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6 de setembro de 2025

Indígenas: Podcast motiva pedido de nova apuração de morte – 04/09/2025 – Cotidiano

Indígenas: Podcast motiva pedido de nova apuração de morte – 04/09/2025 – Cotidiano

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A Defensoria Pública do Amazonas apresentou à Justiça, na última sexta-feira (29), um pedido de reabertura do inquérito policial que investigou a morte de Tadeo Kulina, um indígena de recente contato que desapareceu de uma maternidade em Manaus e que foi encontrado morto, no IML (Instituto Médico-Legal) da cidade, mais de uma semana depois.

A petição, elaborada pelo núcleo especializado em defesa dos direitos dos povos indígenas, foi encaminhada para manifestação do Ministério Público no mesmo dia. A Justiça fez o encaminhamento e anotou “processo desarquivado” no andamento processual. A Polícia Civil do Amazonas havia concluído pelo arquivamento.

Na segunda (1º), uma nova petição, assinada pelo advogado Mauricio Terena, foi protocolada no mesmo processo. Como defensor da Opiju (Organização dos Povos Indígenas da Calha do Rio Juruá), Terena pediu o desarquivamento do inquérito e um declínio de competência para a esfera federal, o que significaria uma nova investigação, a ser conduzida pela PF (Polícia Federal).

Os dois pedidos se basearam no podcast “Dois Mundos”, da Folha, veiculado no site do jornal e no feed do Café da Manhã no Spotify, em quatro episódios, aos sábados, em maio e junho deste ano. A manifestação da Promotoria do Amazonas determinará os rumos de eventual reabertura do caso na Justiça.

A série revelou novas provas sobre o que aconteceu com Tadeo em Manaus, a partir de uma reconstituição de todos os caminhos feitos. Tadeo e a mulher, Ccorima Kulina, deixaram a aldeia onde moravam, no médio rio Juruá, e percorreram mais de 1,2 mil km –primeiro, em uma pequena embarcação, e depois, em uma UTI aérea –até a capital do Amazonas.

Ccorima estava na fase final de gestação, e a gravidez era de altíssimo risco. Ela e a bebê ficaram bem após o parto numa maternidade pública em Manaus, mas Tadeo desapareceu e foi encontrado morto com várias marcas de agressão, em fevereiro de 2024.

O trabalho de apuração para o podcast envolveu escuta de dezenas de testemunhas e pessoas próximas do caso, acesso a centenas de páginas de documentos, cruzamento de informações e construção de uma linha do tempo detalhada sobre o que aconteceu.

O podcast mostrou ainda uma série de falhas na investigação da Polícia Civil do Amazonas sobre a morte de Tadeo. O caso era tratado como um homicídio, e a investigação apontou, ao fim, morte acidental, com pedido de arquivamento do inquérito.

A petição reproduz trechos de um dos episódios do podcast, mais especificamente os depoimentos colhidos pela reportagem no lava a jato para onde Tadeo teria se dirigido após deixar a maternidade. Uma queda no fosso existente na parte de trás do lava a jato foi apontada pela polícia como a causa da morte do indígena.

“As duas senhoras [testemunhas ouvidas pela podcast] trazem elemento novo que merece melhor esclarecimento”, cita a petição. “Elas afirmam que, tanto após as quedas quanto no momento em que os policiais abriram a viatura para liberar Tadeo na saída da delegacia, ele estava bem, o que aparentemente contraria o depoimento dos policiais militares.”

Os defensores públicos Daniele dos Santos Fernandes e João Gustavo Fonseca reproduzem na petição documentos do atendimento médico prestado a Tadeo no Hospital João Lúcio, um “elemento probatório relevante que não constava do presente inquérito policial”. “Dois Mundos” detalhou parte dessas informações.

A Defensoria Pública atua no caso em defesa da mãe e de um irmão de Tadeo. Os familiares também foram representados pela Opiju e pelo advogado Mauricio Terena, na segunda petição protocolada junto à 3ª Vara do Tribunal do Júri de Manaus, onde tramitou o processo original.

Terena diz que o fato de nenhum familiar de Tadeo ter sido ouvido no inquérito “causa surpresa”.

“Ao negar voz à família, negou-se igualmente o direito de todo o povo kulina de participar da busca por justiça, reiterando o ciclo de invisibilidade que historicamente lhes é imposto”, diz a petição.


Os quatro episódios da série Dois Mundos

Episódio 1: Nascimento e morte

O repórter Vinicius Sassine conduz uma busca por respostas sobre o caso de Tadeo Kulina em Manaus, a partir de um dado inesperado fornecido pela polícia do Amazonas oito meses após a morte do indígena.

Episódio 2: À margem

O casal Kulina fez uma primeira parada no município mais próximo da aldeia, no médio rio Juruá. Profissionais do hospital contam como encontraram Tadeo e Ccorima. Nas cidades, indígenas vivenciam desamparo e preconceito.

Episódio 3: Nas curvas de um rio

Na aldeia onde Tadeo foi enterrado, indígenas contam quem era o jovem pai de família e relatam marcas de espancamento em diferentes partes do corpo. Ccorima e parentes da aldeia onde ela vive detalham os dias após o que aconteceu em Manaus.

Episódio 4: A investigação

Documentos apontam uma série de falhas da investigação da polícia do Amazonas sobre a morte de Tadeo. O relatório final ignorou laudos e contradições de testemunhas. A desassistência em saúde a Ccorima também foi documentada.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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