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- Author, Mariana AlvimMariana Alvim
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
O julgamento vai começar analisado os casos do chamado “núcleo 1” ou “núcleo crucial” da trama golpista.
Esse grupo seria composto pelos principais articuladores e decisores da tentativa de golpe de Estado — que teria ocorrido após Jair Bolsonaro (PL) ser derrotado nas urnas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Os acusados pela PGR foram divididos em cinco núcleos, de acordo com as diferentes funções que teriam na trama.
A acusação está a cargo da Procuradoria-Geral da República (PGR), que usou evidências colhidas pela Polícia Federal e a delação de Cid para denunciar os réus.
Parte dessas evidências foi encontrada pela PF na casa, nos celulares e nos arquivos digitais dos próprios réus.
Muito deste material foi produzido para ser secreto, valendo-se de codinomes, por exemplo.
Confira algumas das anotações, imagens e documentos encontrados com os acusados que deverão ser usados contra eles no julgamento.
O caderno de Augusto Heleno

Crédito, Reprodução/PGR
Um caderno com logomarca da Caixa Econômica, encontrada na casa do general Augusto Heleno, é uma das evidências apresentadas pela PGR contra o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Não há datas para as anotações, mas elas trazem materiais que colocam em dúvida a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro.
Uma das páginas traz como título “Reu [reunião] Diretrizes Estratégicas”.
Abaixo dele, observações orientam:
- “Fazer um mapa com o levantamento das áreas onde o Pres [presidente] possui aliados confiáveis”
- “Buscar relacionar os órgãos de imprensa que podem ser usados como meios de divulgação de ações de governo. Utilizar com mais frequência a EBC”
- “Não fazer qualquer referência a homossexuais, negros, maricas, etc. Evitar comentários desairosos e generalistas sobre o povo brasileiro. Ao contrário, exaltar as qualidades do povo: lutador, guerreiro, alegre, otimista.”
- “Estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações. É válido continuar a criticar a urna eletrônica.”
Há também anotações esparsas como a citação a um dossiê sobre “o mecanismo das fraudes” e “dia 30 out” — uma referência à data do segundo turno nas eleições de 2022.

Crédito, Reprodução/PGR

Crédito, Reprodução/PGR
Na anotação, porém, a grafia é diferente: “Nice Iamaguchi”.
Foram achados também documentos digitalizados mencionando relatórios anteriores, referentes às eleições de 2016 e 2020, apontando problemas e sugerindo melhorias no sistema eleitoral.
Um deles, de 2016, foi produzido pela PF e afirmou que não seria possível “auditar de forma satisfatória” o processo entre a votação e a contabilização dos votos.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou em 2021 que de fato recebeu e analisou este relatório da PF, implementando algumas melhorias desde então, ao mesmo tempo apontando a impossibilidade de executar algumas das sugestões.
Por exemplo, o TSE afirmou que “do ponto de vista técnico e levando em conta aspectos históricos e culturais brasileiros”, o retorno do voto impresso representaria “riscos ao processo eleitoral”.
Segundo a denúncia da PGR, Heleno seria uma das pessoas a dar “auxílio direto” a Jair Bolsonaro no ataque às urnas e no planejamento golpista.
Caso consumado o golpe, Heleno seria responsável por comandar um gabinete de gestão de crise após a ruptura institucional.
Os advogados do general dizem que as evidências do processo não conseguiram demonstrar a culpa e nem “a hipótese do protagonismo” de Heleno na trama.
Sobre as anotações encontradas na casa de Heleno, disseram que se tratava de registros pessoais “nunca” compartilhados com ninguém.
Além disso, a defesa critica a forma como a PF apresentou as páginas encontradas — acusando a polícia de montar uma narrativa a partir das páginas: “(…) a PF disponibiliza as referidas páginas da caderneta como numa suposta e inventiva evolução de um raciocínio linear, quando na verdade estão afastadas umas das outras e sobre situações e assuntos totalmente díspares! Sem conexão!”
‘Bom dia Presidente’

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Outra pessoa que forneceria “auxílio direto” a Bolsonaro seria Alexandre Ramagem, de acordo com a denúncia da PF.
Hoje deputado federal pelo PL-RJ, Ramagem foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro.
Vinculado a um email com seu nome, foi encontrado um arquivo de texto chamado “Bom dia Presidente”.
O texto começa afirmando: “Reuni grupo técnico, de confiança, para trabalho de aprofundamento da urna eletrônica.”
O documento menciona a ajuda de Angelo Martins Denicoli, major da reserva que também é réu na ação penal sobre a tentativa de golpe — mas, no caso dele, está no chamado núcleo 4 dos réus.
Esse núcleo é acusado de espalhar notícias falsas e atacar autoridades.
O texto continua: “Já há como concluir que será apontada vulnerabilidade na transparência técnica e na governança exclusiva do tribunal.”
Segundo os investigadores, o documento “Bom dia Presidente” foi criado em março de 2020 e modificado pela última vez em março de 2021.
A PF encontrou também um arquivo chamado “‘Presidente TSE informa.docx”, também vinculado a um email de Ramagem, com argumentos contrários às urnas eletrônicas.
O arquivo foi criado e modificado ao longo de julho de 2021.
A defesa de Ramagem minimizou esses e outros documentos, afirmando que a maioria se tratava de escritos pessoais que não trouxeram novidades: “O conteúdo dos arquivos de texto apresentados pela acusação são mera reprodução de pautas, críticas e argumentos publicamente apresentados pelo então Presidente da República desde os idos de 2015, um grande compilado deles.”
‘Jeca’, ‘Joca’ e ‘Juca’

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Segundo a PF, Fernandes tinha o hábito de nomear arquivos sensíveis com a inicial ou as siglas de seus carros.
O texto tinha o título “Planejamento Punhal Verde Amarelo” e, segundo a PGR, trazia planos para restringir a liberdade e até matar Alexandre de Moraes, o presidente eleito Lula e o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.
O plano seria executado na operação chamada de “Copa 2022”, com ações no Distrito Federal e em São Paulo.
Segundo a PF, o plano usava os codinomes “Jeca” para Lula; “Joca” para Alckmin; e “Juca” para alguém cuja identidade não foi confirmada pela PF e pela denúncia da PGR.
Entretanto, segundo uma reportagem da Folha de S. Paulo, “Juca” se referiria ao ex-ministro petista José Dirceu.
O plano previa o uso de celulares descartáveis, veículos SUV, pistolas, fuzis, metralhadoras, lança-granadas, entre outros.
Também era estipulado o “tempo ideal de preparação”, de no mínimo duas semanas; e o “tempo ideal de ação”, cerca de oito horas.
“O documento ainda avaliava as chances de êxito em classe de ‘médio tendendo a alto’ e admitia a possibilidade de danos colaterais muito altos, indicando a aceitação da ocorrência de mortes”, diz um trecho da denúncia da PGR.

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De acordo com a interpretação dos investigadores, Moraes poderia ser alvo de disparo de armamento, artefato explosivo ou até envenenamento durante algum evento oficial.
No caso de “Jeca” — Lula, segundo a denúncia —, foi aventado o uso de envenenamento ou “remédio que lhe cause um colapso orgânico”.
A estratégia considerou a “vulnerabilidade” de seu estado de saúde e sua “frequência a hospitais”.
Ainda de acordo com o documento, a “neutralização” dele “abalaria toda a chapa vencedora” e poderia colocá-la “sob a tutela principal do PSDB” — provavelmente referindo-se ao vice eleito Alckmin, que por anos foi filiado ao PSDB mas, na eleição de 2022, já era filiado ao PSB.
Fernandes teria impresso o documento em novembro de 2022, após a derrota de Bolsonaro em sua tentativa de reeleição.
No mesmo dia, o general, que na época era secretário-executivo da Secretária-Geral da Presidência da República, teria levado o plano para Bolsonaro ver no Palácio da Alvorada.
Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também estaria no local.
No início de dezembro, segundo a denúncia, foi criado um grupo no aplicativo Signal com nome “Copa 2022”. Os participantes receberam codinomes: Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana.
Entretanto, de acordo com a PGR, a operação acabou cancelada após a confirmação de que o comandante do Exército, o general Marco Antonio Freire Gomes, não havia aderido ao plano golpista.
Ainda assim, o monitoramento a Moraes e a Lula continuou.
Nas alegações finais, a defesa de Bolsonaro rejeitou que soubesse do plano para matar autoridades.
“A verdade, que a muitos não interessa, é que não há uma única prova que atrele o Peticionário ao plano ‘Punhal Verde e Amarelo’ ou aos atos dos chamados Kids Pretos e muito menos aos atos de 08 de janeiro”, dizem os advogados do ex-presidente.
Mário Fernandes também responde à ação penal, mas faz parte do núcleo 2 dos réus.
Foto de decreto golpista

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A Polícia Federal encontrou em um dos aparelhos eletrônicos de Mauro Cid fotos do que seria o rascunho de um decreto golpista, o qual declarava Estado de Sítio no país.
Com várias páginas, o rascunho traria justificativas legais para a declaração do Estado de Sítio e apontava supostas ilegalidades cometidas pelo Judiciário nas eleições de 2022.
A última página do documento trazia uma anotação para que fossem inseridos “de forma breve” exemplos de decisões “inconstitucionais do STF”.
Mas, segundo a PGR, a foto traz o documento parcialmente tapado, de forma a “propositalmente” ocultar as providências finais do que deveria ser feito.
Em depoimento, o general Freire Gomes, então comandante do Exército, afirmou que lhe foi apresentado um rascunho como o encontrado com Mauro Cid durante uma reunião de Bolsonaro com comandantes das Forças em que os planos golpistas teriam sido expostos.
A denúncia da PGR traz várias mensagens e materiais encontrados no celular de Cid, que firmou um acordo de delação na ação penal.
Aliás, na delação, Cid afirmou que Bolsonaro fez alterações na minuta.
A confiabilidade de sua delação é um dos pontos mais atacados pelos advogados dos réus, muitos dos quais pedem a anulação do acordo de colaboração.
A defesa de Jair Bolsonaro, por exemplo, criticou nas alegações finais que “a estória contada pela PGR se desenvolve do princípio ao fim pela palavra do colaborador”.
Minuta do ‘Gabinete de Gestão de Crise’

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Outro documento digital encontrado nos arquivos de Mário Fernandes foi uma minuta atribuída a um “Gabinete Institucional de Gestão de Crise” — segundo a PGR, um órgão que seria instituído pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado por Augusto Heleno.
O objetivo desse órgão seria apoiar Bolsonaro — ao “proporcionar ao Presidente da República maior consciência situacional das ações em curso a fim de apoiar o processo de tomada de decisão”.
O documento teria sido criado em 16 de dezembro de 2022 e impresso no mesmo dia por Fernandes.

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“Os denunciados especulavam a todo momento sobre possíveis mudanças no posicionamento do Alto Comando do Exército que pudessem justificar a assinatura do Decreto e a estruturação do gabinete de crise”, diz a procuradoria.
Com várias páginas, a minuta tinha nomes que ocupariam diferentes cargos — como Heleno na chefia do gabinete e o general Walter Braga Netto como coordenador-geral.
Haveria desde uma assessoria de comunicação social a uma assessoria de “operações psicológicas”.
O documento previa que o gabinete seria instalado no próprio 16 de dezembro e funcionaria em regime “24/7” — ou seja, em tempo integral.
Suas funções incluíriam “minimizar as narrativas da mídia” e estabelecer contatos com povos indígenas, com o “agro”, manifestantes, caminhoneiros e policiais nos Estados.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL