceu o recorde de tempo intermediário no último setor e até mesmo ganhou mais de dois segundos em relação aos pilotos que, em vez disso, permaneceram com os intermediários usados.

Nico Hulkenberg, Sauber

Foto de: Glenn Dunbar / LAT Images via Getty Images

Para se ter uma referência, foi nesse último setor que o alemão da Sauber ganhou quase três segundos sobre Lewis Hamilton e depois continuou a ganhar na passagem seguinte, aquela em que todos os pilotos voltaram aos boxes devido ao retorno da chuva.

Ali, a mágica aconteceu: se Hulkenberg não tivesse antecipado a parada quando decidiu voltar aos boxes, ele nunca teria tido o delta para voltar à frente de Hamilton, Pierre Gasly e Fernando Alonso, que ficaram presos no tráfego.

Essas voltas extras com pneus novos foram fundamentais para ultrapassar um grande grupo de pilotos e construir um pódio que era almejado, desejado a todo custo, especialmente quando, na segunda metade da corrida, alcançou Stroll e ganhou uma margem sobre Hamilton, criando uma  vantagem que forçou a Ferrari a ser ousada com escolhas estratégicas, talvez antecipando a última parada em uma volta a mais para retornar aos pneus slicks.

Foi nesse momento que surgiram a solidez e a experiência de Hulkenberg, que parou de perseguir um sonho e começou a vivê-lo, com coragem e instinto: qualidades que o tempo nunca desgastou, mas apenas colocou à espera da realização desse objetivo. Finalmente.

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