Em meio à divulgação de novas diretrizes em relação ao autismo, que incluem uma polêmica contraindicação ao uso de paracetamol na gestação, o governo de Donald Trump também propôs uma nova alternativa de tratamento para o transtorno: o uso de um medicamento conhecido como leucovorina.
Pouco conhecido, o nome causou muitas dúvidas imediatamente após as primeiras notícias virem a público. Afinal, o que é a leucovorina e o que realmente se sabe sobre seu potencial terapêutico diante do transtorno do espectro autista (TEA)?
O que é a leucovorina?
A leucovorina, também chamada de ácido folínico, é um medicamento análogo ao ácido fólico ou folato, que por sua vez é uma vitamina hidrossolúvel do complexo B (mais exatamente, a vitamina B9) relacionada ao desenvolvimento celular e à prevenção de malformações neurais durante a gestação.
Uma grande vantagem em relação ao ácido fólico comum é que, na apresentação de ácido folínico, a leucovorina consegue “furar” o bloqueio do cérebro ao folato existente em algumas pessoas. Essa característica pode ser útil frente a uma condição conhecida como deficiência cerebral de folato (mais sobre ela abaixo), que poderia estar associada ao autismo.
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Para que serve a leucovorina
Em contextos médicos, a leucovorina é mais conhecida por seu uso durante tratamentos quimioterápicos para diferentes tipos de câncer, combinada a outros fármacos.
Sempre associada a outros remédios, ela também pode ser indicada durante o tratamento de algumas condições autoimunes, como a psoríase.
Como esse medicamento se relaciona com o autismo?
O uso da leucovorina frente ao TEA é alvo de estudos iniciais, ainda sem aplicação ampla. No anúncio feito nesta semana, a FDA, a “Anvisa norte-americana”, informou que deu início ao procedimento para que a leucovorina venha a ter essa indicação aprovada.
A relação com o autismo se dá por um mecanismo que a ciência ainda tenta compreender melhor: a hipótese é que o TEA poderia ocorrer em correlação com a deficiência cerebral de folato (DCF), uma condição rara em que os níveis da vitamina B9 até parecem normais quando medidos no sangue, mas estão abaixo do ideal no próprio cérebro.
Crianças com DCF costumam apresentar sintomas neurológicos por volta do segundo ano de vida, que incluem dificuldades de fala, cognição e uma propensão maior à epilepsia. Alguns estudos sugerem que muitas crianças com autismo também teriam problemas relacionados ao transporte de folato para o cérebro, algo contornado pelo ácido folínico.
A leucovorina, graças à capacidade de vencer esse bloqueio, pode ser utilizada (de modo off-label) no tratamento da DCF. Por extensão, o medicamento teria potencial de ajudar a prevenir quadros mais severos de TEA, caso a conexão entre o autismo e a deficiência de folato seja confirmada.
Mas funciona mesmo?
A resposta mais objetiva a essa questão é: neste momento, a ciência não tem evidências robustas de que a leucovorina seja um tratamento eficaz, viável e seguro para o autismo, nem que doses seriam mais indicadas, caso ela funcione mesmo.
As poucas pesquisas existentes sugerem um potencial do medicamento em minimizar sintomas associados ao TEA, mas elas foram feitas com grupos pequenos e utilizando diferentes dosagens. Existe, portanto, um indício de que esse fármaco pode ser útil, mas mais pesquisas são exigidas para compreender como ele atua.
Em suma: as pesquisas são animadoras, mas estão longe de oferecer uma solução imediata ou garantida para versões mais severas do TEA.
Entidades de referência na área, como a Autism Science Foundation, sediada nos próprios Estados Unidos, reforçam esse entendimento.
Em um comunicado publicado nesta semana, a organização enfatizou: “dados sugerindo que a leucovorina pode ser efetiva [no tratamento do autismo] vêm de quatro pequenos ensaios randomizados, todos usando doses diferentes e com resultados diferentes e, em um dos casos, dependente de uma variante genética específica. Esse conhecimento científico ainda está em estágios muito iniciais, e mais estudos são necessários antes de se chegar a uma conclusão definitiva”.
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Fonte.:Saúde Abril