
Crédito, Mateus Bonomi/Anadolu via Getty Images
É a primeira vez que um ex-mandatário e militares de alta patente, como generais e um almirante, são condenados por tentativa de ruptura democrática no Brasil.
Em fevereiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou sua denúncia contra 34 pessoas, incluindo o ex-presidente Bolsonaro, derrotado nas urnas em 2022 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Foram julgados no núcleo 1 ou “núcleo crucial” os principais articuladores e decisores da tentativa de golpe de Estado.
São eles: Alexandre Ramagem; Almir Garnier; Anderson Torres; Augusto Heleno; Jair Bolsonaro; Paulo Sérgio Nogueira; Walter Braga Netto; e Mauro Cid.
Por ter feito acordo de delação premiada, Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, recebeu uma pena de dois anos a ser cumprida em regime aberto.
Os ministros da Primeira Turma decidiram validar a sua delação, que era considerada uma das principais peças que sustentam a acusação contra Bolsonaro e os outros sete réus e foi contestada pelos advogados de outros réus.
Além da pena mais branda e do regime aberto, Cid terá benefícios como a restituição de seus bens e valores e ações da Polícia Federal para garantir segurança para ele e seus familiares.
A pena de Cid foi fixada por unanimidade. As demais foram determinadas por maioria de quatro votos. O ministro Luiz Fux propôs uma pena menor para Braga Netto e deixou de votar na dosimetria quanto aos demais, pois havia votado pela absolvição.
Conheça a seguir as penas de todos os réus do “núcleo crucial”:
Alexandre Ramagem

Crédito, EPA
Alexandre Ramagem teve pena fixada em 16 anos, um mês e 15 dias de prisão e 50 dias-multa. Cada dia-multa equivale a um salário mínimo à época dos fatos.
Hoje deputado federal pelo PL-RJ, Ramagem foi diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro.
Em 2024, concorreu à Prefeitura do Rio de Janeiro.
De acordo com a PGR, Ramagem usou a estrutura da Abin em favor dos planos golpistas — comandando uma “Abin paralela” que monitoraria adversários e críticos do governo Bolsonaro, além de produzir informações falsas e ataques virtuais.
Além disso, Ramagem forneceu a Jair Bolsonaro material para apoiar o ataque às urnas eletrônicas e a intervenção das Forças Armadas, ainda segundo a PGR.
Em suas alegações finais, a defesa do deputado pediu sua absolvição.
“Alexandre Ramagem não pode ser responsabilizado por cada ato praticado no âmbito da Abin durante sua gestão, com base no simples fato de que era o diretor-geral do órgão, salvo se se admitisse eventual responsabilização por culpa”, afirmou a defesa.
Almir Garnier

Crédito, EPA
Almir Garnier teve pena definida em 24 anos de prisão e 100 dias-multa.
Almirante de esquadra e ex-comandante da Marinha no governo de Bolsonaro, Garnier foi o único comandante das Forças a concordar com o plano golpista, segundo a acusação da PGR.
Mensagens trocadas entre os réus demonstrariam essa adesão de Garnier.
Em sua delação, o réu Mauro Cid ratificou que Garnier teria sido o único comandante militar a assumir essa posição.
Além disso, em depoimento à PF, os outros comandantes na época — o general Marco Antonio Freire Gomes, do Exército; e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, da Aeronáutica — afirmaram que Bolsonaro apresentou aos três, em dezembro de 2022, a minuta de um decreto para reverter o resultado das eleições.
De acordo com esses depoimentos, Freire Gomes e Baptista Junior teriam se posicionado contra qualquer movimento do tipo, enquanto Garnier teria colocado sua tropa à disposição do suposto plano golpista.
A defesa de Garnier também pediu sua absolvição, apontando para contradições nos depoimentos de Baptista Junior e Freire Gomes, além de problemas na delação de Mauro Cid.
Os advogados negaram que Garnier tenha colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro, atribuindo isso apenas ao depoimento de Baptista Junior.
Anderson Torres

Crédito, EPA
Anderson Torres teve pena fixada em 24 anos de prisão e 100 dias-multa.
Torres foi ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro e secretário de Segurança do Distrito Federal — inclusive durante os ataques de 8 de janeiro de 2023.
Na ocasião, o então secretário estava viajando para os Estados Unidos. Sua defesa alegou que as férias já estavam programadas e que sua saída do Brasil não teve relação com os ataques.
Após quase quatro meses, ele foi solto.
Segundo a PF, foi encontrada na casa dele uma minuta que sugeria a decretação de estado de Defesa para intervenção após a derrota de Bolsonaro nas eleições.
A denúncia da PGR destaca ainda que Torres participou de uma live (transmissão ao vivo) em 2021 ao lado de Bolsonaro na qual a confiabilidade do sistema eleitoral foi colocada em dúvida.
Além disso, teria participado de reuniões cruciais para o planejamento de uma tentativa de golpe.
Nas alegações finais, os advogados de Torres minimizaram a minuta encontrada na residência, afirmando que ela não tinha sustentação jurídica.
“Sua presença isolada, sem atos subsequentes de circulação, deliberação ou articulação, não autoriza qualquer presunção de dolo [intenção de praticar um ato criminoso, por ação ou omissão].”
Augusto Heleno

Crédito, Getty Images
Augusto Heleno teve pena definida em 21 anos de prisão e 84 dias-multa.
Ele foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) durante o governo Bolsonaro.
Segundo a denúncia da PGR, Heleno e Ramagem forneceriam “auxílio direto” a Jair Bolsonaro no ataque às urnas e no planejamento golpista.
Em uma reunião de julho de 2022, cuja gravação foi obtida pelos investigadores, Heleno falava sobre o uso da Abin para “acompanhar o que os dois lados estão fazendo” na campanha eleitoral daquele ano.
“O problema todo disso é se vazar qualquer coisa em relação a isso”, disse o então ministro.
Até que o general da reserva é interrompido por Bolsonaro: “Ô General, eu peço que o senhor não… eu peço que o senhor não fale por favor. Não, não prossiga mais na tua observação aqui. Eu peço o senhor que não prossiga na tua observação! Se a gente começar a falar ‘não vazar’, o senhor esquece. Pode vazar. Então a gente conversa em particular na nossa sala lá sobre esse assunto, o que, que porventura a Abin está fazendo tá?”
Ainda assim, Heleno continuou, apontando para a urgência de se tomar atitudes: “Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições.”
A PF também encontrou na casa de Heleno um caderno com logomarca da Caixa Econômica com anotações sobre “Reu [reunião] Diretrizes Estratégicas”.
Abaixo desse título, estavam anotações como: “Estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações. É válido continuar a criticar a urna eletrônica.”
Foram achados ainda documentos com acusações de vulnerabilidades nas urnas eletrônicas.
Ainda de acordo com a acusação da PGR, Heleno seria responsável por comandar um gabinete de gestão de crise após a consumação do golpe.
Seus advogados pediram absolvição por todos os crimes e disseram que as evidências do processo não conseguiram demonstrar a culpa e nem “a hipótese do protagonismo” de Heleno na trama.
Paulo Sérgio Nogueira

Crédito, EPA
Paulo Sérgio Nogueira teve 19 anos de prisão e 84 dias-multa.
Nogueira foi ministro da Defesa no último ano do governo Bolsonaro e é general da reserva.
Em reunião de julho de 2022, segundo uma gravação encontrada pela PF no computador de Mauro Cid, Nogueira teria instigado “a ideia da intervenção das Forças Armadas no processo eleitoral”, segundo denúncia da PGR, que acrescentou: “É de se notar a linguagem de quem se considerava em guerra contra o sistema democraticamente estabelecido”.
“O que eu sinto nesse momento é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja… na guerra a gente… linha de contato, linha de partida. Eu vou romper aqui e iniciar minha operação. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato (…)”, diz uma fala do general transcrita na denúncia.
Após as eleições, Nogueira teria assinado uma nota oficial do Ministério da Defesa que não descartou a possibilidade de fraude no processo — que foi analisado em um relatório de técnicos militares que acompanharam o processo eleitoral: “Embora [o relatório] não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022.”
O ex-ministro também teria estado presente nas reuniões em que Bolsonaro apresentou uma minuta de golpe a comandantes das Forças Armadas.
Nogueira teria intermediado a convocação para a reunião a pedido do ex-presidente e participado ativamente da confecção do documento.
Os advogados do general pediran sua absolvição, questionaram as provas colhidas e disseram que, na verdade, Nogueira trabalhou contra a ideia de golpe.
Walter Braga Netto

Crédito, Getty Images
Walter Braga Netto teve 26 anos de prisão e 100 dias-multa. Ele foi condenado por unanimidade por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, inclusive com voto de Fux.
Braga Netto foi ministro da Casa Civil e da Defesa durante o governo Bolsonaro, além de seu candidato a vice nas eleições de 2022.
A PGR acusou Braga Netto de ter participar de reuniões e da produção de documentos que acusariam problemas no sistema eleitoral brasileiro, além de supostamente ter participado ativamente de planos para anular a vitória de Lula e manter Bolsonaro no poder através de um golpe.
Em novembro de 2022, teria ocorrido, na casa de Braga Netto em Brasília, uma reunião em que os “kids pretos” — como são conhecidos militares formados em forças especiais — teriam discutido o plano “Copa 2022”, para “neutralizar” Alexandre de Moraes.
O ex-ministro de Bolsonaro teria, inclusive, função importante no planejamento financeiro do golpe.
Braga Netto também teria sido designado como coordenador-geral de um gabinete de gestão de crise após a consumação do golpe.
Em dezembro, Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva de Braga Netto a pedido da PF, segundo quem o general estava tentando interferir nas investigações ao tentar obter dados sigilosos da delação de Mauro Cid.
A defesa também pediu a absolvição por todos os crimes, alegando distorção de fatos, falta de provas e criticando a confiabilidade da delação de Mauro Cid.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL