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- Author, Mariana Schreiber
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
Além de negar as acusações, as defesas de Bolsonaro e do general Braga Netto, seu ex-ministro da Casa Civil, reclamam da condução do processo pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.
Um dos pontos mais questionados é a validade da delação do Mauro Cid, réu que fechou um acordo de colaboração premiada em troca de punição mais branda.
Ele era ajudante de ordens de Bolsonaro e ajudou a investigação a levantar provas contra os outros sete acusados.
As defesas, porém, pedem a anulação da delação devido a mudanças na versão de Cid em diferentes depoimentos conduzidos por Moraes, em que o delator chegou a ser ameaçado de prisão.
O ministro, por sua vez, manteve a validade do acordo, com apoio da Primeira Turma do STF, quando foi decidida a abertura do processo, em março. A questão, porém, pode ser reanalisada agora.
Outro ponto alvo de reclamações é a duração do processo. Bolsonaro já acusou Moraes de acelerar o andamento por razões políticas, enquanto sua defesa e a de Braga Netto dizem que foram prejudicadas por falta de tempo suficiente para analisar o enorme volume de material produzido na investigação.
Sem conseguir sua soltura, os advogados tentaram converter a medida em prisão domiciliar, alegando que o general está recebendo tratamento mais duro que Bolsonaro, mas o pedido foi recusado por Moraes.
Entenda melhor em três pontos as queixas das defesas, as posições de Moraes e o que dizem especialistas em direito.
Delator sob pressão?
As defesas de Bolsonaro e Braga Netto argumentam que Mauro Cid aceitou a delação premiada sob pressão e teria inventado acusações para se beneficiar. Questionam também a condução dos depoimentos do delator por Moraes.
A colaboração veio depois de o militar ser preso em maio de 2023, após uma operação que investigava falsificação de cartões de vacinação de Bolsonaro, parentes e assessores. Quando sua delação foi homologada, em setembro daquele ano, ele foi solto.
No acordo, aceitou revelar supostos detalhes de crimes cometidos pelo ex-presidente e outros integrantes do seu governo em troca de punições mais leves para si.
Assim, Mauro Cid se tornou uma peça central no processo por tentativa de golpe de Estado. O próprio Cid é um dos oito réus acusados pela PGR de integrar o “núcleo crucial” que teria liberado a tentativa de ruptura democrática, ao lado de Bolsonaro e Braga Netto.
Integram ainda esse grupo os generais Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), além de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin) e o almirante Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha).
Em março de 2024, o acordo esteve prestes a ruir. O militar foi preso novamente, desta vez por obstrução de Justiça e descumprimento de medidas cautelares.
O pano de fundo para essa nova prisão de Cid foi o vazamento de áudios, pela revista Veja, em que ele dizia estar sendo pressionado pela PF para delatar integrantes da trama golpista.
Ele foi interrogado novamente por Alexandre de Moraes, mas ganhou o direito de seguir em liberdade, após se retratar.
Em novembro, mais uma vez a colaboração esteve em risco. Isso ocorreu quando Cid foi convocado novamente a depor, depois que a PF entregou seu relatório apontando detalhes relevantes que o militar não havia mencionado durante a sua colaboração.
Em especial, o plano “Punhal Verde e Amarelo”, que visaria matar, no final de 2022, o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), além do próprio Moraes.

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Moraes, então, convocou novamente Mauro Cid a depor, dizendo que aquela era a “última chance” para que ele falasse a verdade e ameaçando prendê-lo novamente, caso ele omitisse fatos.
Cid contou, então, ter recebido uma caixa de vinho com dinheiro de Braga Netto no Palácio Alvorada que serviria para financiar a operação “Punhal Verde e Amarelo” e repassado o pacote para o major Rafael Martins de Oliveira, réu em outra ação penal sobre a suposta tentativa de golpe.
Já ao ser interrogado durante o processo, em junho de 2025, o delator disse que não tinha conhecimento do plano na época e não sabia que o dinheiro teria essa finalidade. Segundo ele, foi por isso que não teria mencionado o episódio antes.
Bolsonaro e os demais réus negam a existência do plano para matar Lula, Alckmin e Moraes, e dizem que Cid mentiu para evitar uma nova prisão. Braga Netto negou a acusação relativa ao dinheiro.
Nas alegações finais apresentadas no processo, a defesa do ex-presidente diz que a delação deve ser anulada, classificando Cid como um “delator sem credibilidade”.
A defesa de Bolsonaro criticou ainda o fato de a Procuradoria-Geral da República reconhecer, em suas alegações finais, que o ex-ajudante de ordens omitiu fatos graves, foi ambíguo e adotou uma narrativa seletiva em seus depoimentos, mas ainda assim pedir a manutenção do acordo de delação e a aplicação de redução da pena.
“É a primeira vez na história que se vê o requerimento para a aceitação parcial de uma delação. Fala-se em omissões e ambiguidades, mas insiste-se em aproveitar parte da delação e premiar o colaborador”, diz o texto.
A defesa argumenta ainda que Cid “mentiu e o fez reiteradas vezes” e que ele mesmo teria descumprido os termos de seu acordo de colaboração com a Justiça.
Segundo o documento, o delator manteve conversas em um perfil de terceiro na rede social Instagram, o que configuraria um descumprimento do pacto com a Procuradoria.
Mauro Cid, por sua vez, diz que seu acordo foi voluntário e defendeu sua validade em suas alegações finais.
“Impõe que o Estado honre sua parte no acordo, especialmente quando a colaboração foi efetiva, eficaz, voluntária e colocada em risco por pressões externas e coações indiretas.”
Em março, quando a Primeira Turma aprovou a abertura do processo contra os oito réus, a posição de Moraes pela manutenção do acordo foi acompanhada pelos outros quatro ministros — Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
“O colaborador, na presença de seus advogados, reiterou a voluntariedade e regularidade da delação premiada”, afirmou Moraes, na ocasião.
Fux, porém, fez críticas e sinalizou que a validade da delação poderia ser analisada ao final do processo, no julgamento que começa nesta terça.
“Nesse momento, não é o momento próprio”, disse Fux em março.
“Vejo com muita reserva 9 delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade. Mas me reservo a analisar ilegalidade ou ineficácia dessa delação no momento específico”, disse ainda o ministro, na ocasião.

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Processo acelerado?
A Primeira Turma vai iniciar o julgamento de Bolsonaro e os outros sete réus menos de seis meses após a abertura do processo, em 26 de março deste ano.
As defesas reclamam da velocidade do caso e do fato de Moraes ter rejeitado os pedidos por mais tempo apresentados ao longo da instrução processual.
Advogados argumentam que não tiveram tempo suficiente para analisar todo o conteúdo produzido pela PF e a Procuradoria-Geral da República durante as investigações. Por causa disso, afirmam que houve cerceamento das defesas e pedem a anulação de todo o processo.
Em suas alegações finais, a defesa de Braga Netto reclama que apenas em 17 de maio a Polícia Federal disponibilizou o material completo das investigações, que, depois, ainda foi acrescido de novas informações em junho e julho.
De acordo com técnicos consultados pela defesa, o material completo tinha certa de 80 terabytes e demandaria 45 dias apenas para baixar e descomprimir os arquivos recebidos em maio.
Ou seja, segundo os advogados de Braga Netto, só seria possível ter acesso à íntegra da investigação em julho, momento em que o processo já estava na fase de alegações finais.
“Uma análise minuciosa, como demanda o exercício do contraditório, em prazo tão curto, desde quando todo o material foi fornecido, é tarefa inexequível”, argumentou a defesa do general, em suas alegações finais.
Ainda segundo a defesa, o volume de 80 terabytes equivaleria a 44 bilhões de páginas.
“O exemplo acima trata apenas de um exercício comparativo, pois a situação do presente autos é ainda pior: os dados em questão não são meros textos, mas diversos tipos de arquivo que, para uma análise apurada, demandariam processamento e indexação, inclusive com a utilização de plataformas de revisão, aptas a processar dezenas de terabytes com segurança, eficiência e conformidade jurídica”, afirmaram os advogados.
A defesa de Bolsonaro trouxe queixas semelhantes em suas alegações finais. Os advogados dizem que os diversos pedidos por mais prazo foram negados por Moraes e reclamam do fato de os recursos contra essas decisões do ministro não terem sido levados por ele para análise do restante da Primeira Turma.
