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- Author, Leandro Prazeres
- Role, Enviado da BBC News Brasil a Nova York
O governo de Donald Trump anunciou, nesta segunda-feira (22/9), um novo pacote de sanções contra autoridades brasileiras, na esteira de uma série de medidas tomadas pelos EUA para punir o Brasil.
As medidas ocorrem à véspera da abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), cujo discurso inicial será feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seguido por Trump.
Em outra frente, os EUA revogaram o visto do advogado-Geral da União, Jorge Messias, em uma medida que vem sendo tomada contra diversas autoridades brasileiras desde o meio do ano.
Messias classificou a ação como uma “agressão injusta”, por meio de nota.
Assim como Messias, outras autoridades – e seus familiares diretos -, todas ligadas ao Judiciário e à Justiça Eleitoral, também tiveram o visto americano suspenso nesta segunda, segundo uma fonte ligada ao Departamento de Estado americano:
- Airton Vieira, foi juiz instrutor do gabinete de Moraes e hoje é desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP);
- Benedito Gonçalves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele foi relator da ação que deixou Bolsonaro inelegível;
- Cristina Yukiko Kusahara Gomes, chefe de gabinete de Alexandre de Moraes
- José Levi, ex-advogado-Geral da União (2020-2021) no governo Bolsonaro, assumiu, em 2022, a secretaria-geral da presidência do TSE, comandado por Moraes na época;
- Marco Antonio Martin Vargas, ex-juiz auxiliar de Moraes quando ele comandou o TSE, em 2022, hoje é desembargador no TJ-SP;
- Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, juiz auxiliar de Moraes.
Em Nova York para a Assembleia da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedia uma entrevista a um canal de televisão americano quando soube da notícia sobre as sanções, informada por um de seus assessores.
Finalizada a entrevista, Lula e seus assessores conversaram e decidiram que ficaria a cargo do Itamaraty dar uma resposta, já que as medidas foram comunicadas pelo Departamento de Estado americano.
Em nota, o Itamaraty afirmou ter recebido a notícia “com profunda indignação” e que o recurso utilizado por Trump é uma “ofensa aos 201 anos de amizade entre os dois países”.
“Esse novo ataque à soberania brasileira não logrará seu objetivo de beneficiar aqueles que lideraram a tentativa frustrada de golpe de Estado, alguns dos quais já foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal. O Brasil não se curvará a mais essa agressão”, diz a nota.
Não há previsão, por enquanto, de uma manifestação do governo além da nota do Itamaraty. Mas a expectativa entre os assessores da presidência é que o tema seja tratado no discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU.
Até então, a possibilidade da aplicação de novas sanções pelos EUA durante a passagem de Lula pelo país era tratada como remota por interlocutores do presidente.
O cálculo era de que os EUA sabiam que se fizessem isso, dariam ainda mais munição para o discurso de Lula na abertura do evento, que tradicionalmente é aberto com um discurso do presidente brasileiro, seguido por seu homólogo americano.
No entanto, mesmo considerando a hipótese remota, o governo brasileiro não descartava totalmente a possibilidade de novas sanções.

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Vistos suspensos
As sanções do governo Trump contra o Brasil estão sendo feitas em diferentes frentes desde o meio do ano.
No início de julho, o presidente americano impôs tarifa de 50% contra produtos brasileiros.
Por meio de uma carta, Trump justificou a medida como uma resposta à perseguição que Bolsonaro estaria sofrendo no Brasil, devido ao processo criminal que correu no Supremo e acabou o condenando a 27 anos e 3 meses por golpe de Estado.
Além disso, Trump também justificou, na época, o aumento de tarifa argumentando que o Brasil adota barreiras comerciais (tarifárias e não tarifárias) elevadas contra os EUA, o que estaria desequilibrando o comércio entre os dois países.
Desde então, diversas outras medidas foram sendo tomadas pelo governo americano para punir autoridades brasileiras.
Na semana passada, o presidente do Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso, se manifestou na abertura de uma sessão plenária, sobre as sanções impostas pelos Estados Unidos ao Brasil e aos ministros da corte.
Segundo ele, seu primeiro pronunciamento sobre o tema é um chamamento ao diálogo e à compreensão, “pelo bem dos nossos países, de uma longa amizade e da justiça, em nome da Constituição e das leis que esse Tribunal, com juízes independentes e corajosos, conseguiu fazer”.
No entanto, o Supremo não confirma quais ministros tiveram seus vistos suspensos. Informações publicadas na imprensa apontam que todos, exceto André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux, foram sancionados.
Já o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, só confirmou que também estava com o visto suspenso quando, na semana passada, disse que havia recebido o documento de volta, e que, portanto, poderia participar da Assembleia Geral da ONU com Lula.
O mesmo não aconteceu com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que anunciou na sexta-feira (19/9) a desistência de viajar a Nova York devido às restrições impostas a ele pelos EUA.
O governo americano só permitiu que Padilha circulasse nas intermediações da sede da ONU, de seu hotel e da missão do Brasil, proibindo que ele viajasse para Washington para participar da Assembleia Geral da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

