
Crédito, Leire Ventas / BBC News Mundo
- Author, Leire Ventas e Max Matza
- Role, BBC News Mundo e BBC News
Duas mulheres permanecem deitadas e imóveis entre as intermináveis fileiras de amoreiras.
Ao notar nossa presença na estufa, levantam apenas alguns centímetros do chão e nos observam com medo.
“Você é do ICE?”, pergunta uma delas, usando um boné e um lenço roxo que cobre o rosto e só deixa os olhos à mostra.
“E você viu alguma caminhonete da Migra? Estão patrulhando por aí?”, pergunta.
Mexicana e sem documentos, ela colhe amoras, framboesas e outras frutas das seis da manhã até duas da tarde em Oxnard, um município da Califórnia que se orgulha de ser “a capital mundial do morango”.
Mas hoje, ao terminar sua jornada, ela espera alguém vir buscá-la para não correr o mesmo destino de outras pessoas na mesma situação migratória que, no dia anterior, foram detidas quando estavam a caminho de casa.

Crédito, Leire Ventas / BBC News Mundo
Imigrantes sem documentos são 40% do setor
Desde que Trump retornou à Casa Branca, em janeiro, com a promessa de realizar “a maior deportação da história do país”, as detenções de imigrantes sem documentos têm se multiplicado.
Elas têm acontecido em ruas, igrejas, escolas, tribunais e, cada vez mais, em locais de trabalho.
Até o início de junho, o setor agrícola parecia ter escapado dessas ações, apesar de mais de 40% dos trabalhadores não possuírem documentos para viver no país, segundo uma estimativa de 2022 do Departamento de Agricultura.
Na Califórnia, esse número chega a 50%, de acordo com uma pesquisa da Universidade da Califórnia, em Merced. Segundo os cálculos do Centro de Estudos de Migração, os trabalhadores rurais representam cerca de 4% de toda a força de trabalho indocumentada do país.

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Contudo, na terça-feira (10/06), o alarme pela presença de agentes de imigração se espalhou pelos campos da Califórnia, desde a costa central até o vale de San Joaquín.
Embora o Departamento de Segurança Nacional (DHS, na sigla em inglês) não tenha confirmado em quais áreas se concentram as batidas, grupos em defesa dos imigrantes afirmam ter recebido ligações, vídeos e mensagens de texto relatando ações em diversos condados.
Em Oxnard, entre hectares de plantações e estufas a cerca de 100 quilômetros a noroeste de Los Angeles, os agentes do ICE entraram em ao menos nove fazendas e prenderam 35 pessoas.
A informação foi confirmada por Lucas Zucker, codiretor executivo da CAUSE, uma organização que trabalha defendendo os direitos dos trabalhadores agrícolas.
“Pareceu uma operação incrivelmente indiscriminada, como se tivessem ido de fazenda em fazenda tentando pegar quem aparecesse”, afirma.
De acordo com Zucker, muitos estabelecimentos na região não permitiram a entrada dos agentes, já que eles não portavam ordens judiciais.
“Isso mostra que eles não têm ordens de prisão contra pessoas específicas. Simplesmente estão fazendo batidas em comunidades como Oxnard, em uma busca indiscriminada para cumprir com as cotas de detenção estabelecidas.”

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Nessa mesma linha, o “czar da fronteira” de Trump, Tom Homan, adiantou que haveria mais operações em locais de trabalho “como nunca antes na história”.
Contudo, durante uma reunião de gabinete em 10 de abril, Trump havia sugerido que os donos das fazendas poderiam solicitar ao governo federal autorização para manter alguns de seus trabalhadores, desde que eles deixassem o país primeiro e depois voltassem legalmente com apoio dos empregadores.
“O trabalhador agrícola virá com uma carta assinada por certas pessoas dizendo: ‘É ótimo, trabalha duro’. Então, vamos aliviar um pouco a situação para eles e, no fim, vamos trazê-los de volta. Eles vão sair e vão voltar como legais”, disse.
Diante das batidas em Oxnard, o presidente recuou parcialmente desse suposto plano.
“Nossos grandes agricultores e pessoas na indústria hoteleira e de lazer têm dito que nossa política de imigração extremamente agressiva está tirando deles trabalhadores muito bons, que estão com eles há muito tempo e que são quase impossíveis de substituir”, escreveu Trump em sua rede social, a TruthSocial, na última quinta-feira (12/06).
Ele acrescentou que, em muitos casos, são “os criminosos que foram autorizados a entrar no país pela política extremamente estúpida de fronteiras abertas”, que estão ocupando esses empregos.
“Isso não é bom. Devemos proteger nossos agricultores, mas tirar os criminosos dos EUA. Mudanças estão chegando”, completou Trump.
Durante uma das batidas registradas em Oxnard, os agentes da imigração tentaram entrar em uma empacotadora da Boskovich Farms.
Raquel Pérez conta que viu “duas caminhonetes da Patrulha de Fronteira [CBP, na sigla em inglês] e outra sem identificação” passando em direção à empresa, enquanto ela estava em seu restaurante, o Casa Grande Café, que fica a 30 metros dali.
Ao mostrar um vídeo do momento à BBC, ela lembra que, ao cruzar o olhar com os agentes, se sentiu “muito intimidada” e assustada, mesmo sendo cidadã americana de nascimento.

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Quem sentiu ainda mais medo foi uma amiga de Raquel, que não tem documentos e trabalha na colheita de morangos.
Ao escutar que as patrulhas estavam na região, os responsáveis pelos campos fecharam os acessos para impedir qualquer batida. Mas, como ela precisava pegar a estrada e atravessar a cidade para ir para casa, ligou para o restaurante pedindo ajuda.
O pai de Raquel, Miguel Pérez, foi até o cruzamento indicado para verificar se havia algum bloqueio do ICE. Como não encontrou nada, foi abrindo caminho até que ela chegasse em casa em segurança.
“Ela pediu todos os dias de folga que tinha direito para ficar em casa. Não quer nem levar os filhos para a escola”, disse Raquel.
Esse medo generalizado na comunidade também está impactando o restaurante dos Pérez, onde servem pratos típicos mexicanos.
“Aqui temos clientes fixos, mas hoje não veio ninguém”, explica Paula, mãe de Raquel. “Estamos todos com os cabelos em pé.”

Crédito, Leire Ventas / BBC News Mundo
A loja de pallets que fica a alguns metros do restaurante — e de onde costumam vir alguns clientes — também estava completamente vazia. Havia pouquíssimos carros no estacionamento em frente, e as oficinas mecânicas na esquina nem chegaram a abrir as portas.
“Estamos há 18 anos aqui e nunca vimos algo assim”, disse Raquel.
Na porta do estabelecimento foi colado um papel lembrando alguns direitos constitucionais e resumindo os passos que devem ser seguidos ao interagir com agentes de imigração.
No balcão há uma série de panfletos da organização 805 Immigration Coalition, com um número de telefone para reportar a presença de patrulhas.
“Eles não se dão conta do efeito dominó que isso vai causar”, disse Raquel sobre as batidas.
“Se os morangos e os vegetais não forem colhidos, as empresas não terão o que empacotar. Os caminhões não virão para levar a carga. Os produtos vão desaparecer da prateleira e os preços vão disparar.”

Crédito, Leire Ventas/ BBC News Mundo
Por enquanto, Óscar, que vende morangos na beira da estrada, já começou a sentir alguns efeitos.
“Menos gente está saindo na rua e, consequentemente, menos gente compra”, lamenta.
Natural de Tlaxcala, no México, e com filhos nascidos nos Estados Unidos, ele segue sem documentos.
“Estou em processo de regularização”, disse à BBC.
Agora, em virtude das batidas que têm chegado às portas dos tribunais de imigração, ele tem dúvidas sobre qual caminho seguir.
“É que já não restam muitas opções para conseguir ficar legal aqui.”
Fonte.:BBC NEWS BRASIL