
Crédito, Serenity Strull/Getty Images/BBC
- Author, Thomas Germain*
- Role, BBC Future
Em 2010, a curadora de arquitetura e design Paola Antonelli, do Museu de Arte Moderna de Nova York, nos Estados Unidos, tomou uma decisão audaciosa.
“Eu queria uma exposição de objetos que demonstrasse que todos podem ter uma exposição com qualidade de museu dentro da sua gaveta”, explicou ela.
“Isso inclui o bloco de Post-it, M&Ms, o clipe de papel, OXO Good Grips [um conjunto popular de utensílios de cozinha], objetos que são tão incorporados às nossas vidas e funcionam tão bem que nem prestamos mais atenção neles.”
“Parte da função de um museu, especialmente ao isolar esses objetos, é criar dramatização e distanciamento, permitindo que as pessoas os observem com olhares diferentes”, afirma Antonelli.
“De repente, você é surpreendido pela história por trás deles. Você percebe que existe ali todo um universo.”
Quando ela definiu a exposição, a decisão pareceu óbvia. Antonelli comprou o símbolo @ para a coleção permanente do museu.
Pare por um minuto e observe as saliências e depressões do seu teclado. Símbolos de moedas à parte, talvez não haja outro caractere com mais peso cultural do que @.
A arroba é o encanamento da internet. Ela conecta o seu e-mail e destaca o seu nome de usuário no fluxo de texto. Provavelmente, você já a utilizou hoje.
É claro que &, #, % e * são sinais úteis e onipresentes. Mas como o símbolo @ conseguiu tanto poder?
Pode parecer um fenômeno típico da atualidade. Mas, oculto entre as curvas deste pequeno “a” enfeitado, existe uma história que remonta a milhares de anos atrás.
Ela atravessa barreiras nacionais, culturais e linguísticas que este sinal cruzou para abrir caminho pelas páginas da história humana.

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“Trata-se de uma abreviação, afirma Keith Houston, autor do livro Shady Characters: The Secret History of Punctuation (“Caracteres obscuros: a história secreta da pontuação”, em tradução livre).
A única questão é qual seria o seu significado original. E um ponto é claro: existe uma conexão com a cerâmica.
Os antigos gregos se orgulhavam de um estilo de vaso de argila chamado ânfora.
Você certamente já as observou em algum lugar. As ânforas são altas e esculturais, com duas alças e um longo gargalo.
Elas eram usadas para armazenar vinho, cereais, óleo de oliva e outros produtos. A prática se manteve no Mediterrâneo e em outros lugares por séculos. E, com o passar do tempo, a ânfora passou a ser uma unidade padrão de medida.
“Os comerciantes precisavam comunicar frequentemente a ideia de que ‘vou vender a você uma certa quantidade de ânforas de alguma coisa a um preço específico'”, segundo Houston. Até que, por fim, as pessoas começaram a desenhar a letra “a” com uma cauda longa em torno dela, eliminando o restante das letras.
No dia 4 de maio de 1536, um comerciante chamado Francesco Lapi escreveu uma carta de Sevilha, na Espanha, para Roma (hoje, na Itália). Ele disse que uma ânfora de vinho valia cerca de 70 ou 80 ducados, usando o sinal @ para designar “ânfora”.
Este é o primeiro exemplo conhecido de uso de @ no sentido moderno, mas não é a cópia mais antiga do símbolo.
Podemos encontrar @ nas páginas de um manuscrito búlgaro de 1375, mas sem significado discernível. Trata-se apenas de um floreamento da primeira letra da palavra “amém”.

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Depois de centenas de anos de sucesso, as ânforas acabaram caindo em desuso. Mas o sinal @ permaneceu entre os contadores e registradores, para indicar o preço das mercadorias.
“Isso ocorreu graças às máquinas de escrever, que se difundiram primeiramente nos Estados Unidos, no século 19”, explica o professor de tipografia Gerry Leonidas, da Universidade de Reading, no Reino Unido.
Isso ocorreu, em parte, devido à explosão dos catálogos de compras pelo correio nos Estados Unidos, segundo ele. Este tipo de comércio gerou imensas necessidades de administração e, por fim, toda uma classe de datilógrafos profissionais.
“A máquina de escrever é essencialmente uma forma de minimizar os riscos ocasionados pela má caligrafia das pessoas, aumentando a eficiência e a previsibilidade da administração dos escritórios”, explica Leonidas.
As máquinas de escrever eram tão caras e complexas que alguns modelos não tinham os algarismos “um” e “zero”. Você simplesmente datilografava as letras “O” e “I” (ou “l”). Mas a inclusão de @ já era necessária no final do século 19.
“E, como as máquinas de escrever estão relacionadas aos processos comerciais e contábeis, @ sobreviveu ao longo de diferentes gerações de máquinas de escrever, exatamente porque desempenha esse papel fundamental”, segundo o professor.
Quando os computadores ganharam teclados, @ veio com eles. Mas não era particularmente útil, a menos que você fosse contador.
Tomlinson imaginou que as pessoas talvez quisessem enviar mensagens umas às outras e começou a trabalhar nesta ideia.
Enquanto escrevia o código, ele precisava de uma forma de indicar onde cada pessoa específica ficava dentro da rede. E, olhando para o teclado, lá estava o símbolo que ele procurava.
Foi assim que Tomlinson retirou @ do jargão comercial e o fincou no meio do endereço digital. E, em 1971, ele enviou o primeiro e-mail.
À medida que a internet ultrapassava as fronteiras americanas e dominava a cultura humana no meio século seguinte, @ seguiu ao seu lado. Mas, conforme o símbolo se espalhava pelo mundo, algo curioso aconteceu. Ele começou a ganhar novos nomes.
Os italianos, hoje, chamam o sinal @ de chiocciola (“caracol“). É fácil perceber a semelhança.
Em hebraico, às vezes, @ é chamado de strudel. Em checo, é zavináč, o nome dado a uma conserva de arenque enrolado em um cilindro, normalmente com um recheio saboroso.
Os russos, às vezes, chamam @ de sobaka, que significa “cachorro”. De fato, ele parece um animal de estimação enrolado para dormir, pelo menos se você olhar de relance.
O nome russo gerou um longo histórico de brincadeiras fofas. Se você começar a estudar russo e ouvir alguém dizer “escreva para mim no cachorrinho”, já sabe o que isso significa.
“Atualmente, muitos dizem apenas at (em). Muita coisa passou a se falar em inglês nos últimos 25 anos”, afirma o consultor de gerência freelancer Nick Fransen, da Bélgica — um país onde você pode crescer falando flamengo (também chamado de “holandês da Bélgica”), francês ou alemão, dependendo de onde morar.
“Mas, alguns dias atrás, eu conversava com uma pessoa idosa que não falava muitos termos em inglês e voltei a chamar @ de apenstaartje, sem nem mesmo pensar a respeito”, ele conta.
Apenstaartje é o nome tradicional holandês do símbolo @, que significa “rabo de macaco”.
Em inglês, seu nome é apenas at (“em”), mas às vezes é designado “em comercial”, devido à sua conexão com o mundo dos negócios.

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O nome do símbolo @ em português e espanhol, “arroba”, é uma antiga medida de volume, como a ânfora. Mas é também uma unidade de peso e equivale, no Brasil, a 15 kg.
Mas o símbolo @ costuma ser usado hoje em dia, nos dois idiomas, para indicar gênero neutro. O símbolo substitui as letras “o” (para o masculino) e “a” (para o feminino).
Por isso, quando escrevemos amig@s, por exemplo, estamos sendo mais inclusivos.
“O motivo de @ não ter um nome especial em inglês é porque a sua definição inicial é muito clara e facilmente transmitida”, explica Leonidas.
“Mas, à medida que as pessoas começam a adaptar esses símbolos para seus idiomas locais, eles precisam de uma forma de se lembrar dele.”
“Alguém entrega a você um computador, você olha para ele e descreve sua aparência, em vez de procurar seu nome. Em grego, chamamos de ‘patinho'”, ele conta.
Da mesma forma que Tomlinson adotou este símbolo curvilíneo para seu próprio trabalho, @ continua a ser reinterpretado para outros fins.
“Existe algo muito interessante sobre @, que acho único”, destaca Leonidas. “É o que acontece ao lado do símbolo.
Ao escrever seu nome, você usa letras maiúsculas e inclui um espaço entre o primeiro nome e o sobrenome.
“Mas @, como identificador, obriga o uso de caixa baixa nos nomes e a eliminação completa dos espaços”, explica ele. “Precisamos inventar uma única palavra exclusiva para nós mesmos. Isso nos força a pensar como devemos apresentar nossa identidade.”
Pesquisas indicam algo que, provavelmente, você já vivenciou. Em algum nível, escolher um nome de usuário pode ser um processo carregado de emoções.
Normalmente, as pessoas não querem apenas que suas identificações sejam únicas. Elas querem que elas pareçam corretas, que as representem, que pareçam boas e expressem algo sobre sua personalidade ou identidade.
Os nomes de usuários são utilizados para expressar quem somos ou para criar uma personalidade online, separada da nossa identidade no mundo real.
Os linguistas que estudam a cultura online já encontraram nomes de usuários tão ligados ao nosso senso próprio que alterá-los pode ser algo estranhamente íntimo, quase como mudar o nosso nome ou nossa aparência offline.
E, nos principais pontos da internet, @ é inseparável da nossa identidade online.
‘Pequeno umbigo’
É claro que temos fortes sentimentos sobre @, segundo Leonidas. O símbolo está ligado à nossa compreensão como ser humano.
A exibição Pirouette: Turning Points in Design (“Pirueta: reviravoltas no design”, em tradução livre), em cartaz no Museu de Arte Moderna de Nova York, oferece um ambiente longe do seu teclado para apreciar o sinal @, milhares de anos após suas raízes na cerâmica da Grécia antiga.
“Fomos treinados, até aqui, para compreender como são feitos os filmes ou como é composta uma música”, destaca Antonelli. “Mas não fomos treinados a fazer o mesmo com os objetos.”
“O que quero realmente transmitir sobre @ é a mesma satisfação, o momento heureca, a sensação de felicidade e o orgulho de fazer parte do mundo do design, que senti ao perceber tudo o que existe naquele pequeno símbolo em forma de umbigo.”
* Thomas Germain é jornalista da BBC, especializado em tecnologia. Ele escreve há quase uma década sobre inteligência artificial, privacidade e os confins mais profundos da cultura da internet. Seu nome de usuário é @thomasgermain no X (antigo Twitter) e no TikTok.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL