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18 de agosto de 2025

Levitsky: Trump faz coisas iguais à Coreia do Norte – 17/08/2025 – Mônica Bergamo

Levitsky: Trump faz coisas iguais à Coreia do Norte – 17/08/2025 – Mônica Bergamo

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Autor do best-seller “Como as Democracias Morrem”, o cientista político e professor de Harvard Steven Levitsky afirma que os ataques do governo de Donald Trump à universidade “tem sido brutais”. “Me custou muito sono. Me custou muitas lágrimas.”

Especialista em estudos sobre a América Latina, Levitsky diz que muitos dos seus alunos de graduação e 90% dos de doutorado são estrangeiros, incluindo brasileiros. Para ele, a parte mais difícil é acompanhar de perto o sofrimento desses jovens após a tentativa de Trump de proibir a matrícula de estudantes de outros países na instituição e de outras medidas para dificultar a concessão de vistos.

“Isso não acontece em uma democracia. O que a administração Trump está tentando fazer em Harvard se assemelha apenas à Coreia do Norte. Isso é loucura”, diz.

Na semana passada, Levitsky esteve em uma rápida passagem pelo Brasil, onde se encontrou com o presidente Lula (PT) e o vice Geraldo Alckmin (PSB), com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com o ex-ministro e atual assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, e também com o presidente do PSD, Gilberto Kassab.

Um dia antes de chegar ao Brasil, ele conversou por videoconferência com a coluna. Na entrevista, o cientista político diz que Trump é o “pior pesadelo” americano e que o Brasil é hoje “consideravelmente mais democrático do que os EUA”.

Afirma também que, ainda que o Judiciário e o Legislativo possam precisar ser contidos por excesso de poder em uma nação, nem de perto “eles representam a ameaça de ditadura que o Executivo pode representar”. “Se você olhar para países que no século 21 passaram da democracia para a ditadura são sempre, sem exceção, o Poder Executivo matando a democracia. Não é o Judiciário”.

Apesar de reconhecer que possa haver exageros do STF, Levitsky diz acreditar ser preferível errar pela postura adotada pelo Brasil ao “reprimir uma ameaça conhecida à democracia [Bolsonaro] do que errar do lado dos Estados Unidos, ao permitir que uma ameaça [Trump] retorne ao poder.”

Diz também que não há liberdade de expressão absoluta e que promover algum tipo de regulação das redes sociais “é inteiramente compatível com a democracia”.

ATAQUES À HARVARD

Estou em uma posição muito privilegiada como professor tenure [um título dado a docentes nos EUA que garante estabilidade] em Harvard, então, não sofri de forma direta.

Mas, sendo alguém que estuda democracia, tem sido exaustivo. Me custou muito sono. Me custou muitas lágrimas. Tem sido brutal para mim.

Quando o governo tentou negar a Harvard a capacidade de receber estudantes internacionais, isso jogou a vida de 90% dos meus alunos [de doutorado] ao vento.

Eles não sabiam se no que tinham passado a maior parte de suas vidas adultas trabalhando poderia realmente ser concluído. Eles não sabiam se poderiam ir visitar seus avós no Brasil porque, se saíssem do país, talvez não pudessem voltar.

Ter que assistir a esses estudantes aterrorizados, sofrendo, essa tem sido a parte mais difícil para mim. E isso é o que acontece em um governo autoritário.

Universidades não são atacadas em democracias. Apenas a Coreia do Norte nega às universidades a capacidade de receber estudantes internacionais. Cuba recebe estudantes internacionais. A China também.

O que a administração Trump está tentando fazer em Harvard se assemelha apenas à Coreia do Norte. Isso é loucura.

TRUMP, PIOR PESADELO

Por mais que detestemos admitir, as instituições dos EUA falharam completamente em conter Donald Trump. Ele é o tipo de demagogo autoritário que os fundadores do nosso país temiam quando elaboraram a nossa Constituição. É o tipo de líder que eles tinham em mente quando criaram o impeachment, quando criaram um Congresso poderoso e um Judiciário forte, e um Executivo relativamente fraco.

Donald Trump é o pior pesadelo dos líderes fundadores do nosso país. E nunca na história dos EUA tivemos um presidente tão ameaçador para o Estado de Direito, para a Constituição, para a democracia.

O fato de Trump ser presidente hoje, depois de ter tentado um golpe, depois de ter tentado roubar uma eleição, é a prova de que nossas instituições falharam. E elas não falharam pouco. Elas falharam muito.

RESPOSTA BRASILEIRA

Não quero pintar uma imagem idealizada das instituições do Brasil. A democracia brasileira tem muitas falhas, tem muitas imperfeições. E todo o processo de resposta a [ex-presidente Jair] Bolsonaro [PL] foi confuso. Reconheço que envolveu alguns movimentos controversos do Judiciário.

Mas as instituições brasileiras responderam muito mais eficazmente à ameaça representada por Jair Bolsonaro do que as instituições dos EUA [às ameaças de Trump]. Os políticos de direita brasileiros, com exceção da família Bolsonaro, aceitaram os resultados da eleição de 2022, ao contrário dos políticos de direita nos EUA.

Embora seja controverso, a agressividade com que o Supremo Tribunal foi atrás de Bolsonaro —e que provavelmente acabará por condená-lo por uma tentativa de golpe— contrasta fortemente com os EUA. Dá uma imagem para os americanos do que poderíamos e deveríamos ter feito. No final do dia, acho que o STF fez o que precisava fazer para defender a democracia brasileira.

