Nelito poderia ter qualquer outro tipo de alergia, dessas que tão comumente vemos por aí, suscitando olhos vermelhos, corizas, pigarros e tosses de cachorro. No entanto, quis o destino —e esse nariz em específico— que Nelito fosse alérgico a mim.
“Não é nada pessoal, você sabe. Ele te adora!”, reforça a esposa enquanto enviada da ONU para assuntos de diplomacia respiratória. Garantindo, seja em festas, seja em reuniões de trabalho, uma distância segura de pelo menos 500 metros entre mim e aquelas sensíveis mucosas nasais.
De tão hostilizada por Nelito e suas vias aéreas, passei a questionar minha própria essência enquanto pessoa perfumosa. Um texto de jornal como este, infelizmente, não fede nem cheira. Portanto, não posso pedir que leitores tirem a limpo essa questão, opinando sobre o que em mim poderia provocar o funga-funga alheio.
Desde a mais tenra idade, sempre temi o fantasma da fedentina —quiçá apavorada por parentas que passavam as crianças em revista, buscando joelhos imundos, cracas atrás de orelhas e “cheiros de cabeça azeda”. A quem me farejar possa, até hoje garanto aromas cotidianos de banho caprichado, cabelos lavados diariamente e amaciantes escolhidos a dedo. Como se “brisas de verão”, “carinhos de lavanda” e “frescores intensos” fossem as gotinhas do Chanel nº5 que Marylin Monroe “vestia” sem nada mais, por entre lençóis.
Em filas anônimas de farmácia, é comum perguntarem que colônia estou usando. Taxistas idem, inebriados por minha fragrância natural enquanto fecham as janelas e ligam o ar-condicionado. Muitos espirram, é fato. “Mas não é nada com a senhora, viu? Só um resfriado…” A dúvida, então, volta a pairar, feito gotículas de muco e trauma: será verdade ou um quê de Nelito?
Ao fim do expediente, após jornadas extenuantes de trabalho, odores corporais não deixam de ser uma preocupação cabível. Debaixo de sol ou apenas fazendo serão em baias repletas de colegas que também pagam contas com o suor de seus rostos, merecemos, sim, a tolerância de narizes outros. E um reforço no desodorante em vias de vencer.
É muito triste saber que um amigo tão querido tem alergia a você. No entanto, ontem mesmo, fazendo serão na firma, eis que encontro a cantora Gretchen no cantinho do café: “Nossa, que cheiro é esse???”. Clima de pânico no ar. “De banho, de perfume… Que cheiro gostoso!”
Cafunga essa, Nelito: seu sistema olfativo não gosta de mim, mas o da Gretchen gosta. “L’Eau de Je Suis La Femme.”
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Fonte.:Folha de S.Paulo