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23 de junho de 2025

Irã mantém ambição nuclear após ataque dos EUA – 23/06/2025 – Mundo

Irã mantém ambição nuclear após ataque dos EUA – 23/06/2025 – Mundo

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chamou de “sucesso militar espetacular” o bombardeio a alvos nucleares no Irã, afirmando que as bombas destruíram pilares centrais do programa atômico iraniano. Mesmo que isso seja verdade, o ataque dificilmente representou um golpe fatal a um programa profundamente ligado à história, à cultura, à segurança e à identidade nacional do país.

Desde que o Irã iniciou um ambicioso programa nuclear civil em 1974, sob o xá Mohammad Reza Pahlavi, seus líderes o veem como símbolo do protagonismo do país no mundo muçulmano, reflexo de seu compromisso com a pesquisa científica e como apólice de seguro em um ambiente regional perigoso.

O que era verdade sob o xá continua sendo sob os governantes teocráticos do Irã pós-revolução. E, segundo especialistas, também seria para qualquer futuro governo iraniano, mesmo que o atual líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, não sobreviva a um conflito em escalada com Israel e os EUA.

“No curto prazo, sob imensa pressão, Khamenei ou seus sucessores terão que fazer concessões”, disse Roham Alvandi, diretor da Iniciativa de História Iraniana na London School of Economics. “Mas, a longo prazo, qualquer líder iraniano concluirá que o Irã precisa de um dissuasor nuclear.”

Ao aderir à campanha militar de Israel contra o Irã, Trump aumentou significativamente os custos para os líderes iranianos de se recusarem a aceitar limites rigorosos ao programa de enriquecimento de urânio. Ainda assim, independentemente do desfecho, ele pode ter oferecido razões ainda mais convincentes para que busquem uma arma de dissuasão nuclear, dizem especialistas.

“Qualquer estrategista iraniano, atual ou futuro, entende que o Irã está no Oriente Médio, cercado por Israel de Netanyahu, o Talibã no Afeganistão e MBS na Arábia Saudita”, disse Alvandi, referindo-se ao premiê israelense Binyamin Netanyahu e ao príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman.

A essa lista de ameaças, o Irã agora pode adicionar os Estados Unidos.

Os bombardeios americanos provavelmente causaram danos sérios às instalações de enriquecimento em Natanz e Fordow, além do complexo de pesquisa em Isfahan. Ataques anteriores de Israel já haviam matado cientistas nucleares proeminentes do Irã e danificado instalações. Somados, esses ataques podem ter atrasado o programa iraniano por anos.

Mas bombas sozinhas não apagam o conhecimento acumulado pelos iranianos ao longo de quase sete décadas — desde 1957, quando o Irã assinou com os EUA, ainda sob o governo Eisenhower, um acordo de cooperação nuclear civil, no contexto do programa “Átomos para a Paz”.

Em 1967, com ajuda americana, o Irã construiu um pequeno reator de pesquisa em Teerã, ainda em funcionamento. No ano seguinte, assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear, um gesto do xá para aproximar o país do Ocidente.

Após a alta do petróleo em 1973, o xá decidiu expandir rapidamente o programa nuclear, incluindo o desenvolvimento da capacidade própria de enriquecimento. Enviou dezenas de estudantes para o MIT para estudar engenharia nuclear.

Ele via o programa como um projeto de prestígio que colocaria o Irã na vanguarda do Oriente Médio. Mas isso gerou atritos com os EUA, que temiam que o Irã reaproveitasse combustível para fabricar armas.

Henry Kissinger, então secretário de Estado, tentou impor salvaguardas ao programa iraniano, mas foi rejeitado. Como resultado, França e Alemanha, e não os EUA, assinaram contratos lucrativos com o Irã. Empresas alemãs começaram a construir a usina nuclear de Bushehr em 1975, projeto interrompido após a Revolução Islâmica de 1979.

Os novos líderes iranianos inicialmente viam o programa como um luxo desperdiçado do xá. Ele foi engavetado até o fim da guerra Irã-Iraque, em 1988, quando os bombardeios iraquianos à planta de Bushehr — além do uso de armas químicas — convenceram os iranianos de que um programa nuclear robusto teria valor dissuasório. (Bushehr, reconstruída por russos, ainda funciona)

“De certa forma, os cálculos da República Islâmica foram os mesmos do xá — uma expressão de poder e prestígio”, disse Ray Takeyh, especialista em Irã do Council on Foreign Relations.

O programa passou a ser inseparável do nacionalismo extremo do regime, utilizado em protestos diários orquestrados pelo Estado com gritos de “Morte à América” e “Morte a Israel”. Em 2006, durante a Presidência de Mahmoud Ahmadinejad, o culto ao programa atingiu o auge: dançarinos carregavam frascos que simbolizavam urânio em performances celebrando o direito iraniano ao enriquecimento.

O projeto seguia duas frentes: um programa civil, que contribuía pouco para a matriz energética, e outro secreto de enriquecimento, que colocou o Irã em rota de colisão com Israel e EUA.

As décadas de investimento e veneração ao programa dificultam que qualquer líder simplesmente o abandone, dizem analistas. Mesmo entre iranianos que criticam o governo ou ignoram debates sobre dissuasão estratégica, o programa se tornou fonte de orgulho nacional.

Por ora, disse Abbas Milani, diretor de estudos iranianos na Universidade Stanford, “Khamenei enfrenta um impasse existencial.”

“Ele pode seguir sua própria retórica e o conselho dos radicais de seu círculo próximo”, afirmou Milani, o que significaria tentar fechar o estreito de Ormuz e retaliar contra navios e bases americanas na região. Ou pode minimizar publicamente os danos às instalações nucleares e buscar um acordo com os EUA, “salvando seu regime para lutar outro dia.”

“O povo inocente do Irã pagará um preço alto de qualquer forma”, concluiu.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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