ESTADO FORTE

Há um grande debate sobre as formas como as democracias devem se defender contra ameaças autoritárias. Os EUA estão em um extremo. Somos muito liberais, muito ‘laissez-faire’ [do francês, deixar fazer]. Não achamos que o Estado deva tomar medidas para proibir partidos ou candidatos que sejam criminosos ou que representem ameaças à democracia. Permitimos até que condenados concorram a cargos [públicos].

O perigo disso está claro agora para todos verem. Elegemos um presidente criminoso e autoritário que está matando nossa democracia enquanto falo. O Brasil, desde a Constituição de 1988, tem estado mais próximo de muitas outras democracias na Europa e na América Latina ao capacitar o Estado a tomar medidas mais agressivas contra ameaças à democracia ou ao Estado de Direito.

Há desvantagens nessa abordagem também. Primeiro, é potencialmente menos democrática. As autoridades eleitorais e judiciais brasileiras proibiram centenas de candidatos de concorrer a cargos, seja porque foram condenados por crimes ou, no caso de Bolsonaro, porque ele atacou a democracia. Isso tira a escolha das mãos dos eleitores, o que é, de certo modo, menos democrático.

Há o risco de politização, de que candidatos legítimos possam ser proibidos. Isso acontece na Guatemala, no Peru e em ditaduras como Nicarágua e Venezuela. Mas neste caso [brasileiro], acho que fundamentalmente funcionou.

DIREITOS DE BOLSONARO

Podemos debater se Jair Bolsonaro deveria ter o direito de se expressar agora nas redes sociais, mas para mim, isso não é inequivocamente autoritário. Bolsonaro é uma ameaça comprovada à democracia. E se você vai errar de um lado, eu preferiria fortemente errar do lado brasileiro, de reprimir uma ameaça conhecida à democracia, do que errar do lado dos EUA, ao permitir que uma ameaça conhecida à democracia retorne ao poder.

STF PODEROSO

Acho que o STF realmente vestiu a capa de Super-homem após a eleição de Bolsonaro em 2018 e com sua controversa investigação sobre fake news em 2019. E, obviamente, com seu processo contra Bolsonaro, ganhou ainda mais poder. Provavelmente é o Supremo Tribunal mais poderoso na história da América Latina. E um dos mais poderosos do mundo. E isso representa uma ameaça.

Supremos tribunais e o Poder Legislativo podem se tornar poderosos demais e podem precisar ser contidos. Mas não representam nem de perto a ameaça de ditadura que um Executivo representa. Se você olhar para países que, no século 21, passaram da democracia para a ditadura são sempre, sem exceção, o Poder Executivo matando a democracia. Não é o Judiciário.

Como democrata, se tenho que escolher —e essa é uma situação de alto risco, perigosa e incerta— onde vou cometer um erro, dando poder ao Judiciário ou dando poder ao Executivo, eu escolheria o Judiciário.

Se você der poder ao Executivo da maneira como fizemos nos EUA, você vai acabar com um resultado como o que tivemos. Hoje o Brasil é consideravelmente mais democrático do que os EUA.

REGULAÇÃO DAS REDES SOCIAIS

Não existe um padrão único, não existe uma única resposta certa. [Nós americanos] somos extremamente liberais e relutantes em censurar a mídia. Embora, curiosamente, o governo atual esteja tomando várias medidas para punir aqueles que se expressam.

Se você for para a Alemanha ou para outras democracias da Europa Ocidental, em muitos aspectos mais democráticas do que os EUA, há maior regulação do discurso. Nazistas não têm direito a liberdade de expressão na Alemanha. Isso é impensável nos EUA.

As redes sociais são um território novo. O problema da desinformação é real. A expressão de crenças políticas é uma coisa, mas a desinformação durante uma guerra, durante um desastre natural, durante uma pandemia, isso pode exigir regulação. Vidas estão em jogo. Sem dúvida, é necessário haver alguma regulação das redes sociais. E alguma regulação das redes sociais é inteiramente compatível com a democracia.

Pessoalmente, acho que é preferível que a regulação venha através do Legislativo. Funcionários eleitos devem fazer leis democráticas que regulem as redes sociais em vez do Judiciário, um órgão não eleito.

Em um mundo ideal, o Congresso brasileiro aprovaria uma legislação que encontrasse o equilíbrio mais aceitável para os brasileiros entre regulação e livre expressão. Não há democracia no mundo onde exista um direito absoluto à liberdade de expressão.

É absurda essa linha bolsonarista alardeada pelo governo Trump de que esse tipo de regulação é, por definição, uma violação da liberdade de expressão.

Dito isso, há debates legítimos sobre como o Supremo Tribunal interveio em relação às redes. Não sou brasileiro e não estou informado o suficiente para falar sobre esse debate. Mas é um debate legítimo.

TARIFAÇO

Como cidadão americano, é uma expressão vergonhosa do poder econômico dos EUA. Não posso dizer aos brasileiros como reagir, mas acho muito perigoso, assim como foi quando os EUA empregaram a CIA para tentar derrubar o governo no Chile em 1973 ou quando intervieram para derrubar um governo eleito na Guatemala em 1954. É errado os EUA tentarem usar seu poder para minar um processo democrático em outro país.

Seria um profundo golpe ao Estado de Direito do Brasil se ameaças do governo dos EUA afetassem o resultado de um processo judicial no Brasil.



Fonte.:Folha de S.Paulo

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