Denomino de mitos um conjunto de crenças religiosas utilizadas para justificar apoio incondicional ao ex-presidente Jair Messias Bolsonaro entre evangélicos. O julgamento de Bolsonaro e sua provável condenação lançam por terra esses mitos. Se Deus fosse bolsonarista, como insinuam tais mitos, as eleições de 2022 teriam mantido Bolsonaro na cadeira de presidente ou o golpe teria prosperado.
O primeiro mito: Deus escolheu Jair Bolsonaro para ser o presidente do Brasil. Deus não escolhe presidentes nas democracias modernas como escolhia reis para Israel segundo os relatos do Antigo Testamento. Bolsonaro foi eleito presidente pelo voto popular em 2018 e derrotado na tentativa de reeleição em 2022, igualmente pelo voto dos eleitores.
O segundo mito: um presidente ‘amigo dos evangélicos’, com esposa evangélica e com espaço para evangélicos em sua administração faria um governo melhor que os predecessores. O mandato de Bolsonaro não apresentou nada de excepcional e, em muitos casos, como na gestão da pandemia, mostrou-se um retrocesso para o país.
O terceiro mito: a crença de que as orações em favor de Bolsonaro assegurariam o êxito de seu governo e sua reeleição. Desde as orações de Edir Macedo, que previam uma “presidência de arrebentar” para Bolsonaro, até as fervorosas orações de anônimos ajoelhados no cercadinho do Alvorada, não faltaram preces clamando pelo sucesso de seu mandato.
O quarto mito: apoiar o moderno Estado de Israel traria prosperidade econômica para o Brasil. O diplomata brasileiro Oswaldo Aranha presidiu a sessão da ONU, em 1947, que levou à criação do Estado de Israel (que, aliás, previa a partilha da Terra Santa entre Israel e Palestina). Desde então, sucessivos governos brasileiros mantiveram boas relações com Israel. Bolsonaro não trouxe novidade alguma para as relações diplomáticas do Brasil com Israel.
O quinto mito: a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022 abriria uma fase de perseguição às igrejas evangélicas no Brasil. O crescimento das igrejas evangélicas antes, durante e depois de Bolsonaro demonstra que não houve e não há perseguição aos evangélicos no Brasil. O que donos de megaigrejas chamam de “perseguição” é mera reclamação para não honrar dívidas com a Receita Federal.
O julgamento de Jair Bolsonaro não só desmascara esses mitos evangélicos propagados por seus defensores como também reafirma verdades que jamais deveriam ter sido ignoradas por aqueles que afirmam se guiar pela Bíblia.
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Essa passagem foi citada frequentemente por Bolsonaro durante a campanha de 2018. O ex-presidente, ironicamente, está sendo julgado porque chegou ao conhecimento do STF (Supremo Tribunal Federal) a verdade sobre suas ações e de seus amigos para burlar a Constituição e o resultado das urnas. Nesse caso, a verdade liberta o Brasil e encarcera Bolsonaro e seus generais.
“…Pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gálatas 6:7). Bolsonaro atacou a democracia durante sua carreira política inteira. Aproveitou-se dela o quanto pôde e quis sepultá-la assim que recebeu o cartão vermelho na reeleição. Sua condenação será a colheita daquilo que semeou durante sua vida.
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“Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:21). Jesus estabeleceu clara separação entre religião e política. No entanto, o credo bolsonarista intencionalmente ignorou essa distinção, resultando na expulsão de indivíduos de suas igrejas por ousarem criticar a manipulação política da fé por seus pastores.
A condenação de Bolsonaro significará uma dupla vitória: a democracia e a religião expulsarão do corpo social um vírus que se infiltrou e tentou minar suas defesas internas. A toxicidade que Bolsonaro trouxe para a democracia e para a religião não se cura com cloroquina, mas com a Constituição e a Bíblia levadas a sério.
Fonte.:Folha de S.Paulo