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28 de outubro de 2025

Lei do Racismo pode ser inflada novamente, incluindo mulheres

Lei do Racismo pode ser inflada novamente, incluindo mulheres

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, no último dia 22, uma proposta que acrescenta o termo “misoginia”, definida como “conduta que manifeste ódio ou aversão às mulheres”, na Lei do Racismo. Na prática, o projeto de lei 896/2023, de autoria da senadora Ana Paula Lobato (PDT-MA), equipara condutas consideradas “misógenas” ao racismo, tornando-as inafiançáveis e imprescritíveis.

A proposta foi aprovada em caráter terminativo, isto é, não precisará passar pelo Plenário do Senado e seguirá diretamente para ser votada na Câmara dos Deputados, que pode aprovar, rejeitar, ou modificar o texto.

O tema é controverso e foi alvo de críticas na CCJ, já que o texto aprovado é genérico e não especifica quais condutas serão consideradas misoginia. Na sessão, a relatora, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), defendeu que a proposta não tem como objetivo punir piadas ou comentários, mas sim “condutas graves que expressem ódio ou rejeição às mulheres”. 

Apesar disso, o texto não estabelece limites claros para evitar que manifestações opinativas ou mesmo humorísticas, que não tenham relação com “ódio ou rejeição às mulheres”, sejam punidas como misoginia.

Durante a votação, o senador Jorge Seif (PL-SC) fez fortes críticas à proposta, que classificou como “erro gravíssimo”. O parlamentar apontou que o problema da violência contra a mulher é real e precisa ser combatido com educação, prevenção e estrutura policial e políticas públicas, não com “leis simbólicas que criam crimes vagos e subjetivos”.

“Quem define o que é misoginia? Um juiz, um militante, um partido? Será que um comentário crítico, uma discordância em um debate público ou até uma fala mal interpretada poderão se tornar crime a partir da aprovação dessa lei?”, questionou.

“À primeira vista pode soar nobre, mas quando olhamos com responsabilidade, percebemos o que está por trás: mais uma tentativa de transformar o direito penal em ferramenta de controle de comportamento. Quando tudo vira crime – opinião, fala, piada, crítica –, o que nasce não é justiça, é um estado policialesco travestido de justiça social”, disse Seif.

Juristas apontam falha no texto

O trecho que pode ser acrescentado na Lei do Racismo, caso a proposta aprovada no Senado seja mantida na Câmara dos Deputados, é: “Considera-se misoginia a conduta que manifeste ódio ou aversão às mulheres, baseada na crença da supremacia do gênero masculino”.

Para advogados criminalistas consultados pela reportagem, da forma como foi aprovado, o texto abre margem excessiva para criminalizar manifestações opinativas diversas que não configurem discurso de ódio – o que pode gerar impactos diversos, desde em publicações na imprensa até em disputas eleitorais.

“A Lei do Racismo possui uma série de artigos que tipificam condutas específicas, ou seja, define objetivamente o que é racismo. Se alguém, por exemplo, nega hospedagem em um hotel por causa da cor da pele, isso é racismo e ponto. No caso desse projeto de lei, não há esse esclarecimento sobre o que configuraria o crime”, explica Geovane Moraes, professor de Direito Penal.

“A lei seria bem-vinda se ela tipificasse as condutas. Por exemplo: impedir que uma pessoa progrida no emprego porque ela é mulher, aí penso que vale o enquadramento. Do contrário não há critério objetivo. Tenho receio dos tipos penais abertos, porque basicamente significa deixar na mão de quem está interpretando, na mão do juiz”, prossegue. 

Já a advogada criminalista Ana Claudia Guimarães pontua que a subjetividade na definição do que de fato configura misoginia denota a ineficácia do objetivo pretendido para o projeto de lei.

“Quanto à punição de condutas que expressem ódio ou rejeição às mulheres, já temos uma legislação ampla e objetiva, que não deixa lacunas de interpretação. Ou seja, as normas já existentes constituem um farto conjunto de normas aptas a promover a equidade de gênero e combater condutas graves sem a possibilidade de punição injusta”, declara a advogada.

“Como defensora de mulheres, inclusive presidente de movimento de mulheres, posso afirmar que isso dificulta muito o nosso trabalho. Porque normas muito subjetivas geram margem para interpretações diversas, o que, na prática jurídica e processual, acaba dificultando o fluxo do andamento processual”, aponta.

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Relatora defende que objetivo é punir apenas crimes de ódio

À Gazeta do Povo, a relatora Soraya Thronicke informou, por nota, que a proposta não tem como objetivo punir “momentos jocosos ou comentários ainda tolerados socialmente”. Segundo a senadora, a intenção é alcançar condutas “realmente graves, marcadas por ódio, desprezo ou rejeição às mulheres”.

“Na análise do relatório que apresentei, deixamos claro que as condutas que manifestam ódio ou aversão às mulheres são aquelas baseadas na crença de que o gênero masculino é superior. A intenção do projeto não é punir piadas ou comentários ainda socialmente tolerados, mas condutas que expressem uma aversão patológica ao feminino — um comportamento que se aproxima de uma ideologia de supremacia masculina”, disse.

“A misoginia, portanto, vai além do machismo comum, internalizado em práticas e costumes sociais. Ela se manifesta por meio de atos discriminatórios ou de ódio explícito contra mulheres. Exemplos incluem: negar emprego, proibir a entrada em determinado local, recusar atendimento em restaurante, ou ainda injuriar alguém exclusivamente por ser mulher”, continuou.

Apesar da justificativa mencionada no relatório, o que tem validade jurídica é o texto aprovado, que não traz essas discriminações. A reportagem fez novo questionamento sobre a ausência da lista de condutas, de forma a evitar interpretações errôneas, mas não houve retorno até o fechamento da matéria.

Alterações recentes ampliaram o alcance da Lei do Racismo

Uma das primeiras leis sancionadas no novo mandato do presidente Lula (PT), em janeiro de 2023, foi uma modificação significativa na Lei do Racismo, equiparando a injúria racial ao crime de racismo. Com isso, falas que contenham elementos referentes a raça, cor, etnia ou procedência nacional entendidas como ofensivas por alguém que pertença a um grupo considerado minoritário passaram a ser imprescritíveis e inafiançáveis.

A pena para injúrias raciais também aumentou: a punição máxima, que era de três anos de prisão, passa a ser de cinco anos. Em paralelo, os crimes previstos na Lei do Racismo passaram a ter as penas aumentadas de um terço até a metade “quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação” – a lei foi usada, por exemplo, para aumentar a pena do humorista Léo Lins por piadas feitas no palco.

Como mostrado pela Gazeta do Povo, as mudanças trouxeram uma série de críticas, já que a pena máxima para piadas com grupos minoritários passou a ser maior do que para crimes como furto, receptação de bens roubados e sequestro. Além disso, o fator da imprescritibilidade (isto é, os crimes não prescrevem com o tempo) aplicado a essas condutas não é empregado no Brasil nem mesmo para homicídio e estupro.



Fonte. Gazeta do Povo

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