
Crédito, Getty Images
- Author, Daniel Gallas
- Role, Da BBC News em Londres
O governo do Pernambuco também noticiou que está investigando três possíveis casos semelhantes.
Casos parecidos já foram registrados em outros países — muitas vezes com grandes números de pacientes, altos índices de fatalidade e consequências graves para a vida de muitos contaminados.
Na Líbia, em 2013, mais de mil pessoas foram internadas com intoxicação por metanol — e 101 morreram em decorrência do problema. No ano seguinte, no Quênia, dois surtos resultaram em 467 casos, com 126 mortes — um índice de fatalidade de mais de 26%.
Em 2000, também no Quênia, uma crise semelhante já havia provocado pelo menos 140 mortes e 400 internações. Vinte pessoas ficaram permanentemente cegas. Na Rússia, mais de 70 pessoas morreram em dezembro de 2016.
O médico noruguês Knut Erik Hovda, da organização Médicos Sem Fronteiras, dedica mais de 20 anos ao estudo da intoxicação com metanol e esteve em diversos surtos atuando como médico e ajudando autoridades internacionais.
Ele disse à BBC News Brasil que a ação mais importante a ser tomada pelas autoridades públicas, quando começam a surgir casos de contaminação por metanol, é conscientizar as pessoas sobre o que está acontecendo.
“É importante divulgar a informação [sobre os casos de contaminação] para as pessoas. E mensagens como: tenha cuidado com o que você bebe ou procure um posto de saúde se você sentir sintomas”, diz Hovda.
Sintomas e diagnóstico
Os estragos da intoxicação por metanol podem ser contidos se o problema for tratado nos primeiros dias — reduzindo as chances de morte e evitando danos de longo prazo (como cegueira e problemas no cérebro). Mas é preciso que o diagnóstico seja rápido, e que o tratamento comece imediatamente.
O metanol é um “assassino silencioso”. Muitas das pessoas contaminadas sequer entendem que estão correndo risco de morte, por que os sintomas demoram a aparecer.
“Os sintomas só começam no dia seguinte ou alguns dias depois, então eles não têm ideia do que está acontecendo, pois elas não estavam bebendo imediatamente antes de apresentar os sintomas. Eles estavam bebendo no dia anterior ou dois dias antes”, explica o médico.
Outro desafio é que os sintomas são vagos e comuns a vários outros problemas de saúde. Não é possível identificar apenas através dos sintomas se o problema é especificamente a contaminação por metanol, que pode ser fatal.
Alguns sintomas típicos de intoxicação por metanol incluem: desconforto gástrico e intestinal, dor de estômago, dor no peito, hiperventilação e dificuldade para respirar.
Outros pacientes relatam sintomas parecidos com o de uma ressaca muito severa — só que iniciada mais de 12 horas após a ingestão de bebidas.
Depois de algum tempo, surgem sintomas ainda mais graves, como distúrbios visuais, desde visão turva, falta de campo visual ou até cegueira completa.
A única forma que as pessoas têm de saber que correm risco de estarem contaminadas com metanol é se souberem que houve outros casos semelhantes já diagnosticados recentemente em sua região.
O diagnóstico definitivo só pode ser feito em um hospital ou centro de saúde com exames — por isso as pessoas devem procurar atendimento médico imediatamente ao sentirem os sintomas.
Tratamento
A severidade de alguns surtos no mundo é um problema tão grande que a Médicos Sem Fronteira criou protocolos internacionais para ajudar países a lidarem com intoxicação por metanol.
A MSF criou vídeos educativos que circulam em locais onde há surtos, orientando as pessoas sobre os sintomas e fazendo um apelo para que elas procurem ajuda médica. A entidade também treina médicos no mundo todo sobre como tratar o problema.
“A grande maioria das pessoas vai conseguir superar o problema se receberem tratamento nas primeiras 24 horas [desde o surgimento dos sintomas]. Muitas ainda podem ser salvas nas primeiras 48 ou até 72 horas”, diz o médico da MSF.
Para tentar curar o problema, um dos possíveis tratamentos é administrar um antídoto no paciente que pode parecer contraintuitivo: mais álcool.
O grande problema da intoxicação por metanol acontece quando essa substância é metabolizada no corpo e vira ácido fórmico, que é o composto verdadeiramente nocivo ao corpo.
O objetivo do tratamento é impedir essa metabolização, diluindo a concentração de metanol.
Para isso, o paciente recebe mais álcool em doses controladas e monitoradas. É preciso manter o sangue do paciente com níveis constantes de álcool por um tempo prolongado, enquanto o metanol vai deixando o corpo por outras vias, sem ser metabolizado. Isso é combinado com hemodiálises, para filtrar o sangue.
Hovda conta que em muitos hospitais com poucos recursos — onde a MSF costuma atuar — esse tratamento pode envolver qualquer tipo de álcool que esteja disponível: desde cerveja e vinho a até mesmo álcool para limpeza.
Esse tratamento pode durar até sete dias.
Existe outro antídoto que é considerado mais eficaz para tratar intoxicação com metanol: o fomepizol. Esse antídoto é mais adequado, pois não provoca sintomas no paciente em tratamento, como a embriaguez.
No entanto, sua solução é considerada cara até mesmo para países desenvolvidos como a Noruega, conta o médico norueguês da MSF. Uma dose de fomepizol pode custar até 1 mil euros (cerca de R$ 6,3 mil).
A patente do remédio já expirou mundialmente, mas poucas farmacêuticas manifestaram interesse em produzir o antídoto, já que não existe uma demanda mundial estabelecida.
Na terça-feira (30/9), o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que o governo brasileiro estuda criar uma reserva estratégica para garantir o acesso ao fomepizol, que não está sequer registrado no Brasil, devido à falta de interesse da indústria farmacêutica.
No Brasil, o tratamento para intoxicação por metanol é feito com etanol farmacêutica em cerca de 30 centros de referência.
As autoridades brasileiras ainda não determinaram as origens do metanol em bebidas contaminadas nos casos confirmados.
Há duas linhas de investigação: de contaminação no envase de algumas garrafas ou de adulteração deliberada da bebida, como forma de baratear seus custos.
Hovda diz que a maior parte dos surtos que ele estudou no mundo são ligados a bebidas adulteradas.
A oferta de metanol se expandiu bastante no mundo nas últimas décadas, já que passou a ser usada como combustível para diversos usos, como em embarcações pequenas e botes. Isso barateou os custos da substância.
Por isso, o metanol passou a ser usado também para adulterar bebidas, explica o médico, por causa de suas características químicas específicas.
“As pessoas misturam metanol em bebidas principalmente para ganhar mais dinheiro, porque o metanol se mistura muito bem com álcool, o etanol comum. Se você misturar água ou algo parecido com álcool comum e deixar na mesa, as substâncias vão se separar, e será possível perceber isso”, diz o médico.
“Com o metanol você não consegue ver a separação. Ele não tem cheiro diferente do cheiro do álcool comum. Não tem gosto. Não tem cor. Ou seja, é muito difícil de detectar para quem está bebendo.”
No Brasil, há legislações rígidas sobre o uso do metanol, com registro obrigatório para movimentação e armazenamento do produto.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, isso se dá por causa da “toxicidade do produto, seu potencial como adulterador do etanol combustível e da gasolina, os riscos à saúde humana e à segurança pública”.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL