
Crédito, Peter Mountain/ Netflix
- Author, Nicholas Barber
- Role, Crítico de cinema da BBC
Deve ser difícil ser um astro de Hollywood estupidamente bonito e rico. Essa é, pelo menos, a mensagem de Jay Kelly, nova comédia dramática de Noah Baumbach, diretor de A Lula e a Baleia, Frances Ha e História de um Casamento.
A vida do astro rico e bonito de Hollywood que dá título ao filme (interpretado por George Clooney) pode parecer encantadora. A qualidade do seu trabalho é excelente e ele conta com uma equipe de assistentes dedicados.
Nos últimos tempos, contudo, ele tem começado a questionar o valor dos papéis que escolheu como ator e está preocupado por não ter passado tempo suficiente com suas filhas, uma das quais está fazendo um “mochilão” pela Europa com amigos.
Você entende agora por que as coisas estão difíceis para ele?
Acontece que ele não precisava se preocupar. Ignorando que deveria começar a filmar um novo trabalho, Jay convoca uma frota de carrões Range Rovers para levar ele e sua comitiva a um jato particular que cruzará o Atlântico para que ele possa pegar o mesmo trem em Paris que sua filha e viajar com ela para receber um prêmio pelo conjunto da obra em um festival de artes na Toscana.
Tudo é resolvido para ele por seus funcionários, liderados por seu fiel empresário (Adam Sandler, que está tão comoventemente sofrido e exausto que poderia entrar na fila para o Oscar de melhor ator coadjuvante).
É verdade que os vagões da primeira classe do trem estão lotados, mas os passageiros nos assentos da econômica cumprimentam Jay com uma cortesia encantadora. É verdade que ele não tem sido um pai perfeito, mas suas filhas ainda o amam.
Conflitos envolvendo seu pai egoísta (Stacy Keach) e um velho amigo invejoso da escola de formação de atores (Billy Crudup) são amenizados pela ajuda dos funcionários contratados. Nem mesmo problemas de primeiro mundo são questões para Jay.
E essa é a falha fatal que permeia Jay Kelly, que estreou no Festival de Cinema de Veneza e chega à Netflix em dezembro. Quando um protagonista consegue realizar seus desejos com um estalar de dedos — ou, para ser mais preciso, abrindo seu sorriso radiante —, todo o perigo e a tensão desaparecem.
O espectador pode rir das piadas bem-humoradas e se emocionar com as históricas cidades montanhosas ensolaradas da Toscana, mas é difícil se importar com as ansiedades de Jay.
Afinal, o que está em jogo? Qual é a pior coisa que pode acontecer?

Crédito, Netflix
Escrito por Baumbach e Emily Mortimer, Jay Kelly repete inúmeros outros filmes e séries de televisão americanos, muitos deles influenciados pelo sucesso de The White Lotus, que retratam com fascinação o estilo de vida dos ricos e famosos.
No momento, há muitos desses tributos cintilantes ao 1% nas telas, mas a maioria delas inclui um assassinato (O Casal Perfeito) ou alguma conspiração perversa (Succession) para nos convencer de que não estamos apenas assistindo com inveja a uma seleção de cozinhas amplas com vista para o mar.
Não existe esse tipo de tensão em Jay Kelly. Sua crise de meia-idade é tão branda que “crise” não é realmente a palavra apropriada — e, no entanto, esta é uma comédia que leva seu personagem principal profundamente a sério. Os espectadores podem ter dificuldade em fazer o mesmo.
O filme começa com uma citação de Sylvia Plath (não que a angústia de Jay tenha algo a ver com a de Plath) e passa a reverenciá-lo como um semideus problemático: há flashbacks carinhosos de sua juventude, há discursos elogiando sua filmografia, há uma música piegas de piano dando ritmo à trilha sonora.
Há também algumas frases curtas e concisas sobre sua incapacidade de apreciar sua própria condição extremamente privilegiada, mas durante a maior parte do tempo o espectador é convidado a apreciar um sujeito bem-intencionado e magicamente talentoso que enriqueceu o mundo com décadas de grandes atuações — e o fez sem problemas com drogas, escândalos sexuais ou outros esqueletos no armário.
O sentimentalismo vago dessa fantasia romântica indulgente é difícil de digerir.
Quando você assiste à fantástica série de Seth Rogen na Apple TV+ sobre executivos e estrelas de Hollywood The Studio, espera-se que ria com os personagens e também deles, mas não que os venere.
O mesmo costumava ser verdade para os personagens de Baumbach. No passado, suas comédias ácidas eram compostas quase exclusivamente por pessoas tolas, frustradas e, às vezes, simplesmente horríveis.
É decepcionante, portanto, que ele, como tantos cineastas hoje, seja tão brando com as pessoas mais privilegiadas do mundo. Serão elas realmente inerentemente fascinantes e impressionantes, só porque têm mais dinheiro no banco do que a média de muitos países?
Talvez essas pessoas não pareçam mais tão privilegiadas para Baumbach.
Um dos aspectos mais divertidos de seus filmes é a ligação que eles têm com sua própria vida e suas preocupações.
A Lula e a Baleia, por exemplo, era sobre crescer no Brooklyn como filho de um aspirante a romancista, como foi o caso de Baumbach. Enquanto Somos Jovens era sobre um cineasta nova-iorquino enfrentando a meia-idade. História de um Casamento era sobre o divórcio de um diretor nova-iorquino.
Tendo escrito o sucesso de bilheteria Barbie com sua esposa Greta Gerwig (que também dirigiu o filme), é compreensível que a alta sociedade glamourosa de Hollywood seja o assunto do momento em sua mente.
Mas ele não poderia ter trazido um pouco de seu antigo humor cortante para o filme? Ao longo de Jay Kelly, Jay é bajulado pelo público e mimado por seus assessores. Baumbach também bajula e mima demais.
‘Jay Kelly’ tem estréia prevista na Netflix em 5 de dezembro.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL