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6 de setembro de 2025

Ilhas do Atlântico têm marcas do início da Era da Extinção – 06/09/2025 – Reinaldo José Lopes

Ilhas do Atlântico têm marcas do início da Era da Extinção – 06/09/2025 – Reinaldo José Lopes

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Confesso que, até poucas semanas atrás, nunca tinha ouvido falar da Macaronésia. Esqueça a inevitável associação que o coitado do seu cérebro deve ter feito com a palavra “macarrão”: a etimologia do nome é bem mais nobre. Vem do grego “makáron néssoi”, “Ilhas dos Afortunados”. Alguns autores da Antiguidade acreditavam que os mais nobres entre os heróis da mitologia greco-romana iam morar nessa espécie de Paraíso terrestre, localizado em algum lugar do oceano Atlântico, após a morte.

O poder do mito, porém, não foi suficiente para proteger a Macaronésia do mundo real. Essas ilhas, dispostas num arco que vai dos Açores, a noroeste, até Cabo Verde, no sudoeste, foram o grande laboratório dos efeitos da Era das Navegações sobre ecossistemas frágeis e únicos. E definitivamente não podemos considerar afortunadas as espécies que as habitavam antes da chegada dos seres humanos.

Os números, elencados numa pesquisa publicada em edição recente da revista PNAS Nexus, infelizmente falam por si mesmos. Das espécies endêmicas da Macaronésia —ou seja, as que ocorrem apenas nesses arquipélagos atlânticos, e em nenhum outro lugar da Terra— desapareceram até agora metade das aves, 43% dos mamíferos e 28% dos répteis. Tudo indica que os números são subestimativas.

O levantamento, que tem como primeiro autor o espanhol José María Fernández- Palacios, da Universidade de La Laguna, abrange ainda, além dos Açores e de Cabo Verde, o arquipélago da Madeira e as ilhas Canárias (respectivamente território português, ex-colônia lusa, outro arquipélago pertencente a Portugal e território da Espanha).

Não é por acaso, claro, que a Universidade de La Laguna fica nas Canárias, nem que, com exceção dessas ilhas espanholas, todos os demais arquipélagos tenham recebido uma população humana permanente apenas do século 15 em diante, quando navegadores ibéricos iniciaram o processo que culminaria com a chegada às Índias e a descoberta do continente americano.

Estão, portanto, entre os primeiros lugares a serem colonizados “do zero” pela nossa espécie desde a Idade da Pedra, e justamente num momento em que a intensificação tecnológica e econômica estava prestes a iniciar uma decolagem em nível global. Por serem ilhas, também são particularmente vulneráveis do ponto de vista ecológico, seja pelo espaço limitado com que as espécies nativas podem contar, seja porque seres vivos que evoluem em ambiente insular tendem a perder o costume de enfrentar competidores e predadores aguerridos, vindos de outros locais.

A comparação do registro fóssil das ilhas antes da chegada do Homo sapiens com o que aconteceu do século 15 para cá (ou do começo da Era Cristã para cá, no caso das Canárias) é de cair o queixo. A taxa de extinção de vertebrados no conjunto dos arquipélagos aumentou mais de 12 mil vezes nesse período —antes, acontecia uma extinção a cada 662 mil anos nas ilhas.

Foi-se a saracura-de-são-jorge (Rallus nanus), dos Açores. Foi-se a corujinha-da-madeira (Otus-mauli). Foram-se duas espécies de codornas açorianas que nem chegaram a ser descritas formalmente. Assim começou a Era da Extinção. E ainda tem quem ache que a gente não teve nada a ver com isso no passado e não deveria esquentar a cabeça com o presente e com o futuro.


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Fonte.:Folha de S.Paulo

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