A Justiça do Distrito Federal ordenou, nos últimos dias, a derrubada de quatro reportagens que mencionavam o empresário Gabriel Cepeda Gonçalves e sua família, investigados pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) por suspeita de lavagem de dinheiro e ligação com o PCC.
As matérias removidas – três do site O Bastidor e uma do site Claudio Dantas – reportavam investigações sobre o suposto uso da Rede Boxter de postos de combustíveis, pertencente à família Cepeda, para movimentar recursos ilícitos. Segundo o Ministério Público, o grupo teria usado laranjas e empresas de fachada para ocultar patrimônio obtido ilicitamente e simular transferências de dezenas de estabelecimentos.
O relatório da chamada “Operação Carbono Oculto”, com mais de 1.200 páginas, cita os nomes da família Cepeda em mais de 900 vezes e descreve Renan Cepeda, irmão de Gabriel, como “pessoa-chave” do esquema. O documento também recorda a “Operação Rei do Crime”, de 2020, que levou à prisão de Renan e de seu pai, Natalício Pereira Gonçalves Filho.
O que diziam as matérias censuradas, sobre suposta ligação com o PCC
As reportagens foram derrubadas em duas decisões: na primeira, no dia 19 de setembro, a juíza Acácia Regina Soares de Sá, da 22ª Vara Cível de Brasília, ordenou a retirada de três matérias do site O Bastidor alegando que o veículo “narrou os fatos como se se revestissem de veracidade, quando sequer provados foram”. Isso porque o caso ainda tramita na Justiça e não houve condenação.
Todas as matérias foram publicadas após a deflagração da Operação Carbono Oculto, em agosto, pelo Ministério Público em cooperação com a Polícia Federal. A primeira reportagem narrava a suposta conexão entre a rede de combustíveis Boxter e o PCC, para lavagem de dinheiro da facção criminosa.
Já o segundo texto mencionava encontros de Gabriel Cepeda com políticos em um evento em São Paulo, enquanto o terceiro também estabelecia suposta conexão entre o empresário e o PCC.
Ao derrubar as reportagens, a juíza também questionou o fato de o veículo ter citado o envolvimento da família Cepeda na Operação Rei do Crime já que, como apontou a magistrada, a operação foi extinta. O motivo do encerramento da operação foi que o principal delator, um ex-piloto de helicóptero do PCC, foi morto no decorrer das investigações.
Esta é a segunda vez que a mesma magistrada ordena a retirada de reportagens do O Bastidor sobre Gabriel Cepeda. Em fevereiro, ela já havia determinado a exclusão de uma matéria que mostrava como uma empresa supostamente ligada ao empresário obteve autorização do governo paulista para operar mesmo sob investigação.
Já a reportagem do site Claudio Dantas foi derrubada cinco dias depois, pelo juiz Carlos Eduardo Batista dos Santos, da 2ª Vara Cível de Brasília. Os advogados de Cepeda alegaram que a matéria o identificou sem provas como “sócio de rede de postos do PCC” e que o veículo teria violado o sigilo de procedimento judicial em curso, citando trechos da investigação que a defesa ainda não teve acesso.
O juiz entendeu que o título da reportagem trazia imputação indevida de crimes, mas o texto não continha violações. Mesmo assim, determinou a exclusão da matéria na íntegra.
Defesa recorreu das sentenças: “efeito inibidor para retirar a informação do leitor”
O advogado André Marsiglia, responsável pela defesa dos dois veículos, disse à Gazeta do Povo que ambos os casos se tratam de censura.
“É o chamado chilling effect, o efeito inibidor, que é quando a informação de um jornalista é tirada do alcance do leitor por conta de um ato de censura, no caso, do Judiciário. O juiz tem a função de arbitrar o debate público, mas não de fazer escolhas do que deve ou não chegar aos olhos do leitor”, declara o advogado.
“O juiz não pode ser o primeiro leitor que, a depender da sua subjetividade, faz com que não haja mais um segundo. O Judiciário, quando age assim, controla o debate público e guia a sociedade para uma escuridão informacional”, prossegue.
Para Marsiglia, os fatos citados nas reportagens são públicos e de extrema relevância, retirados de documentos oficiais. “Obviamente é censura entender por bem apagá-los do alcance dos olhos do leitor”, diz. Nos dois casos, a defesa recorreu das sentenças.
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Fundador do O Bastidor cita pressão para calar a imprensa judicialmente
O diretor-geral e fundador do O Bastidor, Diego Escosteguy, informou, em posicionamento oficial, que “as decisões se inserem num contexto preocupante de ataques crescentes à liberdade de imprensa, especialmente a veículos de comunicação que fiscalizam o poder e praticam jornalismo investigativo profissional”, afirma o jornalista.
“Infelizmente, é cada vez mais comum o uso indevido de instrumentos legítimos e legais para pressionar, intimidar e calar repórteres e veículos sérios, comprometidos com os fatos, o interesse público e o dever de cuidado ao lidar com assuntos graves. Choca o fato de que pessoas suspeitas, de acordo com investigações do Ministério Público, de ligação com facções criminosas, obtenham decisões judiciais para retirar do ar – para fazer desaparecer do mundo – notícias documentadas, verídicas e de alto interesse público”, continua Escosteguy.
Já Claudio Dantas optou por não se manifestar sobre o caso.
Advogadas do empresário não se pronunciam
A Gazeta do Povo contatou as advogadas responsáveis pelo processo contra os veículos e abriu espaço para posicionamento, mas não houve retorno até o fechamento da reportagem.
Fonte. Gazeta do Povo