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Introdução
Novas diretrizes britânicas desmistificam o puro e simples conselho de “coma mais fibras” para constipação crônica. O foco migra para tipo e qualidade da fibra, além da construção de dietas individualizadas. O documento também testou as estratégias mais eficazes para o tratamento: consumo de psyllium, kiwi e óxido de magnésio se destacam como aliados, enquanto o aumento indiscriminado de fibras pode até agravar o problema.
- Primeira diretriz específica sobre dietas para constipação crônica de causa desconhecida foi publicada este ano.
- Segundo o documento, a dica de “coma mais fibras” para tratar a condição é simplista: tipo e qualidade do nutriente são mais importantes para constipação crônica do que a quantidade.
- Psyllium e Kiwi são as estrelas: ambos apresentam as maiores evidências de benefícios para o alívio do intestino preso.
- Outros grandes aliados são os suplementos de óxido de magnésio e a ingestão de água mineralizada, que mostram eficácia na melhora dos sintomas.
- Ainda, pão de centeio e ameixas secas são ótimas opções para a dieta.
- Cuidado com o exagero: o aumento indiscriminado de fibras pode manter ou até agravar a constipação, dependendo do tipo.
- Abordagem personalizada: a indicação deve ser individualizada, priorizando fibras solúveis e viscosas e garantindo boa hidratação.
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Resumo gerado por ferramenta de IA treinada pela redação da Editora Abril.
Se você sofre com intestino preso, é bem possível que já tenha ouvido o clássico conselho: “coma mais fibras”. De fato, a dica é válida. Mas as coisas não são tão simples quanto se imaginava. É o que mostra um novo e robusto conjunto de diretrizes da Associação Dietética Britânica (BDA, na sigla em inglês), lançado este ano.
O trabalho é o primeiro deste porte a avaliar o efeito da alimentação na constipação crônica. A entidade mergulhou em estudos sobre constipação e alimentação e encontrou conclusões que fogem do senso comum.
A principal delas, segundo a diretriz, é que não há evidências científicas sólidas de que investir em uma dieta com muita fibra desobstrua o trânsito intestinal.
Mas, calma. Isso não quer dizer que esses nutrientes devam ser abandonados. O que se sabe é que, talvez, importe menos a quantidade e mais o tipo e qualidade da fibra. Ademais, também pesa saber para quem cada variedade está sendo indicada.
“O foco deve migrar de ‘aumentar fibras’ para selecionar o tipo certo de fibra, individualizando a abordagem”, explica Isabella Caixeta, nutricionista atuante em Controle de Qualidade e Segurança de Alimentos no Oba Hortifruti.
O que a diretriz diz sobre suplementos de fibra
Os pesquisadores encontraram apenas um ensaio clínico que comparou os efeitos de uma dieta rica e uma pobre em fibras entre pessoas com constipação.
O que eles concluíram disso foi que não há provas de que consumir muitas fibras de fontes variadas faça diferença. O que se sabe mesmo é que alguns suplementos e alimentos específicos têm benefícios comprovados.
Além disso, a BDA registrou que, curiosamente, alguns suplementos podem causar reações como aumento de gases e inchaço. Eu sei, parece confuso, mas Isabella explica:
“Embora, historicamente, tenha se recomendado o aumento generalizado de fibras para melhorar o trânsito intestinal, evidências recentes mostram que nem todos os tipos exercem o mesmo efeito. Em alguns casos, o aumento indiscriminado pode manter ou até agravar a constipação”, alerta.
Portanto, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a população geral consuma de 25 a 35 gramas de fibras por dia, seja qual for a fonte, a BDA aponta que, no caso da constipação crônica, uma dose de, no mínimo, 10 gramas de suplementos de fibras específicos já pode ajudar.
Além de indicar o abandono às dietas genéricas, a diretriz também descreve as estratégias alimentares contra a constipação com maiores evidências de benefícios. Nesse tópico, saíram como estrelas o psyllium, suplemento que já recebeu até o apelido de “Ozempic do pobre“, e, para a surpresa de muitos, o kiwi.
A seguir, confira quais são os melhores alimentos, suplementos e outros pontos recomendados no documento.
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Como as diretrizes nasceram
A BDA reuniu quatro grandes revisões sistemáticas e meta-análises, com 75 ensaios clínicos, e disso saíram 59 recomendações. O guia é considerado um marco. É a primeira vez que algo tão específico sobre dietas para constipação é publicado.
A equipe analisou estudos com suplementos (de fibras, probióticos, simbióticos ou minerais), alimentos e bebidas. Só entraram na conta ensaios clínicos randomizados com grupo placebo, exceto quando o desenho era inviável.
Os resultados foram organizados por cinco desfechos: frequência das evacuações, consistência das fezes, sintomas intestinais, qualidade de vida e efeitos adversos.
Mas é importante dizer que apenas oito das recomendações foram classificadas como apoiadas por evidências moderadas. A maioria é de baixa ou muito baixa certeza. Mas isso não impediu que 27 delas fossem classificadas como “recomendações fortes” com base no consenso de especialistas e por serem consideras seguras, baratas e plausíveis.
Agora, veja o que foi indicado:
Suplementação de fibra: ponto para o psyllium
Entre os suplementos, o psyllium é o que tem mais evidência de benefícios, apesar de ainda ser classificada como “baixa”. A BDA chegou ao consenso de que ele ajuda a aumentar a frequência das evacuações, amolecer as fezes e reduzir o esforço para ir ao banheiro.
Outras fibras suplementadas que foram testadas não tiveram o mesmo desempenho. Polidextrose e galacto-oligossacarídeos, por exemplo, não mostraram melhora clara. Já a inulina mostrou que pode, sim, deixar as fezes mais macias, mas ao custo de mais gases, e sem aumento na frequência das idas ao banheiro.
Não quer dizer que é para largá-las. A BDA recomenda aos profissionais que, ao indicar inulina, orientem os pacientes sobre possíveis efeitos colaterais e observem os resultados individuais.
Consumir, pelo menos, 10 gramas de fibra ao dia, especialmente o psyllium, começando com doses menores para evitar possíveis desconfortos. O ideal é ingerir por, no mínimo, quatro semanas. Vale lembrar que esta é uma indicação específica para as pessoas com o quadro crônico de constipação.
Além disso, os suplementos devem ser acompanhados de ingestão adicional de líquidos.
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Fibras vindas dos alimentos
No campo dos alimentos in natura, os britânicos consideraram as evidências mais tímidas. Ainda existem poucos estudos sobre o efeito de alimentos com fibras para o tratamento da constipação crônica. Apesar disso, figo, manga, farelo de aveia, linhaça e alguns cereais parecem promissores, mas, diz o documento, ainda há poucos resultados consistentes.
Entre as opções avaliadas, três chamaram mais atenção: o kiwi, o pão de centeio e a ameixa seca.
Kiwi é a grande estrela da diretriz. Em estudos observados, o consumo de duas a três unidades por dia por quatro semanas mostrou em resultados como redução de inchaço, dor e gases. Também foi apontado que ele pode ajudar na constipação quando combinado ao psyllium. Mas os resultados não se estendem aos suplementos de kiwi, que mostraram alívio para a dor abdominal, mas não para a prisão de ventre.
Ameixas secas já são tradicionalmente conhecidas por ‘soltar o intestino’. Os pesquisadores, então, decidiram comparar os seus efeitos ao do psyllium. De resultado, elas mostraram que têm potencial para um efeito comparável ao suplemento, mas ainda não há nada conclusivo.
O pão de centeio também ajudou. Segundo a meta-análise, seis a oito fatias por dia por três semanas podem aumentar a frequência das evacuações. No entanto, algumas pessoas relatam piora leve dos sintomas. Portanto, o uso deve ser seletivo.
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Suplementação com óxido de magnésio
Suplementos de óxido de magnésio mostraram que podem melhorar a frequência das evacuações, sintomas e até qualidade de vida, com baixa taxa de efeitos adversos. Por exemplo, dois estudos clínicos, feitos com cerca de 90 pessoas, mostraram que ele melhorou a constipação, reduzindo em média 3,2 pontos a gravidade dos sintomas em comparação a participantes que não fizeram o seu uso.
Dose de 0,5 a 1,5 gramas por dia durante por, pelo menos, quatro semanas. A dose pode ser aumentada aos poucos, semana a semana, começando com 0,5 gramas por dia, sempre observando como o corpo tolera o suplemento.
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Probióticos e simbióticos
Probióticos são micro-organismos vivos, principalmente bactérias “boas”, conhecidos como aliados do intestino. Na maior parte dos estudos, eles mostraram que são capazes de aumentar um pouco a frequência de evacuações e até dar uma força na redução dos gases.
Já a consistência das fezes não sofreu alterações nos casos de constipação. Também está claro o seu efeito sobre a dor, desconforto ou inchaço. Outro entrave é que, apesar dos benefícios, ainda não se sabe exatamente quais espécies ou cepas realmente funcionam, nem em qual dose.
Já os simbióticos – a união de probióticos com prebióticos (as fibras que servem de alimento para as bactérias boas) – chegam cheios de promessa, mas pouco resultado. Não há ainda comprovação de que eles possam mudar a frequência, consistência das fezes ou sintomas entre pessoas com o quadro.
Vale o teste. Os médicos podem orientar pacientes que querem provar os probióticos, recomendando o uso de uma marca de sua escolha por, pelo menos, quatro semanas.
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Água mineralizada
Em estudos, a água com alto teor de minerais aumentou em até 47% a chance de alguma resposta positiva contra a constipação em comparação com a água com baixo teor de minerais. Por isso, é uma forte recomendação. Apesar disso, ela parece não alterar a frequência das evacuações ou a dor abdominal.
Beber de 0,5 a 1,5 litros por dia de água mineralizada por duas a seis semanas pode ajudar na resposta ao tratamento.
Por que o kiwi e o psyllium fazem bem?
“O kiwi é uma das frutas com maior evidência científica para melhora da constipação crônica, e seus efeitos vão muito além do simples aporte de fibras”, aponta Isabella.
A fruta combina fibras solúveis e insolúveis em proporções equilibradas, o que ajuda a aumentar o volume das fezes sem provocar fermentação excessiva (ótima notícia para quem piora com gases ao ingerir esse tipo de nutriente). Ela também entrega bastante água e pequenas quantidades de sorbitol, um agente osmótico natural que favorece a hidratação das fezes e facilita a evacuação.
Um bônus especial é a presença da actinidina, enzima que pode modular o esvaziamento gastrintestinal e favorecer o trânsito intestinal.
Para os benefícios, Isabella recomenda o consumo do kiwi verde. “É a variedade com melhor evidência para constipação, devido ao maior
teor de fibras insolúveis, maior concentração de actinidina e presença equilibrada de sorbitol”, diz.
Já o psyllium brilha por outro caminho. Ele é uma fibra solúvel de alta viscosidade, capaz de formar um gel espesso no intestino. Esse gel aumenta o volume das fezes, melhora a hidratação e deixa o bolo fecal mais uniforme, favorecendo evacuações regulares e menos sofridas.
Como explica Isabella, o psyllium também se destaca por ter fermentação limitada, o que significa menos gases e menos desconforto abdominal – um contraste importante com fibras altamente fermentáveis, como a inulina.
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Como orientar a dieta
A nova diretriz reforça algo que muitos estudos antigos ignoravam: fibras não são todas iguais. Elas têm propriedades físico-químicas muito diferentes e essas diferenças moldam o impacto no intestino.
As recomendações globais sobre o consumo desses preciosos nutrientes têm como base benefícios cardiometabólicos e de saúde digestiva em geral, mas não especificamente a constipação.
De acordo com Isabella, as fibras solúveis e viscosas, como psyllium, pectinas e beta-glucanas, são preferíveis, pois formam um gel que retém água e aumenta o peso e a plasticidade das fezes.
Além disso, fibras muito fermentáveis, como a inulina, produzem gases e podem piorar sintomas em pessoas sensíveis.
Por isso, a nutricionista resume as seguintes recomendações:
- Priorizar fibras solúveis e viscosas, que têm melhor evidência para constipação;
- Evitar exageros de fibras insolúveis em quem já apresenta trânsito lento;
- Aumentar a ingestão de fibras de forma gradual, respeitando a tolerância individual;
- Garantir boa hidratação, indispensável para o efeito gelificante;
- Avaliar o padrão de motilidade do paciente para evitar recomendações genéricas.
“Em outras palavras, a diretriz não “derruba” o papel das fibras, mas mostra que a recomendação clássica “coma mais fibras” é ampla demais para funcionar para todo mundo“, conclui a nutricionista.
Portanto, o manejo precisa ser mais preciso, levando em conta o tipo certo de fibra para o tipo certo de intestino.
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Fonte.:Saúde Abril


