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11 de novembro de 2025

Justiça do Rio censura reportagem sobre juiz

Justiça do Rio censura reportagem sobre juiz

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A Justiça do Rio de Janeiro ordenou a censura de uma reportagem publicada pelo portal O Antagonista sobre o juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do estado. Diversos veículos de imprensa noticiaram em agosto deste ano que Casara foi o responsável por soltar de um jovem, detido por roubo, que possuía 86 anotações criminais em sua ficha.

A ordem contra o portal, proferida em caráter liminar em 9 de outubro de 2025, determinou a “supressão da matéria jornalística” no prazo de 24 horas a partir da intimação, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. Segundo a decisão, Casara argumentou que a reportagem era “ofensiva à sua honra e reputação e à sua atuação profissional na Magistratura do Rio de Janeiro”.

A determinação partiu de uma juíza do 7º Juizado Especial Cível da Comarca da capital fluminense. O Antagonista, mesmo sem ter sido ouvido, cumpriu a ordem, mas apresentou recurso e manifestou sua “profunda preocupação com o grau de liberdade de imprensa no Brasil”, especialmente ao cobrir integrantes do Poder Judiciário.

O portal lembrou da nota publicada pelo então decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, que criticou a censura sofrida pela revista Crusoé, do mesmo grupo de comunicação, em 2019.

“A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”, afirmou o ministro à época. 

O conteúdo censurado

A reportagem censurada, publicada em 6 de agosto de 2025, abordava aspectos de uma decisão do juiz Rubens Casara, da 43ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Após a publicação, o magistrado entrou com uma ação de reparação de danos.

Em julho deste ano, Casara rejeitou a prisão preventiva de um indivíduo acusado de furto, mesmo após parecer do Ministério Público favorável à medida. A matéria destacava o histórico criminal do acusado, que possuía “numerosas passagens pela polícia”. 

O juiz justificou a soltura do réu argumentando que “a existência de anotações na folha penal não é pressuposto da prisão cautelar” e que “não há espaço para exercício de futurologia no processo penal”.

A matéria censurada acrescentava informações disponíveis em fontes abertas sobre a trajetória, obras e declarações do juiz. Casara, na ação, informou que não era mais casado com a filósofa e escritora Márcia Tiburi, informação que constava na reportagem.

A juíza justificou sua decisão por considerar “verossimilhantes as alegações do autor”. O principal ponto de apoio para a supressão foi uma nota de esclarecimento publicada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). (Veja abaixo a íntegra da nota)

A juíza entendeu que o TJRJ “afirma com veemência serem inverídicas as informações divulgadas na imprensa sobre a decisão judicial proferida pelo autor”, e que seria “dever da empresa ré” remover o conteúdo.

“Com efeito, reputo verossimilhantes as alegações do Autor, sobretudo, diante da nota de esclarecimento do TJRJ que afirma com veemência serem inverídicas as informações divulgadas na imprensa sobre a decisão judicial proferida pelo Autor no exercício da judicatura”, disse a juíza.

“Aliás, é dever da empresa Ré ao tomar conhecimento de que a matéria se encontrava alicerçada em dados irreais promover a supressão do conteúdo, principalmente, após ter sido notificada pelo Autor, de acordo com o que dispõe a legislação em vigor que rege o Marco Civil da Internet”, acrescentou a magistrada.

Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou o entendimento vigente sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Com a decisão, a exigência de ordem judicial para a responsabilização das plataformas deixou de ser regra.

O Antagonista, no entanto, argumenta que o TJRJ não negou a existência da decisão do juiz de rejeitar a prisão preventiva nem as alegações usadas por ele, tendo inclusive revelado o número do processo que confirmava a soltura. 

O portal alega que a nota do TJRJ apenas usou a expressão “anotações criminais” para alegar que estas estavam “próximas da quinzena, não de muitas dezenas”. O portal ressalta que a matéria não continha “sequer análise crítica da decisão, muito menos qualquer ofensa ao autor”.

“O eventual desgaste de imagem de um magistrado por uma decisão que tomou, e/ou por alegações que usou, e/ou por escolhas que fez, e/ou por declarações que deu, não pode legitimar a supressão de qualquer notícia sobre a decisão, as alegações, as escolhas e as declarações de sua responsabilidade; nem privar a sociedade de debater e refletir livremente sobre o episódio, as interpretações, os demais aspectos envolvidos e as possíveis propostas de mudanças em diversas áreas – jurídicas, legislativas, econômicas, sociais, culturais – para evitar a repetição de suas causas e/ou de seus efeitos”, disse o portal, em nota, após a decisão. 

Temor pela liberdade de imprensa

A decisão judicial foi amplamente criticada por veículos e associações de imprensa, sendo noticiada por O Globo, Poder360 e Revista Oeste, e criticada em editorial do Estadão. A Coalizão em Defesa do Jornalismo (CDJor) manifestou “preocupação” e repudiou a ordem. 

“A CDJor considera que a retirada forçada de conteúdo jornalístico, sobretudo em caráter liminar, sem que o veículo tenha sido ouvido, ameaça o livre exercício do jornalismo no país”, disse a entidade, em nota. Para a coalizão, eventuais equívocos devem ser corrigidos pelo direito de resposta, conforme procedimentos previstos em lei e decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). 

A CDJor é uma articulação de 11 organizações, incluindo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Em nota, a ANJ reiterou que “a censura é expressamente vedada pela Constituição de 1988”. A associação espera que a decisão seja prontamente revista por instâncias superiores. “Ao lado de outras organizações, a ANJ tem levado ao Conselho Nacional de Justiça sua preocupação com decisões judiciais que restringem a liberdade de imprensa”, disse a associação.

A Transparência Internacional Brasil criticou a “frequência” com que juízes usam a censura contra “matérias que incomodam outros juízes”, classificando o fato como “extremamente preocupante”.

Veja a íntegra da nota do TJRJ publicada em agosto

“O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) esclarece que são inverídicas as informações divulgadas na imprensa sobre decisão do juiz Rubens Roberto Rebello Casara, titular da 43ª Vara Criminal, relativa ao réu Patrick Rocha Maciel (processo nº 0888510-74.2025.8.19.0001). O réu não tinha 86 anotações criminais, como noticiado, mas 14, das quais apenas três resultaram em condenações.

O TJRJ informa ainda que o réu foi denunciado em 3 de julho de 2025 e definitivamente julgado em 4 de agosto de 2025, pelo caso em foco. As decisões tomadas no processo não foram objeto de recurso. Frise-se, ainda, que, quando da divulgação da notícia equivocada, Patrick Maciel já havia sido condenado por decisão do magistrado à pena privativa de liberdade, que tornou-se definitiva diante da ausência de recurso.

Destaque-se que todo o trâmite judicial atendeu ao devido processo legal e respeitou o princípio da legalidade, assim como todas as decisões da ação judicial encontram-se fundamentadas e em consonância com a jurisprudência dos tribunais superiores. Contrariando o divulgado, o juiz Rubens Roberto Rebello Casara não se encontra mais casado com a professora Marcia Tiburi há cerca de seis anos. O processo pode ser acessado no site do TJRJ, pela busca processual.”



Fonte. Gazeta do Povo

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