Um dos pedidos negados ocorreu quando a defesa solicitou o adiamento do interrogatório das testemunhas, marcado para 19 de maio, após a PGR disponibilizar vasto conteúdo da investigação no dia 17 de maio.
“Assim, o fornecimento do material às vésperas da audiência e enquanto estas já ocorriam, a passo rápido, não é mero acidente. Serviram como meio efetivo e eficaz de cercear o exercício da defesa”, dizem os advogados nas alegações finais de Bolsonaro.
Na ocasião, Moraes recusou o pedido de adiamento sob o argumento de que o acesso à íntegra da investigação não mudava o que estava na denúncia apresentada em fevereiro pela PGR.
“A disponibilização desse material, entretanto, em nada alterou os fatos imputados na acusação, consubstanciada na denúncia oferecida pelo Ministério Público e o conjunto probatório em que foi baseada e que, em um primeiro momento foram analisados pelo Poder Judiciário em sessão de recebimento da denúncia e cuja instrução probatória terá início com a audiência para oitiva das testemunhas indicadas”, escreveu o ministro, na decisão.
A criminalista Marina Coelho Araújo, professora do Insper e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, disse à reportagem que o andamento dos processos criminais tem se tornado mais célere no Brasil por dois fatores: amadurecimento de mudanças no rito processual que ocorreram em 2008 e os efeitos da pandemia da covid-19, com procedimentos virtuais mais ágeis.
Apesar disso, ela avalia que houve “açodamento” no andamento do processo contra Bolsonaro.
“Acredito que os processos estão mais céleres, sim, mas penso que no caso em questão houve açodamento. Não é só ser rápido. Tem muita informação e muita coisa que não teve sequer tempo de ser analisada [pela defesa]”, critica.
Prisões abusivas?

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Bolsonaro e Braga Netto também acusam Moares de excessos nas prisões decretadas antes do julgamento.
O ex-presidente aguarda o julgamento detido em sua residência, em Brasília, após ele e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL), articularem com o governo de Donald Trump ações dos Estados Unidos contra o Brasil.
A atuação de ambos foi entendida como crime de obstrução de Justiça, já que Trump taxou exportações brasileiras e sancionou Moraes e outros ministros do STF com a Lei Magnitsky, na tentativa de impedir o julgamento do seu aliado.
Para o criminalista Maurício Dieter, professor da faculdade de Direito da USP, a atuação da família Bolsonaro para interferir no processo com ajuda americana deixou o caminho livre para Moraes adotar medidas mais duras, como a prisão domiciliar.
“A partir do momento em que Eduardo Bolsonaro sai do país para conspirar contra os interesses nacionais, ele acaba legitimando qualquer excesso que possa ser atribuído ao ministro Alexandre”, afirmou Dieter à reportagem.
No caso de Braga Netto, que está preso preventivamente desde dezembro por supostamente tentar atrapalhar as investigações, a defesa nega que o réu tenha atuado para obstruir a Justiça e questiona a duração da medida, já que a prisão foi mantida mesmo após a instrução processual — momento em que acusação e defesa produzem suas provas.
A defesa também tentou, a partir de julho, reverter a prisão preventiva em medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica ou prisão domiciliar, argumentando que o general não deveria receber tratamento mais duro que Bolsonaro. O pedido, porém, foi recusado por Moraes sem que fosse submetido à Primeira Turma.
“Ressalto que estão presentes os requisitos do art. 312 [do Código de Processo Penal] em relação a Walter Souza Braga Netto, o que justifica a manutenção da custódia cautelar para assegurar a aplicação da lei penal e resguardar a ordem pública, em face do perigo gerado pelo estado de liberdade do custodiado e dos fortes indícios da gravidade concreta dos delitos imputados”, decidiu Moraes.
A constitucionalista Ana Laura Barbosa, professora de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), diz que eventuais excessos de Moraes na decretação de prisão preventiva seguem o padrão comum no Judiciário brasileiro.
“Eu acho importante mencionar que excessos em prisão preventiva no Brasil não são novidade.”
“Boa parte das pessoas que estão no sistema carcerário hoje estão presas preventivamente, e eu também considero que essas prisões são excessivas, que os indivíduos deveriam responder em liberdade”, acrescentou.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL