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Hoje deputado federal e prestes a lançar oficialmente um partido próprio com vistas a disputar a Presidência em 2026, Kim Kataguiri (União Brasil) afirma que mudou sua visão sobre as privatizações.
“Aquilo que é público, que funciona bem, não precisa ser privatizado”, diz à BBC News Brasil de seu gabinete em Brasília, com bonecos de animes, mangás e outros bibelôs que fazem referência à cultura nipônica espalhados pelas prateleiras.
O deputado tinha 19 anos quando despontou como um dos principais nomes do MBL. Hoje, cumpre seu segundo mandato na Câmara e aguarda o registro oficial do Missão junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O plano para 2026, diz, é colocar a legenda na rua com candidato próprio ao Planalto: Renan Santos, também cofundador do MBL.
Kataguiri não tem a idade mínima, 35 anos, exigida para ser presidente. Completa 30 no próximo ano. Por isso, diz que está em discussão uma possível candidatura ao governo de São Paulo, ou a tentativa de um terceiro mandato no Congresso.
“Estou na política para cumprir uma missão”, diz.
Apoiar um candidato indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está fora de cogitação, afirma ele. Nem mesmo se for formada uma frente ampla para tentar derrotar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Prefere anular o voto a novamente votar em qualquer Bolsonaro.
“A família Bolsonaro é um projeto hegemônico de poder e que só está preocupada com si próprio. Não está preocupada com o país.”
Para o deputado, que afirma ter feito “voto útil” em Bolsonaro no segundo turno de 2018, aquela foi a escolha que ele tinha naquele momento.
Mas agora, o cenário é diferente. Se a pauta anticorrupção deu força para o MBL se tornar um dos principais grupos de direita e da oposição ao PT, essa também foi a principal promessa que Bolsonaro fez e não cumpriu, de acordo com ele.
“A promessa do enfrentamento à corrupção acabou a partir do momento em que ele precisou blindar o filho de uma investigação. E aí ele vendeu o país inteiro em troca dessa blindagem.”
BBC News Brasil – O MBL foi um dos apoiadores da candidatura de Bolsonaro em 2018. No ano passado, o senhor chegou a dizer que era da direita antibolsonarista, mas que aceitaria apoiar Bolsonaro ou estar ao lado de Bolsonaro em uma eventual coalizão ou uma frente ampla contra Lula.
Kim Kataguiri – Ao lado do Bolsonaro? Não foi isso que eu disse.
Eu disse, na verdade, que poderia ser um candidato que fosse bolsonarista, mas não o Bolsonaro.
BBC News Brasil – O senhor não apoiaria Bolsonaro se ele não estivesse inelegível?
Kataguiri – Em nenhuma hipótese.
BBC News Brasil – E se fosse o deputado Eduardo Bolsonaro?
Kataguiri – Ninguém da família.
BBC News Brasil – Nem se fosse em uma frente ampla para derrotar o presidente Lula?
Kataguiri – Não. Anularia o voto de novo.
A família Bolsonaro é um projeto hegemônico de poder e que só está preocupada com si própria. Não está preocupada com o país.
O Bolsonaro permitiu que o Supremo tivesse esse superpoderes. A gente acabou de aprovar o fim das decisões monocráticas [para ministros do Supremo Tribunal Federal]. Na legislatura passada, Bolsonaro, a pedido do [ministro do Supremo, Dias] Toffoli, vetou.
[O veto foi] para trancar as investigações sobre dinheiro do [senador] Flávio Bolsonaro, que estavam avançando e que só foram suspensas por causa de uma decisão do Supremo, capitaneada pelo Toffoli, para suspender todas as investigações envolvendo compartilhamento de informação entre a Receita e o COAF [Conselho de Controle de Atividades Financeiras].
E aí, nessa esteira, primeiro ele acaba com a Operação Lava Jato, nomeando Augusto Aras para PGR [Procuradoria-Geral da República]. Aras acaba não só com a Lava Jato, mas proíbe o modelo de força tarefa da Lava Jato para qualquer outra operação. Todos os corruptos, tanto do centrão, como do PT, das esquerdas, são soltos dentro dessa esteira.
O voto do ministro [do Supremo] Kassio Nunes foi fundamental para que o Lula pudesse utilizar as provas ilegais da Operação Spoofing na sua defesa e, portanto, tivesse os seus direitos políticos devolvidos. Depois, teve a anulação também com o voto do Kassio, da delação do [Antonio] Palocci. E por aí vai…
Bolsonaro perdeu a oportunidade de fazer um governo de fato de direita e coerente. Ele perdeu essa oportunidade traindo os próprios valores, traindo o próprio eleitorado e traindo as próprias promessas de campanha. Bolsonaro pegou o país com o Lula preso, inelegível, com o PT impopular, eu ia fazer campanha na rua, o PT escondia o vermelho, escondia a estrela.
E conseguiu entregar um país, primeiro, sendo o primeiro presidente da República a perder uma reeleição. Nem a Dilma, que entregou um péssimo governo com a pior crise econômica da história do país, pior do que a da pandemia, perdeu a reeleição.
BBC News Brasil – Mas que tipo de promessa ele fez e não cumpriu?
Kataguiri – Principalmente no combate à corrupção. Em vez de fortalecer o enfrentamento, ele afrouxou para proteger a si próprio e à própria família com afrouxamento da Lei de Improbidade Administrativa, com a tentativa de aprovação da mudança de composição do Conselho Nacional do Ministério Público, da PEC da Impunidade, com a mudança do diretor da Polícia Federal, o superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, também para blindar o Flávio.
Então, a promessa dele do enfrentamento à corrupção acabou a partir do momento em que ele precisou blindar o filho de uma investigação. E aí ele vendeu o país inteiro em troca dessa blindagem.
Do ponto de vista econômico, eu perdi a conta de quantas e quantas vezes Paulo Guedes e Bolsonaro mandaram o projeto para a Câmara dos Deputados para furar o teto, incluindo essa última “PEC kamikaze“, que criou um rombo de R$ 150 bilhões no ano eleitoral para ele desesperadamente despejar dinheiro e tentar vencer as eleições, que é, mais uma vez, no eixo do liberalismo também.
Eu me lembro que Paulo Guedes falou: “Reforma tributária, vou mandar semana que vem” [para ser votada no Congresso]. Fiquei dois anos esperando.
A reforma administrativa, quando veio, foi sem membro de poder. Então eu vou reformar o funcionalismo público inteiro, mas vou deixar juiz de fora, vou deixar promotor de fora, deputado de fora, senador de fora? Esse não era o governo que ia acabar com a mamata?
Eu fui presidente na Comissão de Educação em 2022, e vou falar um bastidor aqui para você que eu nunca falei publicamente. O próprio Bolsonaro ligou para o líder do meu partido na época [deputado Elmar Nascimento, União Brasil-BA], falando que não era para ele me indicar para presidência da Comissão de Educação, porque estava cheio de escândalo na educação, e ele sabia que eu ia convocar o ministro sim, e que eu ia ordenar investigação, sim.
E o líder do meu partido falou “Olha, o Kim não tem cargo no governo, não recebe emenda do governo, presidência de comissão é espaço do partido, não é espaço do governo Bolsonaro”, e manteve a minha indicação.
[Nota da redação: Procurados pela BBC News Brasil, Jair Bolsonaro e Elmar Nascimento não responderam aos pedidos de comentário até a publicação desta entrevista.]
BBC News Brasil – Acha que o julgamento dele por golpe de Estado foi justo?
Kataguiri – Eu acho que ele tentou de fato dar um golpe de Estado. E de uma maneira bastante rocambolesca, porque ele vai lá, imprime a minuta de golpe na impressora do Palácio do Planalto, pega ela sem saber a opinião dos comandantes das armas, submete aos três comandantes e só não leva em frente porque o comandante do Exército o ameaça prender se levasse o plano em frente.
Então a gente esteve a um sim — o sim do comandante do Exército — de ter um golpe de Estado.
Agora, que o julgamento do Supremo teve uma série de vícios processuais, isso eu não tenho a menor dúvida. Primeiro, você começa com o próprio foro. Só existem duas teses possíveis, e o Supremo inventou uma terceira. A primeira, que eu defendo, porque é a que está prevista na legislação, que diz que tem foro quem tem mandato.
Então, o Bolsonaro devia ter sido jogado na primeira instância. Mas tem o outro entendimento jurisprudencial da época do Mensalão, de que, por ter foro à época [do crime] e por envolver um caso de grande repercussão nacional, isso seria julgado pelo Supremo.
Se a gente for seguir a jurisprudência do Mensalão, ele deveria ter sido julgado pelo plenário e não por uma turma.
Outro ponto é que, ao final do inquérito, a defesa não teve acesso ao inquérito para preparar a resposta da acusação.
E aí, quando é oferecida denúncia e aberto já o prazo de resposta à acusação, é que o inquérito foi disponibilizado, no que a gente chama de data dumping: quando a acusação joga uma quantidade de dados, salvo engano eram 60 terabytes, uma coisa grotesca que demoraria alguns milhares de anos para você analisar tudo para apresentar a resposta da acusação.
Acho que o Supremo atropelou o processo.
BBC News Brasil – Acha que ele deveria cumprir a pena na cadeia? Ou deveria ficar em casa?
Kataguiri – Deve ir para a cadeia, sim.
BBC News Brasil – Mesmo com a idade avançada e com questões de saúde?
Kataguiri – Só se for inevitável que ele tenha um cuidado de saúde constante, o que não me parece ser o caso agora. Parece que ele tem problemas graves, mas pontuais, em que ele pode sair do presídio para ir ao hospital.

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BBC News Brasil – Se arrepende de ter ajudado o Bolsonaro a chegar ao poder?
Kataguiri – Eu fiz voto útil no Bolsonaro no segundo turno. Acho que com as informações que eu tinha à época, eu não tomaria outra decisão. Claro que, vendo agora em retrospecto, sabendo tudo que o governo Bolsonaro fez, fica mais fácil.
Claro que se eu pudesse ver o futuro, aí sim eu não apoiaria. A gente considerou que no segundo turno, minimamente ele cumpriria aquilo que estava dizendo. E não foi o que aconteceu, né?
BBC News Brasil – O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem sido apontado como o candidato da direita para o ano que vem. O senhor já chegou a dizer que ele era o nome mais forte da direita. Ainda acha isso?
Kataguiri – Não agora. O único nome que eu apoio é Renan Santos.
BBC News Brasil – E como vai ser? O senhor vai sair de um partido grande para um iniciante, sem fundo eleitoral nem tempo de TV. Como é que vai ser essa campanha?
Kataguiri – Vai ser uma campanha baseada em militância, em propósito, como os partidos deveriam ser. Deveriam ter programa, pessoas que acreditam naquele partido, que trabalham voluntariamente para ele, como de fato sempre foi o MBL.
Infelizmente, a gente não conseguiu ter um partido antes, porque no Brasil todas as barreiras são feitas para não ter novos partidos, não ter novos concorrentes.
Para mim, seria muito mais confortável estar no União Brasil com o tempo de TV, com R$ 2,5 milhões para fazer campanha. Agora, não é um projeto que eu acredito e eu não estou na política para me perpetuar no poder. Eu estou para cumprir uma missão.
BBC News Brasil – O MBL surgiu há uma década, o senhor tinha 19 anos. Ainda existe essa militância do MBL?
Kataguiri – Com certeza. É cada vez maior. A gente passou pelo nosso momento mais difícil em 2019, quando passamos a fazer oposição firme ao bolsonarismo. E dali tentaram nos destruir em todos os sentidos.
BBC News Brasil – De que maneira?
Kataguiri – Primeiro, fomentando campanhas para as pessoas pararem de nos seguir, para as pessoas chamarem a gente de traidor, de comunista e colocando operação do Ministério Público contra a gente, fazendo busca e apreensão no Movimento Brasil Livre, ordenando prisão preventiva que no final das contas, uma denúncia que era de lavagem de dinheiro de R$ 200 milhões pelo super chat do YouTube, virou denúncia por tráfico de influência para nomear um cargo comissionado no governo [de João] Dória, do qual a gente fazia oposição também.
Investigações do procurador-Geral da República contra mim por contratar um estudo da Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas] sobre licenciamento ambiental.
[Nota da redação: Em 2022, Augusto Aras entrou com representação contra o deputado, porque ele encomendou à Fipe, por R$ 50 mil, pagos com verba de gabinete, avaliação econômica de um projeto de lei que alterava o licenciamento ambiental, do qual Kataguiri era relator. A argumentação de Aras era de conflito de interesse, baseada em uma acusação do Ministério Público de 2020 que apontava o MBL como tendo atuado na contratação de um aliado pela Fipe.]
A nomeação do Augusto Aras para PGR, do Kassio Nunes para o Supremo Tribunal Federal, o afrouxamento da Lei de Improbidade Administrativa, a tentativa de aprovar a PEC da Impunidade, que depois foi reformulada agora como PEC da Blindagem, a tentativa de aprovar a PEC para mudar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público e perseguir promotores.
BBC News Brasil – Somente neste ano, o senhor destinou R$ 16 milhões em emendas parlamentares para a saúde pública. O senhor ainda defende a privatização do SUS?
Kataguiri – Na verdade, a maior parte do SUS já é privado, né?
A maior parte dos hospitais que atendem o SUS são entidades que foram fundadas por caridade e que depois foram incorporadas ao Sistema Único de Saúde, mas que não tem gestão nomeada pelo Estado.
São muitas Santas Casas. Um dos melhores hospitais públicos que eu considero, o Hospital de Base de Rio Preto, também é um hospital privado.
É um serviço público, claro, mas a gestão é privada. Acho que não é bem a privatização do SUS que é a discussão. A discussão é sobre o modelo de gestão do SUS, que para mim é um absoluto fracasso.
Agora, existem muitas instituições dentro do SUS que fazem um trabalho sério, que prestam um bom atendimento, que têm pesquisa de ponta.
Eu costumo dizer que o Brasil tem três áreas que orgulham o país em relação ao mundo e que estão na fronteira do conhecimento: a pesquisa agropecuária da Embrapa, a aviação, com o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica] e a Embraer, e a medicina da USP [Universidade de São Paulo], que está na fronteira do conhecimento em relação a outras pesquisas na área da Medicina no mundo.
BBC News Brasil – Vou perguntar novamente, porque essa era uma defesa do MBL em 2019. O senhor é a favor da privatização do SUS?
Kataguiri – Não, porque a discussão não é essa. Há muitos anos que a gente defende uma mudança no modelo de gestão do SUS. E que há hospitais estatais que precisam ser passados para a iniciativa privada, não tem a menor dúvida disso.
Agora, há outros hospitais que não precisam, que funcionam bem. Tem o HC [Hospital das Clínicas] da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], tem o HC da USP. Existem instituições públicas que funcionam. As que funcionam, não tem por que mexer. As que não funcionam, se não for possível fazer um choque de gestão para que permaneça público e funcione, que seja privatizado.
BBC News Brasil – O senhor disse neste ano que Lula não seria candidato, porque ele não queria, na sua visão, ser lembrado pela derrota. As pesquisas hoje mostram ele consolidado na frente. O senhor errou nessa avaliação?
Kataguiri – Não. Eu continuo fazendo essa avaliação.
BBC News Brasil – Acha que ele não vai ser candidato?
Kataguiri – Acho que é mais provável que ele não seja do que seja. Primeiro, por ele sentir que a esquerda e o próprio PT já estão pensando no pós-Lula, e por não verem, no médio e longo prazo, perspectiva de poder dele mesmo, porque ainda que ele dispute as próximas eleições, ele não vai disputar mais depois.
Ele vai se aposentar, já vai estar com uma idade avançada demais para continuar comandando o PT.
O PT sempre teve a estratégia, e a estratégia do ponto de vista político correta, de ser cabeça de chapa, de impor a marca do partido, de participar de todos os debates. Ele passou a relativizar isso, tanto nas eleições de 22, como nas eleições de 24. Na cidade de São Paulo, por exemplo, pela primeira vez na história, o PT não teve candidato, apoiou o [Guilherme] Boulos [PSOL].
Se a gente fizer um paralelo do Lula com outros presidentes, tanto o nível de rejeição, como o desempenho em pesquisas com esse nível de antecedência, boa parte das pesquisas eleitorais são recall. É o quanto você conhece aquele candidato. Naturalmente, aquele que está na cadeira [presidencial] tem uma vantagem grande. Mas, fazendo um paralelo com outros presidentes no mesmo período, ele não está bem.
A gente não pode analisar a pesquisa eleitoral de agora como se ela fosse refletir a pesquisa eleitoral de daqui a um ano. Então, eu continuo com a minha avaliação de que o Lula está mais preocupado com a sua biografia do que com o poder, e que, portanto, ainda que ele seja um candidato competitivo, acho que ele não corre o risco de disputar a eleição do ano que vem.

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BBC News Brasil – O senhor acha que tem mais algum candidato competitivo neste momento?
Kataguiri – Renan Santos.
BBC News Brasil – Nenhum presidente foi eleito sem antes passar por algum cargo eletivo antes, na história da democracia brasileira. Por que acha que ele tem chance?
BBC News Brasil – Primeiro, porque dentro da juventude, que é mais engajada politicamente e que tem uma capacidade muito grande de virar voto, nós proporcionalmente temos uma intenção de voto de 5%. E ele nem sequer lançou a candidatura na rua.
Não vejo relevância em ter ocupado o cargo eletivo anteriormente, porque, por exemplo, o Lula não se tornou viável porque antes ele tinha sido deputado. Lula se tornou viável porque ele disputou todas as eleições majoritárias e colocou o time na rua. Ele ter sido deputado não foi relevante.
A mesma coisa com Bolsonaro. Ele ter sido deputado durante tantos anos não foi o que garantiu a visibilidade para que ele fosse presidente da República.
[É] muito mais você colocar um projeto majoritário, muito mais você ter um espírito do tempo que permita que sua candidatura tenha espaço com seu discurso, que eu acho que é exatamente o nosso caso, de uma reforma radical na economia e na segurança pública.
BBC News Brasil – O senhor acha que as pessoas conhecem Renan Santos fora de São Paulo?
Kataguiri – Hoje em dia, nem em São Paulo ele é bem conhecido. Mas o que já nos causa uma boa surpresa é ele pontuar sem ter o lançamento da candidatura e sem ter um trabalho para ele para que ele se torne conhecido.
BBC News Brasil – O senhor protocolou recentemente um projeto de lei que criminaliza a apologia ao extremismo e ao terrorismo. Também apresentou o projeto de lei Danilo Gentili, que prevê imunidade civil e penal para qualquer pessoa que faça críticas, mesmo ofensivas a membro dos três poderes. Por que um discurso deve ser criminalizado e o outro protegido?
Kataguiri – Porque uma coisa não é um discurso. O que eu coloco no projeto do extremismo é incitação à violência física contra um opositor político. Isso é uma coisa que não se enquadraria na lei Danilo Gentili, porque ela trata principalmente sobre injúria e sobre difamação, sobre ofensas a uma pessoa pública.
Na minha visão, aliás, injúria sequer deveria ser crime, como não é na maior parte dos países desenvolvidos, é um ilícito civil. Se eu causo um dano à honra de uma pessoa que me causa um dano material, eu posso exigir indenização, mas eu não vou pedir prisão.
Calúnia, eu fiz questão de deixar fora [do projeto de lei], porque se uma pessoa imputa um falso crime a qualquer pessoa, ainda que seja o parlamentar, isso é criminoso e deve continuar sendo.
E do outro ponto, você não vai poder incitar a violência física contra o parlamentar por causa da legislação que eu estou propondo.
BBC News Brasil – Sobre os projetos do Missão, eles estão focados na segurança pública e economia. O MBL nasceu defendendo o liberalismo. Mudou um pouco isso nos últimos anos ou ainda é uma prioridade?
Kataguiri – Mudou. Eu acho que a gente mantém algumas das políticas e das filosofias liberais, mas em outros aspectos, eu, pessoalmente, mudei muito de opinião depois de ler Roger Scruton, que é um autor conservador contemporâneo bastante importante. Então acho que sim, teve uma mudança de visão ideológica.
BBC News Brasil – Mudou de opinião sobre o quê?
Kataguiri – O pragmatismo em relação ao que é estatal e ao que é privado. Eu citei para você a Embrapa como um dos exemplos de pesquisa que é referência para o mundo. Não acho que a Embrapa tenha que ser privatizada. Aquilo que é público, que funciona bem, não precisa ser privatizado.
BBC News Brasil – Essa é uma mudança grande…
Kataguiri – Sim. A gente tinha uma visão de que, por parte do capital, não por parte da execução, a iniciativa privada teria um papel preponderante. Hoje, a gente vê que o papel do investimento público, apesar de defendermos a execução privada, é muito importante.

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BBC News Brasil – E quais são esses projetos na área de economia e de segurança pública do Missão?
Kataguiri – De segurança pública, a adoção do Direito Penal do inimigo, uma doutrina que prega diferenciar duas categorias. Existe aquele cidadão que reconhece o pacto social, a Constituição e o ordenamento jurídico, mas comete um erro e é punido enquanto cidadão. Ele mantém todos os direitos e garantias fundamentais como um cidadão brasileiro.
E existe aquele que é subordinado a uma outra ordem, que são as facções criminosas, que defendemos que sejam tratadas como um país estrangeiro invadindo o nosso território.
Eles têm território próprio, exército próprio, hino próprio, sistema judiciário próprio. Eles têm leis próprias e, portanto, não é que eles são cidadãos que cometem um erro e aí são punidos de acordo com o nosso ordenamento. Eles não reconhecem o nosso ordenamento, eles reconhecem um paralelo de outro Estado e, portanto, devem ser tratados como inimigos do Estado, como inimigos da sociedade.
E o processo penal tem que ser compatível com isso. A gente defende uma literal – não retórica – declaração de guerra ao crime organizado.
BBC News Brasil – Na prática, isso significa o quê?
Kataguiri – Na prática, nós defendemos uma nova Constituição para que haja pena de morte e prisão perpétua para faccionados. Em última análise, dependendo do nível de hierarquia que eles estejam no crime organizado e da gravidade do crime, posso chegar a essas duas penas.
Em relação à economia, a gente precisa de uma mudança profunda no nosso orçamento. Primeiro com desvinculação. O presidente da República, o governador, o prefeito, ele precisa ter liberdade para manejar o orçamento.
Não faz sentido que tenha qualquer imposição constitucional do quanto ele deva gastar em qualquer área. Hoje, existe a vinculação de saúde e de educação, mas desde 1988 a gente gasta acima dessa vinculação na maior parte das vezes.
O orçamento discricionário é aquele para investimento, meio ambiente, infraestrutura, Farmácia Popular, Capes, CNPq, Pé-de-Meia, enfim, tudo está no orçamento discricionário.
Como vários programas discricionários vão perder espaço por causa do orçamento obrigatório, em vez da gente acabar com as vinculações para que a maior parte do orçamento seja discricionário e o presidente da República possa fazer políticas públicas de acordo com aquilo que o elegeu, todo mundo agora quer ir para o orçamento obrigatório.
Se nós formos vincular na Constituição tudo o que o presidente da República deve gastar em cada setor, a gente não precisa de presidente da República, deixa a Constituição executando o orçamento automaticamente.
É um debate extremamente impopular, porque o discurso vai ser “ah, vocês querem gastar menos com saúde, querem gastar menos com educação”.
A realidade dos municípios não é a mesma. Tem municípios que têm uma população mais jovem, então precisa investir mais em educação do que em saúde.
No ano que vem, vai ser a primeira vez que nós teremos um número de idosos superior ao número de jovens. A gente vai ter que gastar mais com seguridade social, com saúde. E vai ter que gastar menos com educação. O cobertor é curto e a gente precisa fazer decisões dentro da nossa realidade orçamentária.
[Outra proposta é ] um corte profundo de privilégios, tanto da elite privada, como da elite pública. A gente tem pelo menos R$ 15 bilhões de supersalários, principalmente de juízes e promotores, mas também de benefícios acima do teto para deputados e senadores. Isso precisa ser enfrentado, apesar de um lobby muito pesado.
Não dá para a gente tirar dinheiro do mais pobre da tributação do consumo, para pagar para um sujeito que tem uma média de rendimentos de R$ 100 mil ao mês, quando o teto é de R$ 46 mil, e eu já acho que o teto é alto.
Ao mesmo tempo, [cortar] os benefícios concedidos para a elite privada com as renúncias fiscais.
BBC News Brasil – Essas propostas precisarão do Congresso para serem aprovados. O Missão vai ter força para isso?
Kataguiri – A melhor maneira de construir uma maioria fácil no Congresso Nacional é tendo um programa popular, saindo forte das urnas, tendo uma boa eleição. A regra, desde a Nova República até hoje, é que os presidentes tenham uma maioria tranquila no primeiro ano de mandato.
Por duas razões: primeiro, porque ele sai legitimado, forte de um processo eleitoral. Segundo, porque o Congresso ainda está desorganizado, tem novos parlamentares, muitos deles não se conhecem, as lideranças partidárias começam a se formar, a eleição para a Mesa diretora da Câmara acaba de acontecer.
Acho que os nossos principais projetos, tanto de economia como de segurança pública, têm que começar no primeiro ano e com uma campanha forte. A parte de comunicação é nossa especialidade para que essas pautas sejam populares, porque [colocado] em pauta, sendo popular, é muito difícil um parlamentar aqui, mesmo se o governo não esteja pagando emenda, mesmo se ele não tenha cargo no governo, é muito difícil ele votar contrário.
BBC News Brasil – O senhor já falou no passado que taxar super-ricos “é coisa de socialista”. Ao mesmo tempo, votou a favor da ampliação da isenção do imposto de renda, que também aumenta a taxação dos mais ricos, que ganham acima de R$ 600 mil por ano. O senhor mudou de ideia?
Kataguiri – Não. Na verdade, apresentei uma emenda para que não houvesse esse aumento de tributação.
Primeiro, que é mentiroso o discurso do governo de que o mais rico, que tem um rendimento de R$ 600 mil, R$ 700 mil ao ano, paga a alíquota de 2% a 8%, porque ele paga isso na [pessoa] física. Agora, na [pessoa] jurídica, que é onde está concentrada a tributação no Brasil, ele vai pagar ali, somando IRPJ [Imposto de Renda Pessoa Jurídica] e CSLL [Contribuição Social sobre Lucro Líquido] de 24% a 34%, muito distante de 2% a 8% do que o governo está falando.
A tributação hoje já é suficiente. O que a gente precisaria, na realidade, é diminuir a tributação sobre o consumo, que é regressiva e penaliza mais os mais pobres, e não aumentar o sobre a renda.
Na realidade, o pobre deveria pagar menos na tributação sobre o consumo, e o rico não deveria pagar mais, necessariamente. A alíquota efetiva hoje dos mais ricos já é superior aos nossos a de países em desenvolvimento. Não faz sentido a gente tributar mais desincentivando o investimento aqui no Brasil.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL