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O ministro classificou as medidas como uma “afronta” e “inaceitáveis”.
No mês passado, os EUA cancelaram o visto da filha e da mulher do ministro. O visto dele estava vencido.
Padilha comandava a pasta da Saúde quando foi criado o Programa Mais Médicos, em 2013. Também no mês passado, dois funcionários brasileiros que participaram da implementação do programa, Mozart Júlio Tabosa Sales e Alberto Kleiman, tiveram seus vistos suspensos.
Mozart Sales é atualmente secretário de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde; já Alberto Kleiman é, segundo seu perfil no LinkedIn, coordenador-geral para a COP 30 (cúpula do clima que ocorrerá em Belém do Pará em novembro) da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
Segundo comunicado do Departamento de Estado americano, a retaliação a Mozart Julio Tabosa Sales e Alberto Kleiman é “uma mensagem inequívoca de que os Estados Unidos promovem a responsabilização daqueles que permitem o esquema de exportação de trabalho forçado do regime cubano”.
‘Pressão para a elite’
As medidas aplicadas pelo governo americano têm como pano de fundo a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ele se mudou para os Estados Unidos no início deste ano, de onde tem dado entrevistas e publicado mensagens em redes sociais dizendo que está articulando, junto ao governo americano, repreendas contra o julgamento de seu pai.
Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses pelo Supremo por golpe de Estado, e, à medida que seu julgamento corria na corte, novas medidas eram anunciadas.
Nesta segunda, Eduardo publicou um vídeo em suas redes sociais dizendo que as novas sanções são uma “pressão para a elite”.
“Espero que a elite brasileira entenda que somente parando a perseguição, cujo único remédio possível é uma anistia dos fatos, começando em 2019, para que não haja mais a possibilidade de desengavetar qualquer desculpa para perseguir opositor político, somente dessa maneira, é que a gente vai conseguir reduzir essa temperatura”, afirmou ele.
À BBC News Brasil, Eduardo disse, no mês passado, que estava “disposto a ir até as últimas consequências para retirar esse psicopata do poder”, se referindo a Alexandre de Moraes.
Segundo a PGR, ambos estão agindo na articulação de sanções contra o país e autoridades brasileiras, numa tentativa de influenciar o resultado do julgamento de Jair Bolsonaro por golpe de Estado.
“Ambos os acusados, repetidas vezes, conforme visto, apresentaram-se como capazes de obter sanções no exterior – que obtiveram de fato –, de extrema gravidade nas suas consequências, tanto para a economia nacional como para os julgadores do caso em que Jair Bolsonaro, juntamente com Paulo Figueiredo e outros, aparece como responsável por crimes contra o Estado Democrático de Direito”, escreve a PGR na denúncia.
Bolsonaro está em prisão domiciliar no âmbito deste processo, que é um desmembramento do processo sobre o golpe de Estado. No entanto, a PGR não denunciou o ex-presidente.
Em nota, Eduardo e Paulo Figueiredo classificaram a denúncia como “fajuta” e disseram viver sob a jurisdição americana, que garantiria a eles o direito de “peticionar ao governo para corrigir abusos e injustiças”.
Lei Magnitsky
A lei Magnitsky é uma das mais severas disponíveis para Washington punir estrangeiros que considera autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção. Sua aplicação para familiares de um juiz é algo sem precedentes na lei que existe desde 2012 nos EUA.
No fim de julho, ela foi aplicada contra Moraes. Desde então, eventuais bens que o ministro tiver nos Estados Unidos estariam bloqueados, assim como transações com os EUA e o uso de cartões de crédito com bandeira americana.
Agora, com a inclusão de Viviane de Moraes na lista, o Tesou americano publicou uma nota afirmando que a sanção mira o ministro.
“Alexandre de Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias e processos politizados — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro”, afirmou o secretário do Tesouro, Scott Bessent, em uma nota publicada no site do Tesouro.
“A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a perseguir indivíduos que fornecem apoio material a Moraes enquanto ele viola os direitos humanos.”
Alexandre de Moraes classificou a medida como “ilegal” e lamentável” e afirmou que continuará “a cumprir minha missão constitucional de julgar com independência e imparcialidade”.
Já o Supremo emitiu uma nota lamentando a ação e considerando “injusta” a aplicação de sanções contra Viviane de Moraes.
“Infelizmente, as autoridades norte-americanas foram convencidas de uma narrativa que não corresponde aos fatos: estamos diante de um julgamento que respeitou o devido processo legal e o amplo direito de defesa, com total publicidade”, diz a nota.
“Se já havia injustiça na sanção a um juiz pela sua atuação independente e dentro das leis e da Constituição, ainda mais injusta é ampliação das medidas para um familiar do magistrado.”
Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.

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Inicialmente voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.
Desde então, a lei passou a ter aplicação global.
Em 2017, pela primeira vez a lei foi aplicada fora do contexto russo, durante o primeiro governo de Donald Trump.
Na ocasião, três latino-americanos foram alvo de sanções por corrupção e violações de direitos humanos: Roberto José Rivas Reyes, então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua; Julio Antonio Juárez Ramírez, deputado da Guatemala; e Ángel Rondón Rijo, empresário da República Dominicana.
As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano. Não há necessidade de processo judicial — as medidas podem ser adotadas por ato administrativo, com base em relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.
Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas.
Também podem ser sancionados agentes públicos que impeçam o trabalho de jornalistas, defensores de direitos humanos ou pessoas que denunciem casos de corrupção.
A Lei Magnitsky já foi usada contra membros do judiciário de países como Rússia e autoridades de Turquia e Hong Kong, em casos de perseguição a opositores, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada.
Em Entrevista à BBC News Brasil, William Browder, executivo financeiro britânico que liderou a campanha pela aprovação da lei nos Estados Unidos, afirmou que o uso da lei para punir Moraes é “deturpação”.
“O uso atual da Lei Magnitsky pelos Estados Unidos contra um juiz envolvido em um processo contra um ex-político, no qual os Estados Unidos disseram claramente que estão irritados porque esse ex-político está sendo processado, não é um uso apropriado da Lei Magnitsky, e é uma deturpação de suas intenções originais”, afirmou ele.
Fonte.:BBC NEWS BRASIL